Sumário
Histórico
O Bahia foi um dos mais importantes navios da Companhia Brasileira de Navegação a Vapor, fazendo a linha regular entre portos do nordeste e as capitais do sudeste do Brasil.
Possuía acomodações de 1ª e 2ª classes, que podiam acomodar com relativo conforto cerca de 100 passageiros na popa, ainda transportava cerca de 400 passageiros sobre o convés em viagens curtas entre os portos.
O choque com o vapor Pirapama, que pôs a pique o Bahia, na altura da praia de Ponta de Pedras, norte do estado de Pernambuco é cercado de muito mistério e histórias fantasiosas. Depois de uma longa pesquisa e leitura de dezenas de jornais e documentos fiquei com a impressão de que a tragédia não passou de um terrível evento acidental, causado por negligência de uma ou até das duas tripulações, mas talvez jamais saibamos a verdade.
Com certeza, os fatos reais estão muito longe da incrível versão que corre no gosto popular; afirmando que; “O comandante Carvalho do Pirapama, havia jogado propositalmente a proa de seu navio, contra o costado do Bahia, devido a uma antiga rixa entre os dois comandantes por causa de ciúmes de sua mulher.”
Em 1887, sem rádio e radar, localizar outro navio em alto mar, seria praticamente impossível, principalmente a noite. Além disso, com certeza os outros oficiais e o prático que estavam na ponte no momento do acidente, não deixariam o capitão cometer tal loucura.
Vapor de rodas semelhante ao Bahia (ilustração adaptada – Maurício Carvalho)
Dados básicos
Dados de localização
Dados técnicos
A grande proa resiste ao tempo e dela pendem os turcos que erguiam as âncoras
Ancoras caídas em cada um dos bordos da proa
As lanternas revelam o intenso colorido dos destroços
O Acidente
O Pirapama, comandado pelo Capitão Carvalho e sob ordens do prático Vicente da Costa, deixou o porto do Recife as 17:30 h do dia 24 de março, com destino a portos do norte e escala no porto da Paraíba. O vapor Bahia, comandado pelo Tenente Aureliano, vinha do porto de Camocim com destino a Recife, onde faria escala, antes de seguir para os portos do sul. A bordo do Bahia estava um total de mais de 200 pessoas, inclusive, o 15º Batalhão de Infantaria do Exército que seguia com destino a Corte (Rio de Janeiro).
Em uma noite clara de mar calmo e sem nevoeiro, à cerca de 30 milhas do farol do Picão, e a 10 milhas do litoral de Ponta de Pedras, quase na divisa com o estado da Paraíba. O Pirapama e o Bahia seguiam em rota de colisão quando finalmente perceberam a presença um do outro. A despeito das tentativas de mudança da rota e parada das máquinas, os dois vapores chocaram-se violentamente as 11:30 h.
O Pirapama sofreu o choque na proa, com maiores danos por boreste e o Bahia recebeu a força da proa do Pirapama por bombordo. O Pirapama retornou ao porto de Recife a meia força e com muita água no porão de proa. Sem apresentar vítimas, o navio chegou ao porto por volta das 7:00 horas da manhã do dia 25 de março. O Bahia, em decorrência dos estragos causados pelo choque, afundou cerca de 10 minutos após o acidente. Mais de duzentas pessoas tentaram salvar-se agarrando nos mastros e em quaisquer outras coisas que flutuassem. Após o naufrágio, acorreram ao local algumas jangadas e três barcaças. Uma delas, a Gracinda, salvou cerca de 30 passageiros que estavam agarrados aos mastros, além de mais 13 que nadavam desesperadamente. Poucos passageiros e marinheiros se salvaram, pois, a maioria estava recolhida aos camarotes no momento do acidente. Também pereceram o comandante, o imediato e demais oficiais. Oitenta e dois náufragos em estado próximo da nudez chegaram ao cais Lingueta. Oito, foram encaminhados à enfermaria da Marinha. Os civis foram hospedados em hotéis, enquanto os militares foram levados a quartéis e bases da Marinha.
Muitos comerciantes ofereceram roupas aos náufragos. Nos dias que se seguiram, foi instalada uma comissão de auxílio às vítimas e transporte em vários vapores para suas cidades de origem. Nos dias seguintes à tragédia, diversos cadáveres começaram a chegar nas praias próximas ao local dos destroços, principalmente na praia de Ponta de Pedras e Carne de Vaca e por ordem do delegado foram enterradas no cemitério local. No dia 28 de março foi aberto um inquérito para apurar as causas e responsáveis pelo acidente, até esse momento, ninguém falava de culpa do capitão Carvalho do Pirapama. O oficial Manoel Luiz de Almeida denunciou o Pirapama por não prestar socorro. Já o comandante do Pirapama acusou o 1º tenente Aureliano Izacc de imperícia e negligência.
Versão do Bahia
“As 23:00 h nosso vapor seguia a quarto de força e a 10 milhas da costa, em demanda ao porto de Pernambuco; cuja barra como é sabido, só pode ser montada ao alvorecer. As 23:15 horas vimos no rumo oposto ao nosso um farol de luz branca. Mais tarde, vimos a luz encarnada (vermelha) e depois foi reconhecido ser um vapor. Foi dada a ordem de guinar para bombordo (boreste). Pouco depois, estando o outro vapor muito próximo e correndo sobre o Bahia de modo a cortar lhe a proa, o leme foi todo virado a estibordo para fugir dele. Apesar dos apitos da máquina e gritos que partiam de nosso navio, pouco depois da meia noite ocorreu o abalroamento.”
Versão do Pirapama
“O Pirapama deixou Recife as 5:30 h da tarde com destino ao porto da Paraíba, sob a direção do prático Vicente Costa. As 23:30 h avistamos um farol branco a estibordo. Naquela hora, navegávamos em frente a Goiana, em direção ao mar e procurando dar resguardo ao parcel que corre encontrado a terra. As 23:45 h um vapor mostrava a luz verde que se aproximava a grande velocidade. Logo após e subitamente o navio arribou para terra, sem contudo mostrar a luz encarnada. Quando o vapor ficou muito perto, foi dada a ordem de parar e por o leme ao revés e máquinas toda força atrás. Infelizmente já era tarde. Após o choque e paradas as máquinas, o capitão foi verificar pessoalmente os danos por cerca de 20 minutos. O Bahia perguntou quem éramos e seguiu adiante sem pedir ajuda. O Pirapama sofreu deformidades, mas navegou a meia força até Recife, arribando às 7 horas da manhã.”
O Pirapama
Sobre o destino do Pirapama; as informações, assim como o próprio acidente, foram nebulosas durante muito tempo. Até que no final de 2023, com as informações encontradas, conseguimos fechar a linha do tempo desse navio. Os danos sofridos pelo Pirapama não foram suficientes para tirá-lo de serviço. O navio foi consertado e continuou navegando regularmente até 1890, sob o comando do mesmo capitão Carvalho do acidente. O processo pelo afundamento do Bahia durou anos, mas no final o comandante Carvalho foi inocentado. Quando o navio não mais apresentava condições de navegação, seu armador determinou que equipamentos importantes como: caldeiras, rodas, guinchos e âncoras fossem retirados e foi transformado em um pontão para estocagem de carvão para os vapores da Companhia Pernambucana de Navegação. Em determinado momento o casco começou a fazer água e não era mais viável para a companhia mantê-lo como pontão de carvão. Assim, foi dada a ordem de esvaziar o porto e diversos cascos antigos entre eles o Pirapama foram afundados ou desmontados. Entre os dias 9 e 13 de março de 1895 o Pirapama foi limpo de suas últimas peças úteis, foi rebocado para fora do porto de Recife e foi posto a pique.
Veja a história completa do PirapamaDiário de Pernambuco, 01.01.1887.
Autor: Seguro Wanderley
Horrível alarido ouviu-se a bordo
Do Bahia que o choque suportou
E logo por desgraça muitas vidas
No abismo insondável sepultou
Partido ao meio, pelo impulso
Do choque que lhe deu o Pirapama
Submergiu-se nas águas repentina
Indo dar com o costado sobre a lama
Foi nesta confusão, desordem, caos
Quando todos imploravam salvação
Que fugiu do sinistro espavorido
Do Pirapama, o covarde capitão
Covarde sim, porque não teve o ânimo
Que não deve faltar ao marinheiro
Quando o perigo ante seus olhos
No momento terrível derradeiro
E quando deste modo, aquele monstro
Com seus irmãos aflitos procedia
No Bahia, o valente comandante
Salvando muitas vidas perecia
Que ação nobre e sublime,
Que exemplo edificante
Foi este que soube dar
Tão distinto comandante.
Sepultura de uma das vítimas no cemitério de Ponta das Pedras
Monumento em Ponta das Pedras
Embarque nas catraias de Ponta das Pedras
No dia 12 de setembro 1889 o jornal Diário de Pernambuco anunciava que terminavam os trabalhos de destruição do casco do vapor Bahia, por ser ele um perigo a navegação. Um senhor e nome Mizael da Silva Guimarães e o engenheiro João José Fernandes da Cunha, encarregado da verificação da do serviço receberam 9:000$000 (contos de Réis) pela empreitada, reduzindo os destroços na baixa mar e a premar, respectivamente a 21 e 23 metros. Agora o Bahia só voltaria as manchetes quando localizado pelos mergulhadores na década de 1950.
Descrição
O navio mantém sua linha, apoiado corretamente no fundo de areia, com os destroços se estendendo por cerca de 100 metros.
A proa ainda inteira, está quebrada atrás do escovém, nela estão dois turcos virados para fora da embarcação e um turco virado para o interior. De cada lado do casco encontram-se âncoras do tipo almirantado, caídas no fundo e com as correntes subindo diretamente para os escovéns.
Atrás e abaixo do castelo de proa estão o guincho, duas grandes âncoras de reserva, elas estão presas uma a outra e junto ao costado de boreste, uma quinta âncora, menor que as anteriores, pode ser vista caída sobre as correntes no que seria o paiol de proa.
Seguindo em direção a meia nau, um grande buraco denuncia a região do porão de proa. No centro do casco, muitos ferros, escotilhas, cabeços de amarração, passadores de cabos e bigotas de mastro podem ser vistas.
No centro da embarcação encontramos duas grandes caldeiras cilíndricas. A bombordo, a roda de propulsão está inteira, ligeiramente caída para fora. A roda de estibordo, assim como o costado nesta região, estão totalmente quebrados, mas vale uma conferida, pois no local, muitos tubarões Lambaru se escondem durante o dia.
Atrás das caldeiras está uma das câmaras de condensação de vapor.
Além disso, encontramos partes do sistema de propulsão, pedaços dos virabrequins e do eixo excêntrico. A máquina a vapor, composta por dois cilindros, está caída para popa e um dos cilindros está aberto. Das máquinas para a popa, encontramos o costado de estibordo totalmente caído para fora e ligeiramente enterrado. Em todo o costado são vistas as armações de bronze de diversas escotilhas.
A estrutura do convés do porão de popa inclina-se em direção a areia a partir do costado ainda alto de bombordo.
No final dos destroços caído sob os destroços para bombordo, está o enorme leme e seu volante, alguns cabeços e o espelho de popa.
Uma das duas caldeiras
A roda de bombordo, ainda inteira
Os cilindros da máquinas diagonais
Convés de popa, caído para dentro do navio
Cardumes dificultam visualizar os destroços
O leme e seu volante
SINAU
Para mais informações, acesse o Sistema de Informações de Naufrágios - SINAU
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