Mergulho no naufrágio do
SS Thistlegorm

Mar Vermelho
Por: Nestor Antunes de Magalhães

 

 

Olá amigos.
Estive agora em setembro passado a bordo do Ghazala I, embarcação especializada para mergulhadores, realizando uma séria de mergulhos (18) em naufrágios no Mar Vermelho, Golfo de Suez, Estreitos de Tiran e Gubal bem como Golfo de Aqaba.
O meu objetivo principal era o SS Thistlegorm, cargueiro inglês com 126 m de comprimento e 4.900 ton de deslocamento. Tinha quatro porões, dois grandes guindastes e chaminé singular. Este navio suspendeu do porto de Glasgow em Ago 41, contornando o sul da África (escala em Capetown), navegando pelo Canal de Moçambique e penetrando no Mar Vermelho com escala em Aden. Seu destino final era Alexandria, com passagem pelo Canal de Suez. O navio estava com a sua carga plena de armamento, munição e suprimentos diversos para o 8º Exército inglês que se mobilizava para a Operação Cruzader. Armazenados nos seus porões e convés, estavam duas locomotivas, caminhões Bedford, Bren Carriers, dúzias de motos BSA, vagões para água, motores de aviões, pneus, fuzis Enfields, asas, ferramentas, uniformes, botas, munição diversa, desde milhões de cartuchos .303 a grandes granadas com mais de 380 mm, destinada aos canhões de encouraçados e ou artilharia de costa.

 

O Thistlegorm, ainda no Mar Vermelho, juntou-se a um comboio de 20 navios e, algum dias depois, ancorou na entrada do Golfo de Suez, a SE de uma região conhecida como Sha´ab Ali. Não longe dele, também lançou ferros o cruzador HMS Carlisle. Na madrugada de 6 Out 41, por volta da 1h39 min, foi atacado por dois Heinkels 111 da Kampfgeschwader 26, baseada em Creta.
Ao que parece, estes dois bombardeiros procuravam no mar o grande transporte de tropas Queen Mary, abarrotado de soldados australianos.
Não encontrando o navio da Cunard, escolheram o Thistlegorm como alvo alternativo. Era grande e se destacava na débil claridade noturna. Duas bombas de 500 kg com espoleta de retardo para dois segundos, atingiram o costado de boreste, afundando rapidamente o transporte em uma violenta explosão (parte da munição também explodiu).
Dos 39 tripulantes e artilheiros da Royal Navy (o navio tinha dois canhões na popa), 30 conseguiram sobreviver sendo recolhidos pelo cruzador que não estava longe (um estilhaço do Thistlegorm atingiu o Carlisle no costado, abrindo um buraco de 50 cm de diâmetro). Na tragédia, destacou-se o marinheiro Angus McLeavy que salvou vários companheiros e, apesar de queimado, sobreviveu para receber a George Medal das mão do Rei George e também a Lloyds War Medal em reconhecimento pela sua bravura.



Rota do
Thistlegorm até seu naufrágio
 
 

Foi por volta de 1955 que Cousteau (sempre ele) encontrou os destroços do Thistlegorm. Explorou o naufrágio e escreveu um artigo para a revista National Geographic, mas não deu sua localização exata. Em alguns anos tudo foi esquecido e o naufrágio ficou intocado até que em 1991, uma equipe de mergulhadores alemães (!) redescobriu o local (N 27° 48,849´ - E 33° 55,222´).
Hoje o naufrágio do SS Thistlegorm, pousado na areia branca do fundo do mar em posição de navegação, com seu enorme hélice a 33 m de profundidade e proa a 16 m, é um dos mais importantes pontos de mergulho do mundo para os fanáticos por naufrágios (eu me incluo neste alegre grupo). A temperatura da água é de 29
° C e a visibilidade submarina, excelente. Um verdadeiro museu da II Guerra Mundial, repleto de história, mistério e encantamento.
Mergulhamos com uma guia (alemã); eu, um mergulhador chinês e um alemão. A guia conhecia muito bem o caminho e nos levou por dentro dos porões 1, 2 e 3, um verdadeiro labirinto vertical com vários andares cheios de material bélico. Uma visão espetacular e fantasmagórica dos caminhões, rodas, asas e motocicletas. Observo que os tanques de combustível das motos BSA, na sua maioria, estão esmagados e ou destruídos. Seria a pressão ou o metal fino não resistiu ao tempo?

 

Não há gravidade e é uma sensação deliciosa flutuar no espaço, indo sem esforço de uma bota Wellington, no fundo do porão, à asa de um Hurricane mais acima. Minha nossa! E eu louco para pegar um cartucho de .303. Nada feito, a guia muito rosca fina, ficou em cima de nós o tempo todo. Realizamos também uma penetração pela proa e pelo casario, momento em que conseguimos chegar até o camarote do comandante Ellis. O cara tinha uma bela banheira particular.

 
 
No segundo mergulho, sobre o convés a boreste, quase na proa, observei surpreso uma forma fuselada que parecia ser um pequeno avião ou um torpedo rechonchudo. Alguma batidas de nadadeiras e cheguei perto para descobrir que o estranho objeto era um paravane, engenho destinado a limpar campos de minas de fundeio cortando os cabos ao ser rebocado pelo navio draga-minas.
Bem, era hora de subir. Mergulhar no Thistlegorm foi inesquecível. Talvez um dia, uma tempestade no Mar Vermelho o arraste para águas profundas, enterre os destroços na areia ou simplemente desmantele o seu casco. Contudo, até este dia, o velho Thistle continuará sendo os restos silenciosos de um pedaço da História.

Um abração. Nestor

 


 

Nestor Antunes de Magalhães é membro do Grupo BdU - Brazilians discovering Unterseeboote, um grupo especializado no estudo histórico da atuação dos submarinos alemães na costa brasileira durante a Segunda Guerra, colaborando com informações para as expedições de mergulho nos U-Boats naufragados.
Maiores informações: http://u-boats.sites.uol.com.br