Matéria – Queimado, destino selado a fogo

Matéria publicada na Revista Sub n°17 - outubro/1997 - Texto Maurício Carvalho

Os portos nordestinos são o primeiro ou o último ponto de ancoragem de navios que vêm ou voltam da América do Norte e Europa; por isso, as águas da região registram, no século passado e início deste, alta freqüência de desastres marítimos. Neste número a Revista Sub leva você às pouco conhecidas águas do litoral paraibano, em uma visita ao Erie, navio popularmente conhecido por seu trágico destino, quando foi consumido pelas chamas.

O naufrágio
O Erie era utilizado regularmente no serviço postal entre o Brasil e os Estados Unidos. Na noite do dia primeiro de janeiro de 1873, o navio, fazia sua segunda viagem entre os dois países. Saira do Rio de Janeiro, com uma carga de 24.500 sacas de café. O navio passara pelo porto de Recife e navegava a 12 milhas da costa de Tambaú, na cidade de João Pessoa, quando, às dez horas da noite, irrompeu um incêndio a bordo. De terra, grandes labaredas podiam ser avistadas. Vários pescadores, em 6 jangadas, deslocaram-se para lá, encontrando um grande vapor envolto em chamas e toda a tripulação e passageiros, em número de 81, amontoados em 8 escaleres. Às duas horas da madrugada do dia 2 de janeiro, o Erie vagarosamente ia para o fundo, deixando a noite escura e selando seu destino como o Queimado.

Os destroços
O navio encontra-se desmantelado, apoiado corretamente no fundo paralelamente ao litoral. A distribuição geral dos destroços ocorre em 4 grandes porções, com um comprimento de aproximadamente 100 metros e uma largura de 15 metros. Na proa existe um grande aglomerado de peças, onde podemos distingüir os olhais de âncora, um grande guincho e de cada lado dois cabeços de amarração.

A segunda concentração de destroços, está a meia nau, afastada da primeira por 20 metros, é formada basicamente pelas quatro grandes caldeiras; entre as duas porções só encontramos pequenas peças e partes do casco aflorando na areia. As caldeiras são a grande atração deste naufrágio. Geralmente cilíndricas, neste caso, seu formato é quase quadrado, exceto pela parte externa inferior, que segue o formato do casco. Elas estão dispostas duas a duas, devendo medir aproximadamente 4 metros de altura, por 5 de comprimento e 3 de largura. Cada uma delas parece estar conectada, por tubulação, à outra do mesmo lado. Existe uma larga passagem entre as caldeiras, sobre a quilha do navio. Uma câmara de condensação do vapor está caída sobre a lateral da caldeira dianteira de estibordo, tendo destruído sua parte superior.
Tanto o primeiro como o segundo aglomerado de destroços estão circundados e sobre grande número de rochas do tipo seixo, que acreditamos tratar-se do lastro da embarcação. Afastado das caldeiras, por cerca de 10 metros, está o terceiro conjunto de destroços, constituído basicamente pelas máquinas a vapor e demais engrenagens. Não conseguimos distingüir se o maquinário trata-se de dupla ou tripla expansão, em parte por sua posição de lado, mas também pela quantidade de peixes que colonizam os destroços e impedem a boa visibilidade.
Para trás das máquinas está a última porção do navio, formada por um longo eixo de cerca de 20 metros, ao lado do qual poucas peças aparecem, alguns cabeços e a outra raridade deste navio, que são as chapas de bronze que revestiam o casco de madeira. No final do eixo, pode ser apreciado um belíssimo hélice de quatro pás, duas das quais enterradas. O hélice também têm formato incomum, com pás finas e longas. Por todo o naufrágio não há indícios de casario, deixando transparecer que o incêndio consumiu a maior parte das superestruturas do navio antes da submersão.

O mergulho
Mergulhar em João Pessoa é sem dúvida uma experiência inesquecível. A começar pelo embarque que é feito na praia do Bessa; geralmente o vento sopra forte e a cor da água junto à praia não permite antever o excelente mergulho que está por vir. As opções de mergulho são variadas; como se não bastasse os três naufrágios fantásticos (Alvarenga, Alice e Queimado), ainda existem belos recifes. A duas milhas do litoral, a água já é muito clara e enche de ânimo o mergulhador. O vento não perturba o mar, que permanece calmo e claro. O Queimado repousa sobre um fundo de areia clara a 18 metros de profundidade, atingindo em sua parte mais rasa (máquinas) 9 metros.
O mergulho a pouca profundidade e de perfil quadrado permite um ótimo tempo de fundo; as águas quentes dispensam o uso de roupa de neoprene. Apenas um problema “perturba” o mergulhador de naufrágio que pretenda desvendar todos os seus segredos, a impressionante quantidade de peixes; são tantos e tão variados que por vezes é impossível identificar os destroços. Ciobas, xirras, frades, enxadas, ciliaris e lambarus infernizaram minha vida – uma dureza!!!

Por vezes, os colegas precisavam afugentar os peixes, para que fosse possível identificar as peças do navio.
A claridade da água e demais condições de mergulho dispensam grandes cuidados e planejamento; mergulhadores de qualquer nível poderão fazer um excelente mergulho no Ship Erie, como também é conhecido na região este naufrágio. Apenas recomendo mergulhar em grupo, assim enquanto dois mergulhadores espantam os peixes, os demais terão a chance de apreciar, este maravilhoso naufrágio.
Desejando informar-se melhor sobre este e outros naufrágios da Paraíba, entre em contato com o instrutor Ismar Melo da Mar Aberto, única operadora local, que além de conhecer tudo da área garante uma saída segura e muito agradável.
Meus agradecimentos também ao mergulhador Bertan Miranda, pelo belo croqui do Queimado e apoio. Para aqueles que desejam mais informações, vale a pena a visita no site sobre os Naufrágios da Paraíba. Se você pretende conhecer os principais naufrágios do Brasil, sem dúvida, não poderá deixar de visitar o Erie. Tenho certeza, que depois de queimar de curiosidade, o belíssimo mergulho e o pôr do sol do litoral paraibano não vão decepcioná-lo.

Ficha técnica
Dados do Naufrágio
Nome do Navio: Erie                                   Data do Afundamento: 02.01.1873
Localização: 4,7 milhas do farol do Cabo Branco,no través da praia de Tambaú
Latitude – 7º05’02” sul e Longitude 034º44’8″ oeste.
Profundidade: 9 a 18 metros.    Estado: desmantelado

Dados Técnicos
Nacionalidade: Americana.                  Armador: Americam Steam Ship Corp.
Estaleiro: E. B. Vannevar & Company – 1867 – Newburyport, Massachussets, USA.
Medidas: Comprimento: 100 m. – Boca: 12 m. – Tonelagem: 3502 T.
Tipo de Navio: Cargueiro a vapor.
Carga: 24.500 sacas de café.


Com quem mergulhar
Mar Aberto Atividades Subquáticas.
Responsável: Ismar Melo.
Av. Argemiro de Figueiredo, 5059 – Bessa – João Pessoa – PB.
Tel: (83) 32465697
www.maraberto.jpa.com.br


Referências
Jornal Diário de Pernambuco 07.01.1873 – Recife.
National Maritime Historical Society USA.
OBS: Na matéria original constam outros fotos.


Maurício Carvalho é biólogo, instrutor tainer PDIC, especialista em naufrágios, ministrando cursos sobre o tema em todo o Brasil.

Rolar para cima