Matéria – Navios de Marinha

Destino naufrágio - Navios de Marinha

A mais rica memória subaquática

Revista Mergulho, Ano XV – Nº 180 – julho.2011 – Texto Maurício Carvalho

Outro dia um repórter me perguntou que naufrágios eram mais importantes e deviam ser protegidos em primeiro lugar. Inicialmente, pensei em indicar os mais bonitos e interessantes para o mergulho, aqueles que estão em águas mais claras e possuem mais fauna associada.
Depois de algum tempo refletindo cheguei à conclusão que na incapacidade de avaliar caso a caso os navios de marinha deveriam ser os primeiros e mais protegidos. É certo, que muitos mercantes possuem histórias fantásticas e navios como o Principe de Asturias (SP) e Bahia (PE.), devido ao grande número de vítimas dos naufrágios, ou o Itapagé (AL), por ser testemunha das agressões que levaram o Brasil à guerra; deveriam se tornar uma espécie de santuário.
Mas se avaliarmos por grupos, os mais de 80 navios naufragados da Marinha do Brasil, certamente guardam muito mais da história e representam melhor os acontecimentos de sua época. Como esquecer que o Dona Paula (RJ.) perseguia piratas na frente de um dos balneários mais famosos do mergulho brasileiro.
Na história da Marinha do Brasil, muitos dos mais importantes navios, foram comprados de outros países. O que significa que eles possuem dois períodos distintos de atividade e história, no exterior e aqui.
Veja o exemplo do CT Paraíba, naufragado em frente ao Rio de Janeiro quando era rebocado para desmanche. O navio é reverenciado pelo seu período com USS Davidson e sua antiga tripulação americana ficou muito feliz por vê-lo repousar no fundo, ao invés de virar sucata de aço, exatamente por respeito a sua folha de serviços.

Tabela de Naufrágios de Marinha do Brasil já localizados

Aquidabã                      1906 — Angra dos Reis, RJ.
Barca faroleira             1900 — Ilha de Santo Aleixo, PE.
Barreto de Menezes    1954 — Tutóia, MA.
Beberibe                       1966 — Ilha de Trindade
Camaquã                      1944 — Recife, PE.
DNOG                            1942 — Ilha Grande, RJ.
Dom Afonso                 1853 — Arraial do Cabo, RJ.
Dona Paula                   1827 — Arraial do Cabo, RJ.
Imperial Marinheiro    1865 — Marambaia, RJ.
Ipiranga                        1983 — Fernando de Noronha
Lindóia                         1838 — Rio de Janeiro, RJ.
Orion-H32                    2003 — Quissamã, RJ
CT Paraíba                   2005 — Rio de Janeiro, RJ.

Em muitos países, diversos navios de Marinha tem sido afundados propositalmente para servir de recifes artificiais e simultaneamente preservar a história dessas embarcações. Infelizmente no Brasil, o padrão tem sido outro e, com isso, os navios têm sido vendidos para sucata, como o CT Paraíba e o Porta Aviões Minas Gerais, este último não conseguiu escapar dos maçaricos.
Uma das poucas exceções foi o navio hidrográfico Orion-H32, que entre 2002 e 2003 foi cuidadosamente limpo e preparado no Arsenal de Marinha para tornar-se um recife artificial.
Infelizmente, acabou sendo afundado próximo a Quissamã, no litoral norte do Rio de Janeiro e em uma área com visibilidade pouco maior que um metro. Segundo os coordenadores do projeto, o local foi escolhido para beneficiar – ou compensar danos ambientais – a população de pescadores da região, servindo como atrator de peixes.
Para conseguir tal efeito, poderiam ter sido utilizadas estruturas de concreto, que teriam um custo mais baixo do que a limpeza e preparação de toda a estrutura de um navio.
Uma total perda do Orion, que, hoje não pode ser utilizado com segurança por mergulhadores e desapareceu na história.
Talvez no futuro nossos governantes vejam as enormes possibilidades que o afundamento deste tipo de estrutura pode abrir. Ou será que tantos países como Canadá, México e Estados Unidos estão enganados.
A Florida é um exemplo muito forte da colaboração de governos estaduais, Marinhas e iniciativa privada. Hoje são várias dezenas de naufrágios artificiais. Sem dúvida, os melhores são os navios desativados da Marinha Americana, todos com folhas de serviço extensas.
Os principais representantes são os cuters da guarda costeira Bibb e Duane, o porta overcraft Spiegel Grove, o navio radar Vandenberg e o porta aviões Oriskany, navios importantes em suas épocas.

O SPIEGEL GROVE

 O USS Spiegel Grove foi Construído nos Estados Unidos e lançado ao mar em novembro de 1955. Seus 150 metros de comprimento por 24 de boca serviam como navio de apoio a desembarques anfíbios.
Operou em missões humanitárias na África e transportou tropas por todo o Caribe, América do Norte e Europa. Ao longo de sua vida sofreu várias reformas, operando embarque e desembarque dos grandes overcrafts – Embarcações sobre colchão de ar. Foi desativado em 1989.
Em 1998 foi repassado ao estado da Florida com parte do projeto de recifes artificiais desse estado.
Em maio de 2002, ainda durante a preparação para o afundamento o Spieguel Grove, rolou sobre estibordo e naufragou antes da hora, parando no fundo de cabeça para baixo. Mesmo nessa posição, o ponto de mergulho foi aberto aos mergulhadores. Em julho de 2005 o furacão Dennis passou sobre o navio, provocando seu retorno a posição de navegação, como no plano original de seu afundamento.

Hoje o navio encontra-se apoiado sobre sua quilha a uma profundidade de 40 metros, atingindo no alto de sua superestrutura, cerca de 18 metros.
É um dos pontos mais frequentados de Key Largo – uma das ilhas (Keys) ao sul da Florida. A posição dos destroços é assinalada por quatro boias, com cabos de descida para os mergulhadores.
O naufrágio é muito grande e principalmente largo e, mesmo em dias de águas claras, é difícil enxergar de um bordo ao outro. A proa é muito interessante com uma série de compartimentos, mas a grande abertura na popa, que permitia a entrada dos grandes overcrafts de desembarque é um local incrível e, diferente de tudo que já vi em naufrágios.
A penetração nesse compartimento é sensacional, embora o espaço seja grande o suficiente para que a corrente, forte nessa região da Florida, penetre pela abertura de popa dificultando um pouco. É recomendável manter-se junto aos bordos onde a ação da corrente é menor.
Infelizmente, vários mergulhadores já perderam a vida no interior desses destroços, assim seja cuidadoso e siga as recomendações das equipes locais evitando penetrações se não tiver experiência.

Torcemos para que em breve possamos descrever mergulhos assim em navios desativados de nossa marinha e afundados em águas de nosso litoral. Com certeza, eles também serão visitados e reverenciados como parte da história de nosso país. Mesmo sendo biólogo e apoiando intensamente a reciclagem, prefiro para essas belas máquinas um destino mais nobre do que virar sucata e matéria prima para algum alto forno.


Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

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