Em busca das águas subterrâneas

Jornal Sub, ano II, Nº 11
Texto: Maurício Carvalho
 
OBSERVAÇÃO: É importante lembrar, que desda publicação do artigo muitas técnicas de mergulho em cavernas foram aperfeiçoadas e adotadas. Assim o texto técnico, deve servir como fonte de pesquisa histórica, não devendo ser as técnicas de mergulho tomadas como as melhores e mais atuais.
 
 

A luz diminuía à medida que a profundidade aumentava em direção ao fundo da gruta. A quatro metros, o azul desaparecia e o ambiente se tornava cinzento e sombrio; a dez metros, só nossas lanternas iluminavam fracamente o caminho. Em poucos minutos o grupo ficou envolto pela escuridão e os focos das potentes lanternas começaram a revelar a fantástica ornamentavam das paredes. 0 som cadenciado das respirações parcela marcar nossa ansiedade.
Sobre nossas cabeças, o teto da caverna lembrava as condições especiais daquele mergulho c, por isso, concentrávamos toda nossa atenção nas técnicas de mergulho e no trabalho programado.
A equipe estava técnicamente dividida: enquanto um membro era responsável pelo cabo-guia, que garantiria o retorno ao exterior da caverna, outros cuidavam do controle do tempo, de profundidade e do mapeamento das galerias.





Após atingir o salão da gruta, a 50 metros de profundidade, sobravam poucos minutos para a sua exploração, após os quais o retomo à superfície, para uma penosa descompressão, era imprescindível. Estávamos em Brasília (DF), a 1.000 metros de altitude, o que aumentava a absorto do nitrogênio e conseqüentemente a descompressão. A caminho da superfície, a luz marcava à distância a saída, deixando toda a equipe mais tranqüila.
Mais um segredo do Buraco do Inferno estava revelado! Cuidados Todo mergulhador já deve ter tido a oportunidade de se aproximar ou penetrar em pequenas cavernas submarinas. Isto já é suficiente para perceber o belo espetáculo de iluminação que estas grutas oferecem, além da proximidade dos organismos que nelas procuram proteção.
No mar dificilmente encontramos grutas de grande extensão; geralmente são formadas pelos espaços entre grandes blocos rochosos ou por fendas abertas no recife de coral, possuindo. assim, inúmeras saídas e pontos de iluminação. Desta forma, fica difícil para muitos mergulhadores entender tantas precauções tomadas nos mergulhos em grutas.
Quando passamos do mar para mergulhos em cavernas calcáreas, notamos imediatamente as bruscas variações entre os ambientes e começa-mos a perceber a importância de se tomar tantos cuidados neste tipo de mergulho, além de desenvolver técnicas para contornar os problemas causados por um ambiente com características diversas.
A partir de 1984, depois de alguns anos praticando a espeleologia -- estudo das cavidades naturais --, o GREC (Grupo de Resgate e Exploração de Cavernas) começou a desenvolver em Brasília, atividades de mergulho em cavernas (espeleosub), pois existia muito trabalho a ser feito, já que várias grutas possuíam lagos e, em algumas delas, havia salões onde o teto da entrada estava abaixo da superfície (sifão), cujo acesso dependia do mergulho.
Foi necessário também o desenvolvimento de técnicas, e fim de transportar tantos equipamentos até o ponto de mergulho, algumas vezes quilômetros de terreno acidentado e escuridão dentro da gruta.
Para atingir os 65 metros de de profundidade do lago de águas azuis do Buraco do Inferno -- uma das grutas mais fantásticas do Brasil --, primeiro é necessário superar os 45 metros de desnível vertical que o separa do terreno em volta. Quando se mergulha nas ira transparentes águas das grutas calcáreas, todo cuidado é pouco. A constância do teto sobre a cabeça do mergulhador limita as rotas de escape, no caso de algum problema enquanto se está submerso. Durante a exploração de uma das galerias da Gruta dos Ecos, lembro-me de ter observado apreensivo o teto, enquanto a visibilidade da saída lentamente sumia, devido à perturbação do sedimento do fundo, provocada por alguma nadadeira mais nervosa.
Situações aparentemente problemáticas como esta são a rotina dos mergulhadores de caverna e apesar de o coração bater mais forte enquanto a luz da saída não aparece, jamais se chega a correr perigo, já que nestas explorações, sempre contamos com um cabo-guia. Ele garante o retorno à superfície, através de um labirinto de túneis e salões, mesmo em visibilidade zero.
Todas as dificuldades são recompensadas, quando atravessamos várias dezenas de metros, por túneis ricamente ornamentados com estalagmites e estalactites, nadamos em águas totalmente transparentes e finalmente atingimos salões onde jamais alguém esteve.
Sob todos os aspectos, é importante entender que a técnica de espeleosub, embora emocionante, não depende apenas de oportunidade para ser praticada, pois, para que não haja riscos, são necessários: conhecimento das técnicas, treinamento rigoroso e muita consciência na execução dos procedimentos pré-estabelecidos.
 

Maurício Carvalho é biólogo e instrutor de mergulho PDIC, com especialidades em Rescue e Naufrágios, tendo sitio supervisor de mergulho do GREC-DF. 
OBS: Na matéria original constam outros fotos