IRMÃOS GOMES

Sumário

Texto e fotos: Tatiana Mello


Histórico

Este vapor foi construído na Escócia nos estaleiros da Companhia Blackwood & Gordon. Era um vapor misto de carga e passageiros com casco de ferro, 2 mastros e armado a escuna. Apresentava 175.0 ft (53,3 metros) de comprimento, 25.0 ft (7,6 metros) de boca e 10.4 ft (3,1 metros) de calado, deslocando 371 toneladas brutas e 225 toneladas líquidas.
Foi equipado com máquinas a vapor compostas de 2 cilindros com potência de 88 nhp movimentando um hélice.
O vapor apresentava um salão luxuoso e comportava 20 passageiros na ré, também tinha amplas acomodações para carga.
Lançado ao mar em 13 de novembro de 1886, recebeu inicialmente o nome de EAGLE e segundo os registros do estaleiro, após dificuldades financeiras teve sua conclusão adiada para setembro de 1887 e entregue com o nome de ESTRELLA.
No dia 12.12.1887 o vapor Estrella, aparece como de propriedade da firma comercial dos senhores I. H. Bellamy & C. do Rio de Janeiro. Realizava sua viagem de experiência, largando do porto do Rio, hasteando a bandeira inglesa e dirigindo-se para fora da barra, contornando as ilhas Pai e Mãe, mantendo uma velocidade de 10,5 nós em mar cavado. O teste ocorreu sem problemas.

    A partir dai, o vapor passa por sucessivas companhias. Em 1890 pertence a Companhia de Navegação a Vapor Espírito Santo & Caravellas, com o nome de ESTRELLA, fazendo rotas regulares para os portos do sul e nordeste.
Em 1891 O corre a fusão do Lloyde Brazileiro com as companhias Companhia de Navegação a Vapor Espírito Santo & Caravellas e Companhia Brazileira de Estrada de Ferro e Navegação e o ESTRELLA continua a constar no inventário da companhia.
Em 1908 afundou devido a um incêndio no Porto de Itajaí, Santa Catarina, mas foi recuperado.
Em abril de 1934 foi adquirido pelo serviço da Diretoria-Geral de Aeronáutica como navio auxiliar de apoio ao Departamento de Aviação Naval , sendo batizado como COMMANDANTE PETI em homenagem ao comandante Capitão de Corveta Djalma Fontes Cordovil Petit que faleceu em 24.04.1934 quando seu avião caiu com seu Boeing 256 (F4B-4) durante uma apresentação de manobras aéreas no Congresso de Aeronáutica no Campo de Marte em São Paulo.
Foi enviado a Escócia onde sofreu modificações, passando a utilizar um motor a diesel de 8 cilindros Otto Deutz de 400hp.
Em 20 de setembro de 1951 sofreu um incêndio no porto do Rio de Janeiro. Após sua baixa, seu casco foi comprado em 1957 pela Companhia Navegação Antônio Gomes da Silva, que o reconstruiu, rebatizando de Irmãos Gomes e colocando-o em tráfego.
Durante toda a década de 60 seus registros de entrada e saída pelos principais portos do Brasil está bem registrado nos jornais.
Durante sua história também são citados o nome VESPER, da Companhia de Navegação Rodolfo Souza, proprietária também do Vênus. Sua incorporação ao Lloyde Brasileiro (provavelmente pela incorporação da Companhia de Navegação a Vapor Espírito Santo & Caravellas) e sua venda em 1930 a companhia Mutzembecker & Co, Rio de Janeiro, porém esses dados são conflitantes e não puderam ser comprovados.

Dados básicos

Nome do navio: Irmãos Gomes
Data de afundamento: 31 .12.1967

Dados de localização

Local: Ilha Queimada Grande
UF: SP.
País: Brasil
Posição: A 500 metros da face norte xa extremidade sul da Ilha Queimada Grande
Latitude: 24° 29′ 542 sul
Longitude: 46º 41′ 461 oeste
Profundidade mínima: 25 metros
Profundidade máxima: 30 metros
Condições atuais: desmantelada

Dados técnicos

Nacionalidade: brasileira
Ano de fabricação: 1886
Estaleiro: Navegação Rodolfo Souza
Armador: Blackwood & Gordon, Glasgow (Escócia)
Deslocamento: 726 toneladas
Comprimento: 53,9 metros
Boca: 7,6 metros
Tipo de embarcação: cargueiro
Material do casco: ferro
Carga: Carga: 327 toneladas – Farinha de Mandioca e Pinho
Propulsão: diesel
Motivo do afundamento: Choque contra pedras no sul da ilha

O Acidente

Ilha Queimada Grande em frente ao litoral de Peruíbe, ao sul de Santos, SP. No mesmo local afundaria em 1893 o Rio Negro e em 1933 o vapor Tocantins

De 1957 até seu naufrágio o navio cumpriu numerosas rotas. Em 21.02.1961 os jornais noticiam que o Irmãos Gomes ficou encalhado na Baía de Paranaguá, após um violento choque com a Pedra da Baleia. O navio transportava madeira que foi atirada ao mar na derradeira tentativa de salvamento da embarcação.
Em 29 de dezembro de 1967, deixou o porto de Laguna, SC. com destino ao Rio de Janeiro, uma rota regular do navio com uma carga, constituída de farinha de mandioca e madeira de pinho.
Segundo o que declararam no inquérito do Tribunal Marítimo o comandante, Amaro Martins Lima e seu imediato, ” durante a viagem a visibilidade era quase zero, a velocidade foi reduzida e a vigilância foi aumentada”.
As providências não surtiram efeito e na noite do dia 31 de dezembro de 1967 o N.M. Irmãos Gomes colidiu com pedras submersas existentes na parte sul da ilha Queimada Grande no litoral de São Paulo. O navio imediatamente abriu água e submergiu rapidamente, perdendo-se a embarcação e toda a carga.
O Tribunal Marítimo entendeu que: ” Naufrágio, com perda total do navio e da carga, em consequência de colisão com pedras na Ilha Queimada Grande por falta de precauções adequadas durante a navegação com cerração e que deveria haver a condenação”.
O Irmãos Gomes permaneceu no esquecimento, embora alguns mergulhadores de São Paulo tivessem informações dos destroços, mas sem nenhuma identificação. A partir dos dados históricos e outras informações a Instrutora Tatiana Mello com uma equipe de mergulhadores localizou os destroços e conseguiu fechar a identificação do naufrágio em 12 de julho de 2025.
Além das medidas do naufrágio e das máquinas corresponderem, o enorme rombo na proa da embarcação é o testemunho do violento choque e tragédia do Irmãos Gomes.


A proa do Irmãos Gomes – Detalhe do rombo na proa provocado pelo choque – Convés no bico de proa


Descrição

O naufrágio repousa a 31 metros de profundidade, num fundo de areia, sem pedras próximas. Está na posição de navegação, com a proa voltada para a Ilha da Queimada Grande, a 130º.
A proa está bem preservada, sobe até 25 metros. Há um enorme rombo no bico proa junto a quilha, indicando a colisão com as pedras do parcel ao sul da Ilha. Os escovéns estão em sua posição original, ainda com os cabos no paiol de amarras, e a âncora tipo Hall passada no escovém de boreste. O grande guincho da âncora está caído na areia de ponta cabeça, logo atrás do bico de proa.
A meia nau, o casco está bastante danificado, e há pouca estrutura do costado em pé. É possível ver várias vigas de sustentação, e cavernames nas laterais do naufrágio. São encontrados ainda 2 guinchos de carga.
Quase centralizado no casco, um pouco mais para popa, está o motor diesel de 8 cilindros. Ao lado do motor, ainda é possível ver um mastro quebrado ao meio.
Para fora do casco, na direção do motor, há parte da carga de madeira de pinho, espalhada na areia e parcialmente enterrada.

 

Chegando na popa, o casco está melhor preservado, com várias chapas rebitadas ainda fixadas, vigas de sustentação, um turco e o cavername preservado.
Abaixo do cavername do convés da popa, há uma caixa, possivelmente de água e um grande cilindro.
A popa ainda está bem preservada e sobe até 26 metros. Na parte mais rasa temos o volante do leme, um vaso sanitário a boreste, e um cabeço de amarração a frente. Também ainda é possível ver o leme com um pedaço quebrado e virado todo à bombordo, o arco do hélice e parcialmente enterrada o hélice, com apenas uma pá visível, e com muitos apetrechos de rede de pesca enroscados.
Ao redor de todo o casco do navio, são encontradas muitas chapas rebitadas caídas e algumas enterradas. Em várias peças e regiões do navio são encontradas redes de pesca, o que exige maior atenção e cuidados extras por parte dos mergulhadores.


Na proa do navio, o guincho caído – Guincho de carga a meia nau – Guincho da âncora com vista para a proa

A localização do vapor Irmãos Gomes

Marco Aurelio Bafi, Octavio Pileggi, Iara Abe, Erik Dutra Borburema, Felipe Mayer, Rafael Parada, Carla Yonekura, Raul Ramos, Tatiana Mello, Clayton Aloise, Viviane Riveli, Vitor de Mendonça Cinosi

Em 2018 durante a identificação do Araponga, soube de outro naufrágio que havia sido localizado próximo a Ilha da Queimada Grande.
No dia 12.07.2025, organizamos uma saída para a Queimada Grande para revisitar o Araponga, Tocantins e o Rio Negro. As previsões eram perfeitas e foi então pensei: “eis uma ótima oportunidade de tentar localizar e identificar o tal naufrágio”.
Compartilhei essa intenção com o Maurício Carvalho e começamos a pesquisa dos navios da área não localizados. Organizei as informações, salvei no celular e sugeri a equipe todos de confiança, habilitados e capacitados a uma busca. Mesmo com o risco de abrir mão dos mergulhos, todos toparam imediatamente! Mergulhadores que além de estarem prontos para o perfil do mergulho, compreendem e entendem o que estão vendo no fundo, sabem identificar peças e assim, fundamentais para ajudar na possível identificação do naufrágio.
No dia dos mergulhos, expus nossa intenção para o Bafi, responsável pela operação, e a resposta foi: “Vocês que mandam! Bora procurar esse navio!
Saímos de Peruíbe com a operadora Novos Mares numa gelada madrugada de cerração mas com mar liso e águas claras e partimos rumo a Ilha.
A ansiedade era grande, marcamos a rota para passar sobre o ponto fornecido pelo Maurício extraído do SINAU e checar com a sonda.” E bingo! Lá estava uma anomalia no fundo. Boias para a água! e eu e Felipe Mayer descemos para conferir. Logo que chegamos ao fundo, vimos que a poita estava na areia, nenhum sinal de naufrágio…… Um instante apenas de frustração, até um enorme cardume passar por nós. Nadamos na mesma direção e poucos metros à frente, surge a sombra da proa do navio!
A euforia tomou conta! Repassamos o planejamento e partimos para a pesquisa de um naufrágio inédito para todos nós. A missão era reunir provas, medidas, imagens e observar peças, para uma possível identificação do navio.
No intervalo de superfície, conferidas as imagens, medidas e peças, com a pesquisa e pudemos ter a certeza que o naufrágio era o Navio Irmãos Gomes! Foi muito gratificante para todos da equipe. E ainda duas baleias jubartes se aproximaram do barco, saltando, batendo as nadadeiras, e deixando tudo ainda mais especial!
Partimos então para o segundo mergulho, já sabendo quem estava no fundo, o que havia acontecido e quando ele havia naufragado. A missão agora era produzir mais imagens e tentar localizar mais provas.
Além da experiência incrível de pesquisar e identificar o naufrágio, fomos contemplados com muita vida! Com certeza o mergulho ficará gravado para sempre na memória de toda a equipe!
Agradeço imensamente aos amigos que toparam arriscar algo novo e empenho correndo atrás de cabos, boias e até chocolate quente; sempre pensando na segurança dentro e fora d’água e no bem-estar de todos!
Um agradecimento especial a toda equipe da operadora Novos Mares por confiarem no nosso trabalho, e sempre “comprarem nossas ideias”, acreditando nas pesquisas. Sem todos vocês nada disso seria possível! Agora temos um novo ponto de mergulho, e mais um capítulo da história revelado.

Confirmação da identidade do Irmãos Gomes

A confirmação dos destroços como sendo o navio Irmãos Gomes contou com uma série de evidências bastante sólidas.

1. A posição dos destroços é compatível com a rota e ponto de choque, descrita no histórico do acidente;
2. A configuração no fundo é de um pequeno cargueiro, compatíveis com o navio Irmãos Gomes;
3. As medidas de comprimento e boca do navio foram confirmadas pelas medições realizadas pela equipe e correspondem fielmente ao navio;
4. O grande rombo junto a quilha no bico de proa dos destroços ratificam o choque que provocou o alagamento e naufrágio do Irmãos Gomes;
5. O tipo de motorização encontrada (motor diesel) corresponde ao motor instalado durante uma das reformas da embarcação, que inicialmente possuía propulsão por vapor;
6. A carga de madeira declarada no manifesto do Irmãos Gomes pode ser visualizada no fundo, tanto no interior da embarcação quanto ao seu redor.

Essas evidências, não nos deixam dúvidas de que se trata do Irmãos Gomes naufragado em 31 .12.1967.


Motor diesel – Cabeços de amarração


Volante do leme sobre o convés de popa – Arco do hélice – Leme parcialmente destruído – Leme parcialmente destruído


Equipe focada na busca e levantamento dos destroços

Naufrágios, uma paixão contagiosa!

Mais uma vez quero agradecer a todos os envolvidos na pesquisa, busca e registro do Irmãos Gomes.
Ao Maurício Carvalho que forneceu a base de informações da posição e dados históricos, a toda a equipe que confiou e se empenhou no trabalho de pesquisa e busca do naufrágio e ao
Staff da operadora Novos Mares de Peruíbe, SP., que mergulhou de cabeça no projeto de localização de mais um dos naufrágio do Brasil.
As pesquisas continuam…

 

A ilha Queimada Grande e seus quatro naufrágios Rio Negro, Tocantins, Araponga, e Irmão Gomes, onde existem mergulhos regulares, podem ser atingida a partir do litoral sul de São Paulo, principalmente Santos. Mas o ponto mais próximo é Peruíbe, onde atua a operadora NOVOSMARES. Os mergulhos são feitos a partir de um grande inflável FLEXBOAT SR 760 D, com dois motores de 200 HP, que permitem, com mar calmo, atingir a ilha em uma hora de navegação. A operação é excelente, a embarcação acomoda até 10 mergulhadores e o barco possui banheiro, garrafeiros e uma escada muito bem planejada.
Em dois dias pudemos mergulhar no Rio Negro, Tocantins e no Araponga, um mergulho mais complexo pois encontra-se a mais de 30 metros, mas que a operadora está disponibilizando para mergulhadores com maior nível de treinamento.
Obrigado a grande amiga e mergulhadora de naufrágios (a melhor) Tatiana Mello a operadora Novos mares (Maurício Mendes), que juntos organizaram e possibilitaram a operação com o maior sucesso.

 

 Tatiana Mello
Novos Mares – https://novosmares.com.br – WhatsApp: 11 98187-9935

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