Matéria – Em desmanche

Revista Mergulho, Destino naufrágio - Ano XII - Nº 138 - janeiro/2008 - Texto: Maurício Carvalho

A impossibilidade de penetração não diminui o fascínio pelos
naufrágios – O Cavo Artemidi é um bom exemplo

Na proa, só estão fora da areia um pequeno mastro, parte de um dos guinchos e o acesso ao porão

Qualquer mergulhador que se aventura por um naufrágio inteiro tem de saber que é fundamental identificar se a estrutura está segura para a penetração ou mesmo para manter proximidade com os destroços. Esse procedimento porém não é nada fácil.
Podemos perceber grande variação de condição dos destroços devido a fatores como (em ordem de importância):

– Data do naufrágio
– Tipo de navio e material de construção.
– Condições Meteorológicas e Oceanográficas.
– Tipo de acidente.
– Atividades humanas de resgate.
– Profundidade.
– Condições biológicas.

 

O Cavo Artemidi antes do acidente

Qualquer um desses pode alterar significativamente o estado dos destroços. Entender o que está acontecendo no fundo muitas vezes depende de experiência em outros sítios e paciência para aprender ao longo dos mergulhos. Por isso, nada de se lançar ao interior do primeiro buraco que aparecer pela frente (leia coluna de Mergulho 137).
Um excelente exemplo para aprendizado do processo de desmanche pode ser acompanhado em Salvador, BA. em um dos mais belos naufrágios do Brasil.
Em 1980, o enorme cargueiro grego Cavo Artemidi embarcou em Vitória uma carga de ferro-gusa, parando em Salvador para reabastecimento.
Ao deixar o porto de Salvador, sem reboque nem prático, foi arrastado pela forte corrente e bateu no Banco da Panela. Perdeu o controle do leme e foi encalhar em outro banco de areia, já fora da Baía de Todos os Santos.
Permaneceu encalhado pela proa durante uma semana e, apesar dos esforços para soltar e rebocar o cargueiro, acabou por afundar já preso pela proa, nas claras areias do Banco de Santo Antônio.
Nos últimos 27 anos o Cavo Artemidi sofreu uma intensa ação das fortes correntes de maré que varrem a entrada da Baía de Todos os Santos, além da dos explosivos durante os trabalhos de resgate do ferro-gusa. Atualmente, as consequências desse processo podem ser facilmente percebidas.


Navios que afundam em sua posição correta tendem a resistir até 30% a mais do que quando repousam de lado no fundo. Agregação de coral, grandes profundidades, com pouca ação física de ondas e baixa taxa de oxigênio podem prolongar a durabilidade das estruturas. Alguns cargueiros da 2ª Grande Guerra, sessenta anos depois, ainda mantêm toda sua integridade. Não foi porém, o que aconteceu ao Cavo Artemidi.

Entenda o processo de desmanche de um navio.

FICHA TÉCNICA
NOME DO NAVIO: Cavo Artemidi
DATA DO NAUFRÁGIO: 25.09.1980    –    MOTIVO DO NAUFRÁGIO: Encalhe
LOCAL: Banco de Santo Antônio. Saída da Baía de Todos os Santos.
POSIÇÃO: Latitude: 13° 03.310′ sul e Longitude: 038° 31.551” oeste.  –  PROFUNDIDADE: 9 a 29 metros
TIPO DE NAVIO: cargueiro  –  NACIONALIDADE: Grega  –  COMPRIMENTO: 180 metros 
CARGA: 16.800 toneladas de Ferro-gusa.

 

Condição em 1997
Condição em 2002
Condição em 2006

 

 

O navio ficou fortemente fixado pela proa no banco de areia desde o início dos anos 80 e, no final da década de 90, já não era mais possível identificar todo o castelo de proa.
Por outro lado, a popa – bastante pesada devido ao casario, sala de máquinas e outros compartimentos – estabilizava o navio no fundo.
O meio do Cavo Artemidi, formado pelos porões vazios quando a carga, em 1984, foi retirada, permaneceu leve e praticamente na transversal do fluxo de maré da baía. O Resultado era inevitável: décadas de flexão do costado acabaram por partir o navio, como uma folha de metal que é seguidamente dobrada.
Em 1997, o porão cedeu; em 2004, uma de suas laterais acabou por abrir-se e, em 2007, finalmente o fundo do navio rompeu-se e as laterais abriram, permitindo que a fúria das águas corram por seu interior.
Além disso, o banco de areia, influenciado pelas correntes vêm sistematicamente soterrando o navio pela proa. Hoje, cerca de 50 metros do navio não são mais vistos. Até mesmo o eixo e o arco do leme, que permitiam a passagem dos mergulhadores a 31 metros, já está coberto.
O padrão do Cavo Artemidi é repetido em muitos naufrágios pelo mundo, alguns até praticamente fora d’água. A maioria deles, acaba abrindo um grande rompo no meio do casco que serve de passagem para a água. Quando isso acontece, as pressões sobre o navio diminuem, porém no caso do Cavo Artemidi, restou pouca sustentação para o costado de bombordo, que logo deve sucumbir.

Mergulhadores de naufrágio sabem que penetrações devem ser evitadas quando alguma das condições ocorrem:

– Barulhos vindo dos destroços
– Partes significativas do navio oscilam
– Seções da estrutura que tinham continuidade se separam.
– Estruturas de sustentação inclinam mais de 30 graus.

No Cavo Artemidi todas essas condições estão presentes.
Para os mergulhadores, a triste notícia está no fato de que as penetrações em um navio com esse grau de comprometimento são muito arriscadas e devem ser evitadas completamente. Com certeza é muito difícil resistir a sua bela sala de máquinas entre outros compartimentos, mas convém respeitar um naufrágio em que são vistas chapas de metal balançando e são ouvidos ruídos de batidas e rangidos o tempo todo.
O lado bom, é que devido a incrível fauna que se agregou durante os anos no fundo o Cavo continuará a ser um dos mais belos mergulhos do Brasil.
Em dias de mar extremamente calmo e sem correntes você poderá – utilizando uma carretilha – alcançar o pouco da proa que sobrou desenterrada e verificar o tamanho desse gigante.
As penetrações não são necessárias para curtir esse que é um dos mais belos naufrágios do Brasil.


Veja mais em: Naufrágio Cavo Artemidi



Curso de Mergulho em Naufrágios


Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

Veja mais em: Naufrágio Cavo Artemidi

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