Revista Mergulho, Ano XV - Nº 195 - novembro/2012 - Texto: Maurício Carvalho
Uma ou duas vezes por ano, realizamos o Workshop de Segurança em Naufrágios. A portas fechadas e após os mergulhadores realizarem um pacto de falar francamente, sem julgamentos da qualidade de cada um e depois de eu mesmo contar uma série de bobagens por mim cometidas ao longo desses anos, conseguimos que vários mergulhadores se dispam da máscara de fiéis cumpridores das sagradas regras dos mergulho e uma realidade de violação de regras começa a surgir.
O que vemos pelo Brasil é completamente diferente de uma atividade de regras rígidas, a começar pelo sistema de duplas, onde uma dupla “mergulha junto” no mesmo oceano, e em caso de separação o procedimento é reagrupar na mesma posição do banco da embarcação no final do mergulho.
Após um pouco de auto reconhecimento envergonhado surgem muitas gargalhadas, começamos a tirar proveito dessa sinceridade e algumas conclusões positivas podem ser percebidas.
A grande maioria dos acidentes de mergulho em naufrágio – e por sorte não são muitos – tem mais relação com o psique do mergulhador do que com o ambiente que tanto gostamos. Outro detalhe crítico e que não muda em relação a outros acidentes é que vários fatores se somam para a ocorrência desses acidentes ou incidentes.
Ao longo de alguns anos nesse workshop separamos as dez causas mais frequentes de acidentes com mergulhadores de naufrágio.
Veja se você se encaixa neles.
01 – Visão errada da atividade:
O mercado no geral tem uma visão errada do que é o mergulho em naufrágios. A maioria dos mergulhadores quando pensa em destroços imagina logo penetração locais escuros e apertados.
Essa imagem, está longe da realidade, onde a maioria dos naufrágios está desmantelado. Um mergulhador de naufrágio deve apenas gostar desse ambiente. Se locais escuros não o agradam, sempre haverá muitos peixes coloridos pelo lado de fora. Nenhum mergulhador deve ser instigado a penetrar em locais restritos se não está preparado para isso.
A maioria dos mergulhadores de naufrágio mais próximos a mim gostam mesmo dos navios mais antigos, já quase enterrado. Quanto mais um navio desmonta, mais sua história parece ressaltar.
02 – Falta de Preparação:
Qualquer especialidade técnica como naufrágios cavernas, profundo entre outras requer que o mergulhador já tenha dominado adequadamente os conceitos fundamentais do mergulho: Respiração, controle de profundidade e autonomia, equilíbrio hidrostático, orientação e procedimentos de segurança. Infelizmente a cada dia tenho a impressão que os mergulhadores avançados estão menos preparados.
Com certeza, muito investimento em operações mais seguras e confortáveis e menos no treinamento de auto suficiência deles produziu uma geração de mergulhadores com pouco preparo para mergulhos sem a orientação subaquática de um guia e apenas com seus duplas. Mergulhadores avançados devem dominar completamente as técnicas referidas acima.
03 – Treinamento inadequado:
Naturalmente, que o treinamento inadequado vai gerar mergulhadores mal preparados.É fundamental que ao decidir-se por um curso você escolha aquele que é ministrado por um especialista realmente. No Brasil é comum profissionais que são especialista em todas as modalidades??? Sempre pensei que isso é um generalista.
É impossível que um instrutor consiga manter-se atualizado e aprofundar seus conhecimentos em todas as modalidades de um esporte que possui tanta variedade. Como diz um dos grandes mergulhadores de naufrágio do Brasil, comediante nas horas vagas “ninguém opera o cérebro com um proctologista, se opera merece”
Busque cursos adequados, pesquise entre outros mergulhadores para que você não tenha apenas uma carteirinha a mais.
04 – Equipamento inadequado:
Durante um treinamento específico o mergulhador logo perceberá que naufrágios são muito variados, por isso, uma certa variação da configuração do equipamento é aceitável. Entretanto alguns conceitos básicos são utilizados em qualquer naufrágio.
– Equipamentos de qualidade: falhas no equipamento são normalmente o início de uma crise, que pode evoluir para um acidente.
– Equipamento organizado e compacto: evita que se prenda ou sofra danos no atrito com os destroços.
– Falta de itens de segurança: itens como lanternas e carretilhas são fundamentais em alguns navios e devem estar sempre disponíveis.
05 – Falta de planejamento:
Uma das grandes vantagens do mergulho em naufrágio é o fato de estarmos mergulhando em um local com roteiro conhecido. Os naufrágios apresentam uma configuração conhecida e se existirem croquis podemos planejar cada parte do percurso, antecipando o que será visto e possíveis movimentos como: subir, penetrar ou nadar junto ao fundo.
Esse planejamento prévio, principalmente junto com o dupla aumenta significativamente a segurança e aproveitamento da exploração. O planejamento minimiza afastamentos e desorientação durante o mergulho.
Croquis evitam surpresas, aumentam o aproveitamento do ar e padrão descompressivo e garantem a você conhecer os melhores pontos do sitio.
06 – Falta de atitude:
A meu ver algumas pessoas nascem “seres seguros”, outras são imprudentes pela própria natureza e muda-las exige muito treinamento. Mergulhadores de naufrágio devem conhecer bem os riscos a que estão sujeitos, e conscientes deles, devem adotar uma atitude madura, sem violar as regras ou procedimentos de segurança.
Errar é ruim, mas normal, uma manobra mal executada, ou um erro de julgamento podem acontecer. Porém, o erro de atitude, onde se inicia o procedimento já sabendo que se está cometendo um erro, principalmente grave, não é admissível em mergulhos com maior grau de risco.
Não existe nada em um naufrágio que justifique não retornar a superfície para contar aos amigos.
07 – Comportamento de risco:
Mergulhadores aprendem os riscos, mas pela própria natureza aventureira, tendem a acreditar que não acontecerá com eles.
Penetram em naufrágios complexos sem carretilha, pois dominam o equilíbrio hidrostático e concluem que não vão levantar o sedimento. Então outro mergulhador penetra pelo mesmo conduto e acaba com a visibilidade.
Julgam que a lanterna de LED não queima como as antigas de filamento, assim, uma única lanterna já basta. Então, a lanterna alagas e estão sozinhos na escuridão.
Estão certos que o dupla sabe a orientação das peças, no caminho de volta ao cabo e que ele está logo atrás, depois de longos minutos de pouquíssima atenção voltada a posição do dupla descobrem que estão sozinhos no meio de um monte de peças iguais, e caoticamente espalhadas. OPS!
Calma, respire e pense. Coordene cada minuto de seu mergulho e esteja certo de onde você e seu dupla estão.
08 – Não seguir o planejado:
Muitas vezes vejo mergulhadores extremamente organizados com seu equipamento, protocolos de segurança na superfície e planejamento com seu dupla sobre o que será feito debaixo d´áqua. Tudo lindo, quando caem na água, parece que as ideias são dissolvidas. Talvez por isso, a água seja um solvente universal, leva embora até nossas mais firmes convicções.
Basta a água estar absolutamente transparente e calma para que um planejamento de 30 minutos de fundo na corveta Camaquã – 60 metros – pareça um total absurdo. Porque não 45, o gás é suficiente para isso. E a longa descompressão, bom isso é só um detalhe.
Já via essa cena em vários naufrágios e muitas vezes. De volta no barco, entre sorrisos amarelos sempre ouvimos a máxima “mas deu tudo certo e o mergulho foi demais…” ainda bem que a atividade é segura, mas sempre será?
Quantos mergulhadores já combinaram, não penetrar, não ultrapassar o tempo, não mexer na fauna marinha, não retirar objetos, não, não e não. Mas aí vêm o solvente universal e temos sim, sim …
Planeje seu mergulho e siga seu plano sempre que isso não interferir na segurança. Esteja pronto para ajustar a conduta se detectar erros ou mudanças de condição. O mar é dinâmico e devemos saber nos adaptar.
09 – Coleta de souvenires:
No Brasil existem leis que proíbem a retirada de objetos de naufrágios (7.542 e 10.1660), mas do que isso, a ética e bom senso nos apontam que se todos retirarem lembrancinhas dos naufrágios em breve não haverá mais nada para ver no fundo.
Um caco de garrafa que hoje parece ser uma peça muito legal, em poucos dias será um “lixo” em sua estante. A maioria das peças de naufrágios só possui valor quando associada ao local onde estão. Preserve os naufrágios, para que outros mergulhadores também possam desfrutar do cenário.
10 – Descontinuidade do treinamento:
Naufrágios exigem aperfeiçoamento, pois cada naufrágio apresenta condições próprias que muitas vezes envolvem outras especialidades. Assim se você pretende mergulhar na Corveta Ipiranga, além de mergulhador de naufrágio, precisara dominar técnica de mergulho profundo.
Deseja mergulhar em Guarapari? recomenda-se um curso de mergulho em correntes, pois os naufrágios estão frequentemente sujeitos a elas. Se você deseja conhecer a Thetis em Arraial do Cabo, uma roupa seca e o conhecimento para usa-la deverão fazer parte de seu arsenal. Já que devido a ressurgência o local possui três temperaturas de água: fria, muito fria e gelada, mas cada tremida vale a pena pela história desse naufrágio.
Por isso, um mergulhador de naufrágio deve buscar constantemente o aperfeiçoamento através de novos cursos e treinamento, só assim poderá alcançar alvos com nível de dificuldade técnica maior.
Agora que você conhece os principais erros dos Mergulhadores de Naufrágio, é lembrar-se que apesar de nossa atividade ser muito segura, quando vários erros ocorrem simultaneamente os acidentes tendem a acontecer. Mantenha-se seguro, respeite as regras de segurança e extraia dos naufrágios apenas úmidas lembranças do passado.
Curso de Mergulho em Naufrágios
Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.