TÉCNICA DE MERGULHO

Mergulho em águas frias


 
Jornal Sub, ano II, Nº 7 novembro 1991
Maurício carvalho
OBSERVAÇÃO: É importante lembrar, que desde a publicação do artigo muitas técnicas de mergulho foram aperfeiçoadas e adotadas. Assim o texto técnico, deve servir como fonte de pesquisa histórica, não devendo ser as técnicas de mergulho tomadas como as melhores e mais atuais.
 
Embora sendo um país tropical, o Brasil possui a parte mais freqüentada do seu litoral sujeita a ação da fria corante das Malvinas, além de águas profundas e frias que afloram à superfície num fenômeno conhecido como ressurgência. Por isso, boa parte dos mergulhadores são obrigados a utilizar roupas isotérmicas e, mesmo assim, em inúmeras ocasiões, nos deparamos com águas ainda mais frias que de costume, onde as mapas (em geral de 5mm ou 3mm), dimensionadas para águas de 21ºC a 24º C, têm sua eficiência reduzida, podendo levar o mergulhador a um quadro de hipotermia.
0 corpo humano possui temperatura constante interna de 37,6°C ( +. 0,6°C ) sujeita à variações individuais, mantida graças a um isolamento produzido pelo tecido adiposo subcutâneo e por uma constante produção de calor. Com o interior mais quente que a superfície, o calor é levado do centro até a pele por condução e através da circulação sangüínea.
Em contato com a água fria que, por ser mais densa, retira do corpo 25 vezes mais calor do que o ar, o ser humano perde calor.
Com isso, o centro de controle térmico no hipotálamo começa a produzir uma série de modificações fisiológicas com o intuito de evitar que a temperatura caia abaixo dos 35ºC fenômeno esse conhecido como hipotermia.
Em um ambiente frio, o centro termoregulador estimula uma vasoconstrição periférica, que reduz a temperatura da pele através da redução do fluxo sangüíneo que irriga a periferia, de forma a conservar calor nos órgãos vitais; se não for suficiente, um novo comando produz repetidas e rápidas contrações musculares (tremores) com a função de gerar calor suplementar. Se a perda calórica não for detida neste pomo, começa a haver perda do controle motor, dificuldade de raciocínio e resistência respiratória, podendo-se chegar ao desmaio e à morte.
Por isso, a hipotermia deve ser evitada mesmo em seus estágios preliminares.
As regiões do corpo por onde se perde mais calor -- pela alta vascularização -- são os membros e a parte do tronco sob os braços.
A cabeça é responsável pela perda de 10% do calor do corpo, pois não possui revestimento isolante natural. Além da condução do calor pela pele, grande quantidade de calorias são perdidas na respiração ao eliminar-se o ar aquecido.
Comportamento
Uma série de atitudes, antes e durante o mergulho em águas frisa, pode minimizar a perda de calor, tornando o mergulho mais confortável e longo. Mantenha-se aquecido antes do mergulho, Desse modo, você evita pede de calor desnecessariamente.
Um ótimo procedimento é o pré-aquecimento da roupa com água quente. Para isso, basta que você leve uma garrafa térmica com água fervida e, um pouco ames de mergulhar, misture a água quente, que já estará um pouco abaixo de 100ºC, com a água do mar, até uma temperatura que seja suportável pela pele. Mas lembre-se; a água a 50º já provoca queimaduras em parles da pele mais sensíveis. Após a mistura, que varia de pessoa para pes-soa, de acordo com a sensibilidade térmica, a água deve ser colocada pelo alto da calça (long jonh), pela gola ou borda do capuz em torno de todo o pescoço, dentro das botas e pelos punhos de forma que você sinta pelo menos o tronco, abdômen e costas aquecidos.
E necessária mas boa preparação da máscara, para que não embace, uma vez que a condensação do vapor d'água no seu interior ocorre por causa do contato entre o ar aquecido pelo rosto e o vidro frio.
Além disso, procure, pouco antes de colocar a máscara, molhar algumas vezes o rosto com água fria. Isto provoca uma pequena vasoconstrição na pele, permitindo que o ar no interior da máscara fique menos aquecido.
Já todo equipado, só entre na água junto com seu companheiro, para evitar perda de calor durante a espera. Comece o mergulho o mais rápido possível, com movimentos lentos e cuidadosos para não provocar circulação da água no interior da roupa, No planejamento do mergulho, procure considerar os seguintes fatores: maiores profundidades produzem maior compressão da roupa e conseqüentemente menor insulação: nadar contra a correnteza produz maior penetração de água na roupa e maior desgaste físico. Por isso, procure locais de remanso ou mergulhe a favor da correnteza.
Como forma defensiva da perda de calor, quando não estiver utilizando as mãos, adote uma posição com os braços cruzados junto ao peito e as mãos sob as axilas, minimizando um pouco a perda de calor pela diminuição da superfície corporal, além de proteger duas das áreas onde mais liberamos calor. No entanto, avise ao seu companheiro que adorará tal postura, para que ele não interprete seu ato como início de hipotermia.
Os exercícios físicos, como movimentos energéticos dos membros, devem ser evitados como forma de aquecimento, pois além de consumirem mais energia e produzirem maior absorção de nitrogênio, também provocam trocas de água no interior do traje.
Em águas frias, seria recomendável que Se fizesse um aquecimento muscular antes da entrada, para evitar as cãibras dos músculos da balata da perna e os da coxa são particularmente sujeitos a esse inconveniente, devido aos movimentos vigorosos com as nadadeiras. Como exercitar-se no interior de um barco pode ser bastante difícil, procure ao menos fazer sucessivos movimentos de ficar na ponta dos pés ou produzir o enrijecimento da musculatura de toda a penas. No caso de ocorrem cãibras, o mergulhador deve provocar o alongamento do músculo afetado para que cesse a dor. Nas pernas, isso pode ser conseguido puxando-se a ponta das nadadeiras, mantendo-se o membro acometido esticado.
Quando você começar a tremer é hora de encerar o mergulho, pois como foi visto, jamais chegue a estágios de tremedeira incontrolável ou falta de controle motor. Isso é um indicativo do abaixamento da temperatura corporal.
Por fim, o álcool deve ser evitado tanto antes como depois do mergulho (seis horas antes e 12 horas depois), pois a sensação de aquecimento rápido que ele produz é substituída por uma vaso-dilatação periférica, que favorece mais perda de calor, além de acelerar a liberação do nitrogênio aumentando o risco de uma doença descompressiva.
Essas atitudes, aliadas a uma roupa bem ajustada, uma boa alimentação energética (duas horas ames do mergulho), e oito horas de sono, podem fazer de um mergulho, em águas frias, urna atividade sem sacrifícios para o mergulhador.

OBS: Na matéria original constam outros fotos. 
Maurício Carvalho é biólogo e Instrutor de Mergulho PDIC
 

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