Emergências de Mergulho

Jornal Sub, ano III, nº 18, setembro 1993
Texto e Ilustrações: Maurício Carvalho
 
 
A primeira diretriz que qualquer mergulhador deve seguir quando enfrenta uma situação de emergência é evitar o pânico. Pânico é um distúrbio emocional em que ocorre a perda do controle, não conseguindo o acometido manter o raciocínio lógico. Esta disfunção emocional pode levar a uma série de manifestações físicas onde, em geral, o mergulhador perde o controle respirando excessivamente. 0 ritmo acelerado da respiração pode levá-lo a uma acidose, que é uma ligeira mudança no Ph sangüíneo, por alterações bioquímicas na sua composição. Essas alterações acabam causando distúrbios visuais e tonturas.
Todas estas anomalias acabam por piorar as condições de resposta frente às emergências. Em qualquer situação anormal mantenha a calma, respire fundo e pausadamente. Um mergulhador no estado de pânico ou pré-pânico comportamento anormal -, deve ser auxiliado imediatamente, removendo-se o agente causador do problema e restabelecendo-se as condições normais de respiração, visão, posição e flutuabilidade.
Alguns dos fatores que mais causam pânico entre mergulhadores são: exaustão física, vertigens, alterações visuais, "enganchamento" e término do ar.
Controlando a exaustão
A exaustão física, que acarreta incapacidade do mergulhador de alcançar o barco ou até de manter-se na superfície, é um dos fatores de desencadeamento de pânico e situações de emergência.
O cinto de chumbo parece estar marcado como o vilão no equilíbrio hidrostático. É preciso que cada mergulhador esteja corretamente lastrado e o cinto devidamente ajustado. Excesso de peso é um dos principais motivos de mergulhadores extenuados, principalmente em natações na superfície, pois para pensar o peso, coloca-se mais ar no colete, produzindo maior resistência à natação. Ao perceber que está pesado, procure corrigir o problema ainda junto ao barco, evitando o começo do cansaço.
Outros fatores podem levar o mergulha exaustão, como o grande número de equipamentos a serem carregados: material fotográfico, bolsa de coleta, lanternas e outros. Avalie as condições que irá enfrentar, aconselhando-se com quem conhece a área, e use somente o necessário para evitar o peso morto. Um bom planejamento também garantirá menos esforço, na superfície e mais prazer debaixo d'água. Correntezas fortes contrárias à natação e companheiros com ritmo acelerado, também são causas comuns de esgotamento.
Quando pressentir cansaço retome o ritmo respiratório normal, se necessário segurando-se no fundo - antes de reiniciar o movimento. Em todo percurso na superfície, o cilindro deve ser mantido o mais submerso possível para aliviar o peso. Por isso, evite o excesso de ar no colete. A natação de costas permite o alívio de todo peso da garrafa e uma ligeira mudança dos grupos musculares volvidos no movimento. Entretanto, o rendimento da natação, e a visualização da posição do barco são prejudicados, sendo o procedimento recomendável somente quando não houver o perigo de uma corrente mais forte provocar o desvio da rota.
Para algumas destas emergências, a solução é a soltura do cinto Por isso, ele deve estar livre outros entraves. Não basta abrir a fivela; é necessário livrar o cinto do corpo para evitar que, em queda, ele fique preso a outro equipamentos como a faca, causando problemas (Figura 1).
Por fim, é preciso que haja a firme e rápida decisão de abandoná-lo presenciei situações em que um mergulhador correu sérios riscos porque não quis soltar o cinto com fivela especial e chumbos coloridos e, como agravante, possuía um engate onde estava presa uma caríssima lanterna. Os acessórios devem estar presos ao colete e a vaidade com o equipamento não deve ser levada para o cinto, de forma que não haja demora na decisão de se desfazer dele.
Vertigem
A vertigem é um distúrbio de equilíbrio, no qual o organismo perde os parâmetros de estabilidade advindos da visão. Na água, este problema pode acentuar-se devido à perda do componente gravidade como nós o conhece-mos em tem. A vertigem pode surgir de uma submersão em posição deitada ou de cabeça para baixo, principalmente se não existir contato com o fundo. Esse mal-estar é menos sentido à medida que o mergulhador adquire melhor aquacidade.
Ocorrendo a vertigem, procure posição vertical com a cabeça para cima, apoiado, preferencialmente, em fundo plano onde não ocorra balanços causados pelo fluxo e refluxo. Em casos mais graves, onde se dá a ruptura do tímpano, é quase certo que aconteça uma forte vertigem, já que nessa situação a água fria atinge o ouvido interno. A diferença de temperatura entre os ouvidos esquerdo e direito acarreta desajuste no sistema de equilíbrio. Em tais circunstâncias, o acidentado deve subir imediatamente, sendo o companheiro fundamental, pois embora a direção possa ser descoberta seguindo-se as bolhas, a velocidade de subida é difícil de ser controlada.
Enjôo
Muitas vezes este problema é causado pelo balanço do mar e, em geral melhora sensivelmente ao cairmos na água. No entanto, ele pode ser causado por disfunções orgânicas, esforço durante as manobras de equipagem ou, como vimos anteriormente, por vertigem. Submerso, uma situação de enjôo pode tomar-se problemática se ocorrerem Vômitos, já que nessas manifestações espasmódicas, a respiração toma-se irregular e de difícil controle. Desta forma, é possível que durante o vômito ocorra a inalação de água. Para evitar esse problema, o ideal é mergulhar apenas em perfeito estado. Porém, em caso de vômito, retire o regulador da boca colocando-o ligeiramente abaixo desta com o botão de purga acionado. Isto formará uma cortina de bolhas junto à boca que, no caso da inalação espontânea, reduzirá bastante a sensação de engasgo causada pela água (Figura 2).

Figura extraída do livro
Scuba Life Saving -Albert Pierce
Enganchamento
Mesmo depois de alguns anos mergulhando em grutas, e tendo ficado várias vezes literalmente entalado, até hoje a sensação de ficar subitamente retido em um local debaixo d'água não é agradável. Em passagens estreitas de grutas. naufrágios. em redes è linhas de pesca ou até em algas laminárias, existe sempre a possibilidade do mergulhador ficar preso, sendo perfeitamente compreensível o medo que isso causa. No entanto, o pânico não traz nenhuma ajuda. Neste caso, procure acalmar-se e, antes de tentar soltar-se, analise a situação. Forçar precipitadamente a saída, às vezes piora o problema, caso a força seja feita na direção errada.
Em redes ou linhas de pesca, o ideal é que o companheiro providencie a soltura, uma vez que ele, estando livre, pode observar todos os pontos de contato; para essas situações a faca é fundamental. Procure cortar todas as linhas presas antes de tentar reiniciar o movimento evitando, assim, puxar a malha sobre você outra vez. No caso de grutas e naufrágios é muito comum que do equipamento como mangueiras, consoles ou garrafas prendam-se em reentrâncias, pontas de metal ou pedras. O primeiro passo é evitar movimentos desnecessários para que o sedimento presente nesses locais não se levante turvando a água. Procure tatear o corpo verificando os possíveis locais de retenção (Figura 3). Lugares muito apertados não são recomendáveis para o mergulho. No entanto, se você ficar preso, procure cruzar os braços à frente da cabeça, reduzindo a largura dos ombros, esvazie totalmente o colete e expire, - diminuindo o volume do tronco. Isto permitirá que você se solte, se o problema for a largura do local. Em passagens largas e baixas (como os lajeados), nadar de lado é eficiente. Desse modo, evita-se o choque do primeiro estágio e da torneira contra o teto.
Mergulhar é uma atividade segura e, em muitos anos, pouquíssimas vezes presenciei acidentes, que na maioria dos casos foram e poderiam ter sido evitados com algumas precauções ou resolvidos rapidamente se os envolvidos tivessem alguns conhecimentos das técnicas de auto-resgate. Lembre-se: estar preparado para as emergências ainda é o melhor seguro. Procure seu instrutor e informe-se sobre o curso de Rescue, o melhor meio de aprender estas técnicas.
 

Maurício Carvalho é biólogo e instrutor de mergulho, com especialidade em Rescue e Naufrágios, tendo sido supervisor de mergulho do GREC-DF. Autor do livro Manual de Mergulho: Técnicas Avançadas.
OBS: Na matéria original constam outros fotos.

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