TÉCNICA DE MERGULHO
Partindo da Terra

 
Revista Mergulhar, ano VII, Nº 53, outubro/1989
Maurício Carvalho
 
OBSERVAÇÃO: É importante lembrar, que desde a publicação do artigo muitas técnicas de mergulho foram aperfeiçoadas e adoptadas. Assim o texto técnico, deve servir como fonte de pesquisa histórica, não devendo ser as técnicas de mergulho tomadas como as melhores e mais atuais.
 
Quando o mergulhador não tem o apoio do barco, normalmente encontra pela frente uma série de dificuldades para sair da praia ou de u m costão. Muitos consideram cansativa esta saída, o que não impede, com alguns cuidados, dela ser feita. No entanto, é fundamental que os limites da prudência não sejam ultrapassados, pois u ma arrebentação ou um costão violento são espetáculos para serem observados de longe e nunca sentidos na pele.
Sempre que queremos mergulhar e não usamos como base um barco, encontramos alguns fatores adver-sos relativos ao ambiente costeiro, que além de sofrer o embate do mar, ainda apresenta dificuldades para acesso à água.
Esses mergulhos, a partir de praias e de costões, são considerados por muitos como os mais cansativos que se pode executar, a despeito de se contar com muito espaço para equipagem e de não haver o balanço da embarcação. No entanto, com algumas atitudes durante o mergulho, podemos minimizar essas dificuldades tornando a atividade menos extenuante.
Praia
Como praia, vamos considerar o terreno de declive suave em direção ao mar e formado de material de fina granulação. Ao contrário do costão, onde se pode também desfrutar o mergulho, na maior parte das vezes a praia serve apenas como o ponto de partida para um local próximo. Por exemplo: um lajeado ou um naufrágio ao longo da praia podem ser localizados pela formação de espuma acima deles, quando do passar das ondas, sendo o único obstáculo a zona de arrebentação. Desta forma, é fácil localizar possíveis bons lugares de mergulho, ames de cair na água.
Para equipar-se, você deve ter o cuidado de evitar que a areia penetre nos equipamentos, na roupa e na bota; além de incômodo, os pequenos grãos de areia podem causar escoriações no atrito contra a pele. No regulador (2º estágio), qualquer corpo estranho pode causar free-flow. Desta for-ma, calça e bota devem ser colocados antes de se entrar em contato com a areia. Se você conta com um carro no local, este é um ótimo lugar para começar a equipar-se; deixar o maior número de detalhes da organização do equipamento prontos, enquanto planeja os itens finais do mergulho é um ótimo procedimento. Caso contrário, uma boa toalha estendida ajuda muito a proteger todas as partes do equipamento, até a hora da entrada na água. Entre outros, os problemas mais comuns causados pela areia são: endurecimento da torneira da garrafa, das coroas do relógio e da bússola; entupimento do orifício dos profundímetros; e travamento dos zíperes das roupas.
Todo o equipamento deve estar bem preso e ajustado para evitar a perda pela força das ondas: as nadadeiras devem estar justas; a faca bem firme à bainha e esta à perna ou ao cinto; o snorkel deve ser preso à tira da máscara com a presilha (se ele for pas-sado apenas debaixo da tira, cairá facilmente na primeira onda); é fundamental que o cinto esteja o mais seguro possível, pois a flutuabilidade na arrebentação é um dos fatores mais perigosos, como veremos; a más-cara deve estar justa e ser segura contra o rosto durante a entrada e a saída da água, para evitar que ela seja deslocada pelo movimento das ondas.
O procedimento de entrada na água requer determinados cuidados. Nesta modalidade, convém que seja escolhido o ponto onde as ondas ofereçam a menor resistência. Vale a pena, antes de equipar-se, nadar até fora da arrebentação. Assim, podem ser prevenidos bancos de areia ou pedras submersas que estariam no caminho e que são difíceis de transpor com todo o equipamento, adquirindo-se, também, conhecimentos sobre a profundidade e a força das ondas.
Feito esse reconhecimento e escolhido o melhor ponto, observe a freqüência das ondas que costumam formar-se em grupos com pequenos intervalos de calmaria. Neste momento de parada, já equipado, você pode calçar as nadadeiras na beira d'água e caminhar de costas, de maneira a evitar que a areia prenda a lâmina da nadadeira, o que poderia causar sua queda; quando a água atingir um pouco acima do joelho, com o colete vazio, deite-se na água respirando pelo regulador e siga nadando junto ao fundo, utilizando uma das mãos para apolar a máscara e o regulador de encontro ao rosto. (Fig. 1)
Se for preciso nadar por muito tempo, até alcançar o local escolhido, depois da arrebentação, você pode voltar ã superfície e continu-ar o percurso com o snorkel. Antes de subir, olhe para cima e certifique-se de que não existe mais ondas. No primeiro momento de tranqüilidade, após passar a arrebentação, verifique todo o equipamento. Octopus são particularmente sujeitos ã entrada de areia neste tipo de mergulho; agite-o na água acionando o botão de purga algumas vezes, o que garantirá sua limpeza. Como orientação da direção a seguir, pode-se usar as marcas onduladas da areia do fundo, as quais colocam-se sempre paralelas à praia e com sua inclinação mais suave voltadas para o raso.
No final do mergulho, observe as condições do mar para verificar uma possível mudança nas ondas. Pode ser que o local mais calmo da praia tenha se modificado. Costuma haver canais entre os locais onde as ondas arre-bentam, nos quais sua ação é menos sentida. Nestes locais, a saída é muito mais se-gura. Assim que você se aproximar da arrebentação, esvazie totalmente o colete e, rente ao fundo, nade na direção da praia. Deitado sobre o fundo, a ação das ondas será muito pequena sobre você. Ao chegar na praia só tente levantar-se quando, devido ã pouca profundidade, não mais for possível nadar; neste ponto, ajoelhado, tire as nadadeiras e saia andando.
Multas vezes a areia é muito fofa e não fornece sustentação ao peso de um mergulhador e seu equipamen-to, causando sucessivas quedas que devem ser evitadas. Se este for o caso, deixe o orgulho de lado e engatinhe até encontrar chão firme para levantar-se.
Na praia, o melhor é desequipar-se prontamente. Não é sensação muito agradável ver-se cercado por uma pequena multidão de curiosos, mesmo porque, já aconteceu de descuidistas aproveitarem-se do grupo em torno do mergulhador para roubar partes do equipamento.
Costões
Os costões são regiões que propiciam excelentes mergulhos, no entanto não serão considerados aqui os fatores técnicos do mergulho, em relação a profundidades e tempos (veja Revista Mergulhar, Nº 12), mas apenas a passagem do ambiente terrestre para o aquático.
Nessas áreas, a preocupação principal é com a entrada e saída da água, pois o embate do mar contra as pedras, mais os organismos aderidos ã rocha, tornam este limite entre a terra e o mar passível de causar acidente. Na entrada do mergulhador na água, a proteção deve ser a primeira preocupação. Uma boa bota de neoprene com grosso solado, joelheiras e luvas grossas são ótima proteção contra os mariscos, cracas e ouriços que colonizam o ambiente. Equipamentos, como manômetros e octopus, devem estar presos ao corpo para evitar impacto contra a rocha. Da mesma maneira que na praia, vale a pena uma averiguação antecipada. Cair na água pode ser fácil, mas é necessário que a saída dela também seja tranqüila. Escolha locais onde as rochas possibilitem apoio, assim você facilitará a saída. Observe se o lugar que foi escolhido como base não está molhado, pois isto pode in-dicar que em intervalos de tempo uma onda lava o costão e com isso poderia levar parte do seu equipamento enquanto você se prepara.
Para cair na água, procure ser cuidadoso, esperando o momento em que a maré encher. Desta forma, não ha-verá o perigo de bater contra o fundo. Este movimento de-ve ser feito suavemente. Assim que estiver na água, afaste-se do costão imediatamente, até uma distância segura do jogar das ondas. Na hora da saída, como na praia, observe a freqüência das ondas, valendo-se delas para aproximar-se das pedras, porém não deixe que elas o joguem contra as pedras. Firmando-se na rocha, apoie os joelhos tirando as nadadeiras rapidamente. Estas podem ser jogadas a um lugar seguro, permitindo que você tenha as duas mãos livres pata apoiar-se. Alguns instrutores desaconselham este procedimento, visto que, se o mergulhador cair acidentalmente no mar, ele não contaria com as nadadeiras; entretanto, como sua intenção é sair da água e estando devidamente equilibrado, serão necessárias apenas algumas braçadas para alcançar o costão novamente.
Se você utiliza muito equipamento, como material de cine-foto, o que praticamente o impossibilita de es-calar as pedras, talvez seja mais adequado fazer uma saída parcial. Para isso, basta jogar na água, longe do costão, uma bóia com cabo preso a um peso. Neste cabo, você pode deixar parte do equipamento, como aquele material, e sair a primeira vez, tirando todo o equipamento pesado e desnecessário à natação; voltar à água e retirar o material deixado na bóia. Desta forma, evita-se o excesso de peso do material e diminui-se a possibilidade dele bater contra o costão, quebrando-se.
Tanto no mergulho a partir de uma praia como de um costão, a presença de um companheiro que permaneça em terra é de muita ajuda. Ele pode dar apoio na hora de entrar e sair da água, auxiliando a apoiar a garrafa, dando equilíbrio ou segurando partes do material e, principalmente, mantendo o controle sobre o mergulho: lembre-se que sem o barco para dar apoio, o mergulhador estará sujeito a outros barcos passando e a pescadores de linha, que são freqüentes nos costões, o que pode causar o embaraçamento das linhas de náilon.
É lógico que existem. muitas praias e costões fáceis de serem transpostos, proporcionando excelentes mergulhos. No entanto, muitos pontos bons estão além destes terrenos e já causaram problemas a mergulhadores que não conheciam técnicas básicas. Com pequenos cuidados é possível entrar em locais onde o mar não é de todo calmo, todavia é fundamental que os limites da prudência não sejam ultrapassados, pois uma arrebentação ou um costão violento são espetáculos para serem observados de longe e nunca sentidos na pele.

OBS: Na matéria original constam outros fotos.
Maurício Carvalho é supervisor de mergulho em gruta. Mergulhador autônomo 3 estrelas. Acadêmico de biologia. Fundador do GREC.

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