TÉCNICA DE MERGULHO
ESPELEO-SUB:
UM MERGULHO NAS CAVERNAS

Revista Mergulhar, ano V, Nº 32, 1987
Texto e Fotos: Maurício Carvalho
 
OBSERVAÇÃO: É importante lembrar, que desda publicação do artigo muitas técnicas de mergulho em cavernas foram aperfeiçoadas e adotadas. Assim o texto técnico, deve servir como fonte de pesquisa histórica, não devendo ser as técnicas de mergulho tomadas como as melhores e mais atuais.
 
 
A ligação entre o homem e as cavernas é tão antiga quanto a própria história humana. Mas a preocupação científica de estudá-las só iria surgir no século passado, pela criação da espeleologia (estudo das cavernas). De lá para cá importantes passos foram dados, e um deles em Brasília, onde uma equipe de mergulho do GREC -- Grupo de Resgate e Exploração de Cavernas -- desenvolveu técnicas de exploração subaquática em cavernas: o Espeleo-Sub. A exploração subaquática em cavernas é fundamental quando ocorre o que chamamos de sifões.

Buraco do Inferno
Nesta ocasião, o nível de determinado lago caverna atinge a altura do teto da passagem que liga dois salões, tornando impossível a travessia sem o auxilio de equipamentos de mergulho autônomo. Quando o fenômeno for sazonal, o mais aconselhável é espelhar-se o período de águas baixas para atravessar pela superfície. Porém, em algumas cavernas os sifões são permanentes, restando a via aquática como única saída para o explorador.
As condições especialmente adversas das cavernas -- tais como ausência total de luz, galerias labirínticas, espesso sedimento no fundo dos lagos, etc -- exigem de mergulho em cavernas, técnicas bem mais sofisticadas do que as de mergulho comum. Parte destas técnicas foram cria-das pelo projeto Bagrus em 85/84, e agora aperfeiçoadas pelo equipe do GREC.
Todo cuidado é pouco
Antes de mais nada é importante descobrir o tipo de formação do lago, se decorrente de lençóis freáticos, rios ou acu-mulação de chuvas. Nos dois últimos casos, deve-se evitar o mergulho em dias de chuvas muito forte, pois sempre há o risco de ocorrerem mudanças significativas no nível e na transparência do lago, assim como um possível carregamento de materiais para o interior do lago. Estas sedimentações no lago -- que também podem existir sobre as paredes e o teto da caverna (sedimentos de percolação) -- merecem especiais atenções, pois qualquer turbulência na água pode turvá-la completamente, tornando a visibilidade praticamente nula. Contra estes riscos de desorientação há o recurso do cabo-guia, mas a melhor maneira de prevenir é analisar a velocidade de precipitação de material -- assim, o mergulhador saberá se há tempo de se esperar a precipitação ou não. É necessário também conhecer a cota de altitude em que a gruta se encontra para utilizar a tabela de mergulho adequada.
Outro fator importante é a iluminação. Em primeiro lugar, observe se em alguma hora do dia, a luz penetra pela boca da gruta. Se isto não ocorrer, você terá que contar apenas com as luzes subaquáticas (de preferência em número de três, por mergulhador). A melhor maneira de carregá-las é trazendo-as presas ao capacete: além de ficar com as mãos livres, você terá um campo de visão bem melhor iluminado (para esta função o equipamento mais indicado são os do tipo Sírius, da Cobra Sub). Pode-se ainda trazer uma pequena lanterna do tipo Lampo (Cobra Sub) presa à tira da máscara, a fim de iluminar os instrumentos de controle no pulso; apenas tome o cuidado de cobrir as laterais do vidro da lanterna para evitar que a luz incida diretamente sobre os olhos.
 

Buraco do Inferno

Abismo das Andorinhas
 
Equipamentos necessários
O sistema de respiração recomendado compõe-se de garrafas com torneira du-pla e dois conjuntos de reguladores, além de octopus e manômetro. Mas a dificul-dade de acesso a este material no Brasil, fez com que a equipe do GREC optasse apenas pelo octopus e manômetro. Com a reserva desligada (qualquer esbarräo a acionaria), controla-se o mergulho pelo manômetro, que deve ser trazido para a frente do corpo, evitando um possível enganxamento.
O colete é fundamental para manter o mergulhador equilibrado, evitando a perturbação do sedimento. Porém um enchimento súbito, pode causar um choque violento do mergulhador contra o teto da caverna. Por isso, deve-se desligar todo o sistema de enchimento automático, trazendo a mangueira de enchimento pre-so ao corpo, e as tiras do colete sobre o cinto lastro. Os coletes back-pack e dorsais são mais passíveis de rasgarem-se nas pedras, uma vez que o controle da posição das costas é sempre precário. Mas ca-so se utilize o back-pack, este deve possuir fivelas nos ombros (além da cintura), a fim de facilitar a soltura do cilindro, necessária quando há um estreitamento da passagem. Outro equipamento importante é o já citado cabo-guia. Além de garantia contra o risco de desorientação causado pe-lo turvamento da água, ele serve ainda para medir o comprimento das galerias, mediante uma marcação de 3 em 3 metros no próprio cabo. Porém um cabo muito grosso pode justamente, com o atrito, levantar os sedimentos do fundo; para isto, utiliza-se 2 mm de polipropileno, material de flutuação relativamente neutra em relação à água doce. Caso o cabo se embarace, a saída é soltá-lo ou mesmo cortá-lo com a faca, tendo sempre a certeza de que o mergulhador encontra-se entre o corte e a saída.
Todas estas manobras devem ser controladas por uma equipe de superfície. Este grupo deve observar o posicionamento dos mergulhadores, normalmente na hora de emersão, quando há o risco de subir-se onde o teto encontra-se alguns centímetros da linha d'água. Na ausência desta equipe, o mergulhador deve subir com o braço esticado acima da cabeça, a fim de sentir a altura do teto.
Vencendo os sifões.
A penetração dos sifões deve ser cercada de cuidados. A natação deve ser lenta e à uma altura suficiente para que não se toque o fundo do lago, evitando que se resolva seus sedimentos. O primeiro mergulhador deve avançar desenrolando o cabo-guia, e os demais devem seguir com um afastamento máximo de 2 metros. Jamais utilize mais do que 1/3 do ar disponível, deixando o restante para a volta, como preventivo de uma possível complicação. Comece o mergulho junto às paredes, procurando possíveis passagens. Para se saber se existe correnteza na água, fotografe um objeto flutuante, com um longo tempo de exposição (mais ou menos 5 min): na revelação pode-se ver se o objeto permaneceu parado ou se movimentou-se. Ao atingir o salão contíguo, avise através do cabo-guia (sistema de puxões) que encontrou superfície.
Saindo da água, mantenha todo o equipamento unido e use uma lanterna para marcar o local, uma vez que é comum perdermos o senso de direção em grutas. Na volta, o último mergulhador deve enrolar o cabo-guia no carretel que continua preso a ele. Todas estas técnicas em espeleo-sub podem também ser aproveitadas em mergulho em naufrágios ainda inteiros, pois seu interior costuma ser tão acidentado e labiríntico como uma gruta, com a mesma dificuldade de alcançar-se a superfície. Embora possam parecer excessivos, os cuidados no espeleo-sub têm trazido bons resultados. O mais importante é usar o bom senso.

OBS: Na matéria original constam outros fotos.
 
Maurício Carvalho foi o supervisor de mergulho no Grupo de Resgate e Exploração de Cavernas (GREC).

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