Zero em Truk Lagoon
Truk Lagoon: Um Notável Museu Submerso
Mergulho em um Mitsubishi A6M Zero


Por: Nestor Antunes de Magalhães

 

 
Havia uma grande expectativa no salão de briefing à popa do SS Thorfinn, nosso navio-base ancorado bem no meio de Truk Lagoon. Escutávamos atentamente as explicações do Capitão Lance Higgs, planejando o nosso terceiro mergulho do dia. Iríamos explorar o naufrágio do Fujikawa Maru, um grande cargueiro japonês com 132 m e quase 7.000 ton de deslocamento. O desenho do naufrágio, em todos os seus detalhes, era projetado em um telão e podia se ver um navio não desmantelado, com uma elegante popa, uma chaminé solitária, dois guindastes, sete porões e dois canhões de seis polegadas (152 mm), um na proa e outro na popa. Também aparecia na imagem, quase a meia nau e a boreste, um generoso buraco de torpedo no casco, resultado do ataque do dia 17 Fev 44. Algum Avenger da US Navy tivera boa pontaria. Senti um choque ao escutar as palavras "Zero fighter" no planejamento.
 
Minha nossa, então estavam armazenados no porão Dois, quatro caças Zeros! Bem, era o que o Capitão Higgs estava dizendo.
 
 
  Rolei de costas pela borda da nossa lancha, penetrando em um estouro de espuma na água azul e tépida da laguna. Sempre aquele friozinho na barriga até atingir a água. Também havia uma outra expectativa, mergulhava pela primeira vez respirando Nitrox 32.

A visibilidade, como de costume, era muito boa e logo avistei o longo casco do Fujikawa Maru.
 
Permanecia pousado no fundo de areia branca com seu convés a 27 m da superfície. Deixei meus companheiros, o Patrick, o Luís Mota e o guia Tomo, que foram explorar a casa das máquinas e nadei sozinho para a proa. Logo estava na plataforma do canhão.

Para a minha surpresa, a arma era protegida por um escudo, agora coberto de vida marinha, mas a culatra havia sido limpa por algum mergulhador. No aço brilhante do bloco estava escrito FOC 6 In. B.L. Nº 12469 e a data 1899.
 
 
 


Pareceu-me um canhão inglês, mas como fora parar em um navio japonês? Teria sido material capturado nas colônias britânicas, francesas ou holandesas ou simplesmente comprado pelo Japão nos anos 30?

Nadei para o porão Dois, respirava bem, estava com a flutuabilidade neutra, o termômetro marcava deliciosos 29 °C e o manômetro indicava o consumo de 1/3 do cilindro de ar comprimido. Pelo caminho, espalhados pelo ferro do convés, fui encontrando garrafas, um cartucho 7,7 mm, louças, fios, máscaras contra-gases e um sapato.

Olhei pela borda do porão. Lá embaixo estava escuro, mas logo enxerguei as nuvens de bolhas dos meus parceiros, assim, desci até eles.
 
 
 
 

A visão foi se acostumando às sombras. Minha mãe, logo vi um Zero! Puxa vida, um caça Zero! Um deles estava quase que completo. Os demais parcialmente desmontados. Asas em um canto, fuselagem no outro.

Imediatamente aparecem no pensamento as narrativas do ataque a Pearl Habor, dos combates encarniçados do Ás japonês Saburo Sakai sobre Guadalcanal ou os enxames de Kamikases em Iwo Jima, que histórias!

Também por ali permaneciam diversos tonéis de 200 litros. Seriam para gasolina de aviação?
 
 
 
Nadei para o Zero em melhores condições. Estava sem a cobertura envidraçada do cockpit. Entretanto ali permanecia o assento do piloto, o manche, o painel de instrumentos e outras peças que não consegui identificar. O espaço para o piloto era realmente pequeno, os pedais também. Havia cabeleiras de fios no interior da nacele e os mostradores do painel do Zero ainda estavam com os vidros.

O manche não possui mais o punho emborrachado e nem os gatilhos dos canhões de 20 mm e das metralhadoras de 7,7 mm. Agora é um simples tubo metálico, enferrujado. Parece-me até muito fino. Sinto os detalhes dos rebites achatados da fuselagem e o encosto do piloto em alumínio, todo perfurado pela busca extrema da economia de peso. Lembro que este caça, veloz e de grande maneabilidade, não possuía blindagem e nem tanques de combustível auto-obturáveis. O conceito japonês de operações aéreas se constituía sobre uma palavra: Ataque e os Zeros eram ferozmente inexoráveis nesta atitude, armas ofensivas na sua essência.

Em um outro Zero, meus parceiros posavam para a foto histórica sentados no apertado espaço da carlinga. É um local para um homem pequeno. Este movimento já começava a levantar uma nuvem de sedimentos, ferrugem e silte marinho. Estes aviões, vindos do Japão, destinados à guarnição de Truk, haviam afundado juntos com o navio há 68 anos atrás. Na base de uma das asas o alumínio está corroído e é possível enxergar as longarinas da estrutura. Juro que tive a impressão de ter visto os resíduos de um sol vermelho ainda pintado naquela asa. Minha nossa!
 
 
 
   
 


Volto à realidade. É hora de subir. O porão está ficando cada vez mais escuro devido a suspensão levantada pelo movimento dos mergulhadores e será um longo caminho até a superfície, com a inevitável parada de segurança. Cruzo sobre a enorme boca do porão Um.

Sensação estranha pois não há gravidade, é como voasse lentamente sobre um abismo. Não ouso penetrar ali
 
 

pois o ponteiro do meu manômetro já está
muito próximo da faixa vermelha.
O fotógrafo Luís Mota, que gentilmente cedeu
as fotos dessa matéria, curtindo a cabine do Zero
 
 
Arrisco somente uma olhadela. Lá estão em desordem alguns motores de avião, metralhadoras, munições de artilharia e um sinistro torpedo Lança-Longa. Uma pena, fica para outro dia. Superfície! Foi um mergulho inesquecível.
 

 


Nestor Magalhães e o guia Erick,
com a bandeira da Marinha Imperial Japonesa

 

Nestor Antunes de Magalhães é membro do Grupo BdU - Brazilians discovering Unterseeboote, um grupo especializado no estudo histórico da atuação dos submarinos alemães na costa brasileira durante a Segunda Guerra, colaborando com informações para as expedições de mergulho nos U-Boats naufragados.
Maiores informações: http://u-boats.sites.uol.com.br