Sumário
“O Titanic do Brasil ?”
Muitos dizem que o Titanic brasileiro é o Principe de Asturias, afundado na Ponta da Pirabura no litoral de São Paulo, mas acompanhem a história do Principessa Mafalda
“A cidade ao acordar ontém foi dolorosamente surpreendida com a notícia de que havia naufragado em decorrência de um horrível acidente em suas caldeiras o belo paquete Italiano Princesa Mafalda, da poderosa frota da companhia Navegazione Generale Italiana… A muitos anos não se registrava em águas brasileiras desgraça tão considerável e que tão grande consternação produzisse no seio da nossa sociedade…
Jornal O Paiz 12.01.1920
Histórico
Em outubro de 1908, o estaleiro da Societa Eserazio Bacini na Itália lançava ao mar, para a empresa Lloyd Italiana Società di Navigazione, um de seus mais luxuosos paquetes o Principessa Mafalda. O navio recebeu o nome da filha do rei Vittorio Emanuele III da Itália. Sua viagem inaugural foi em 30 de março de 1909 entre Gênova e Buenos Aires.
Em 1881 era fundada a Companhia Navegazione Generale Italiana, que ao incorporar o Lloyde passou a proprietária do vapor.
O Principessa Mafalda era um navio de linha ou transatlântico com 160 metros de comprimento, 18,3 metros de boca, 9.120 toneladas brutas e mais de 12.000 toneladas de deslocamento. Era dividido em 10 compartimentos estanques e estruturado com fundo duplo.
Sua propulsão era produzida por máquinas a vapor quadruple expansion engine, alimentadas por 5 caldeiras. Estava equipado com os mais modernos meios navais da época, sendo um dos primeiros navios a contar com radio-telégrafo a bordo.
As acomodações eram luxuosas com peças de bronze e obras de arte. Possuía 158 camarotes de primeira classe, 835 camarotes de segunda classe e classe intermediária e 715 camarotes de terceira classe e dormitórios.
(L)
(L) Principessa Mafalda
(L) Salões luxuosos serviam a 1ª classe
(L) Diversas acomodações estavam disponíveis
(L) Camarote de 2ª classe
(L) Navigazione Generale Italiana
(F) Societa Italiane di Navigazione Generale (Genova)
Última viagem
No dia 03 de outubro de 1927 o Principessa Mafalda partia de Genova, na Itália, para a última das 90 viagens que já havia realizado da Itália até a Argentina. A Companhia Italiana anunciou que o navio seria transferido para a rota Genova-Alexandria. Nos meios navais das seguradoras e na imprensa era discutido se o navio, depois de 10 anos de serviço, estaria em boas condições.
Comandado pelo capitão Simone Guli, o navio deixou Barcelona com muitas horas de atraso, o primeiro de muitos problemas dessa viagem. Segundo testemunhos, foram embarcadas grandes peças do motor, entre elas uma grande biela. Após deixar o Mediterrâneo o navio parou diversas vezes em alto-mar, em uma delas por mais de 30 horas. No dia seguinte, problemas com as bombas fizeram o navio adernar de 7º a 10º. Além disso, houve mau funcionamento nos banheiros e refrigeração dos alimentos, com a situação pior na 3ª classe.
Em uma viagem que durava em torno de 15 dias, estavam previstas ainda escalas no Rio de Janeiro, Santos e Montevidéu, antes da chegada a Buenos Aires, porém, o navio realizou escalas de emergência na Ilha de São Vicente, em Cabo Verde. A bordo estavam cerca de 1.281 pessoas, entre os 288 tripulantes e 993 passageiros, muitos dos quais eram imigrantes.
O navio passou alguns dias sem dar notícias, o que causou na imprensa brasileira e argentina uma série de boatos de que o navio poderia ter afundado, mas logo depois, ele foi avistado na altura de Fernando de Noronha e cumpriu suas escalas chegando a Buenos Aires.
Na sua viagem de retorno a Europa o Principessa Mafalda tinha a bordo 1350 pessoas, fez escala em Santos e seguia em boa marcha a 18 nós, sua velocidade máxima. No dia 25 de outubro de 1927, no través de Porto Seguro e ao largo dos Abrolhos o mar estava muito calmo e os passageiros, após o almoço, estavam recolhidos a suas cabines, para a siesta. Devido ao forte calor, muitas das vigias da segunda e terceira classes estavam abertas. Por volta das 16:20h, o navio foi sacodido por um violento abalo, os passageiros ouviram três grande estrondos e o navio parou.
(L) Capitão Simone Guli
(L)Convéses confortáveis
O Naufrágio
Duas são as versões sobre o naufrágio: na primeira, “o tubo do eixo do hélice de bombordo rompeu, abrindo um orifício no casco, por onde a casa de máquinas foi inundada.”
Na segunda, por volta das 16:20 h, segundo um dos tripulante “uma das pás do hélice de bombordo partiu-se provocando o empeno do eixo e o choque do hélice com o casco, o que causou um rasgo por onde imediatamente começou a entrar grande quantidade de água nos compartimentos da popa e a partir daí, o navio não mais se movia.”
A grande entrada de água obrigou o abafamento das caldeiras para evitar uma explosão, o que parou imediatamente o seguimento do navio. A partir desse momento os relatos são confusos. Algumas versões alegaram que houve tranquilidade a bordo, no entanto vários passageiros relataram, confusão, pânico e até tiros e roubo. É possível que os dois fatos tenham ocorrido, já que o navio era muito grande, dividido em setores, e afundou pela popa, o que deve ter tornado a saída dessa parte do navio mais dramática.
Os relatos permitem tirar algumas conclusões. Após a parada do navio, o alarme foi dado rapidamente, enquanto o navio afundava lentamente pela popa. Logo o comandante Guli e os oficiais tranquilizaram os passageiros, explicando que se tratava de uma avaria no eixo do hélice e que somente haveria um atraso na viagem.
(L) (L) Em vermelho a região do casco rompida pelo hélice
O informe deve ter mantido os passageiros calmos por algum tempo, alguns testemunhos indicam que as atividades de entretenimento a bordo continuaram. Mas enquanto isso, os tripulantes trabalhavam freneticamente para resolver o problema e conter o mar, “que reclamava agora, como seu, o navio, compartimento a compartimento.”
No entanto, com o aumento do volume de água que entrava pela popa o navio começou a adernar e foi emitido um pedido de socorro. O S.O.S. foi captado às 19:15 h pela estação do radio-telégrafo de Amaralina, em Salvador. O Principessa Mafalda estava afundando, posição 16º 58′ sul e 037º 51′ oeste , ao largo do arquipélago dos Abrolhos e a 75 milhas da costa de Porto Seguro, BA. Atendendo ao S.O.S. seguiram imediatamente para local os navios Rossetti, Formosa, Alhena, Empire Star, Avelona, Mosella, Salem, Forthmouth, Frederik e o Piauhy.
Enquanto reinava a calma nos decks superiores, nos compartimentos da popa, os tripulantes lutavam para parar a água que penetrava compartimento por compartimento do navio. Quando o comandante percebeu a piora da situação foi dada a ordem de baixar os botes salva-vidas com mulheres e crianças. A partir desse ponto, pelo que as narrativas indicam, ocorreu pânico entre os passageiros.
Em uma das versões para os últimos momentos do navio; os passageiros da 3ª classe foram confinados aos decks inferiores por portas trancadas. Os oficiais italianos não portavam armas, ao contrário de muitos passageiros da 1ª e 2ª classe, com isso, não houve como controlar o pânico, o que justificaria os tiros ouvidos. Certo é que vários suicídios foram testemunhados nos últimos minutos em que flutuava o Principessa Mafalda.
O Mafalda afundava cada vez mais rápido, adernando de bombordo, a água sobe violentamente, o pânico se instala e todos procuram fugir. É decretado que “o navio está afundando”. Não há tempo de distribuir todos os salva-vidas. Algumas baleeiras afundaram com o excesso de pessoas tentando se salvar e os lugares a bordo eram disputados na força. Muitos se atiraram na água, afogando-se.
(L) O Principessa Mafalda começa a lançar botes ao mar
(L) Afundando de popa
Diversos navios que chegaram ao local do sinistro resgataram náufragos que flutuavam e se debatiam na água. Alguns sobreviventes afirmaram que vários passageiros foram atacados por tubarões.
Cerca de 300 pessoas permaneceram no navio até os últimos minutos e garantiram que houveram duas explosões vindas dos decks inferiores que deixaram o navio no escuro. Uma grande nuvem de fumaça negra subiu do interior do Mafalda. Nesse clima de pânico, registraram-se saques a bens dos passageiros e roubos de joias e dinheiro.
Às 21:14 h, o navio frigorífico Empire Star e o vapor Mosella, dois dos primeiros a chegar para prestar socorro entre outros salvadores, visualizaram pela luz das estrelas o momento em que o Principessa Mafalda deixa para sempre a superfície. A bordo ainda estavam o radiotelegrafista e seu comandante Simone Guli, que permaneceu na ponte de comando, com um megafone, comandando a evacuação até que o navio se inclinou e ele não mais foi visto.
Os navios que atenderam ao S.O.S. chegando ao local encontraram os escaleres cheios e muitos corpos boiavam entre os destroços. Tripulantes e muitos passageiros trabalharam durante toda a noite, remando botes a procura de sobreviventes e para recuperar os corpos das pobres vítimas.
(L) Diversas posições foram anunciadas para o
Principessa Mafalda, as três mais confiáveis são:
Posição 1: 16º 58′ sul e 037º 51′ oeste
Posição 2: 16º 45′ sul e 037º 41′ oeste
Posição 3: 17º 45′ sul e 038º 11′ oeste
(L)
O telégrafo
O drama das transmissões de telégrafo entre o Princesa Mafalda e os navios que atenderam ao seu desesperado chamado a partir do primeiro pedido de S.O.S.
Entre os navios estavam o Formosa, Empire Star, Alhena, Mosella e Avelona. O tempo é contado pela hora internacional.
(As transmissões constam no relatório do radiotelegrafista do Formosa Sr. Emilio Andonard)
(tabela do telégrafo ver como importar
O socorro e ecos do naufrágio
O Paquete Empire Star recolheu 146 náufragos, o Formosa 111, o Athenas 331, o Mossela 55, o Alhena 331, o Avelona 217 e o Rosetti 85. Diversos náufragos faleceram, devido aos ferimentos, dentro dos navios que os retiraram da água outros foram transferidos entre os navios de rersgate.
Muitos dos números de náufragos resgatados confrontados com o número de passageiros, assim como, as diversas posições para o naufrágio apresentam incongruências. Elas se devem a dramaticidade dos fatos e precariedade dos meios de comunicação da época. Mas foram mantidas como divulgadas nos jornais e documentos do período.
Ao comandante Andrade Doshword foram fornecidas as coordenadas exatas do local na seguinte situação Latitude: 16º 45′ sul e Longitude: 37º 41′ oeste Greenwich a 80 milhas NW do arquipélago dos Abrolhos e a 75 milhas da costa Baiana (Porto Seguro) e a 500 milhas do Rio de Janeiro.
O ministro da Marinha mandou seguir imediatamente o cruzador Rio Grande do Sul, que partiu às 9:00 h do porto do Rio de Janeiro, desenvolvendo o máximo de sua velocidade para cumprir as 500 milhas até a região dos Abrolhos, onde deveria prestar todo auxílio a seu alcance aos náufragos da grande nave mercante italiana. Quando o navio chegou a região não encontrou mais nada do Principessa Mafalda a não ser alguns destroços e utensílios de bordo que flutuavam.
(L) (L) A tragédia foi manchete em jornais de todo o mundo
e principalmente no Brasil e na Itália
O vapor levou mais de 4 horas para afundar, no momento do afundamento ainda estavam abordo 80 mulheres e crianças e cerca de 200 homens. Muitos dos sobreviventes que permaneceram dentro do navio até os últimos minutos relataram que houve duas explosões vindas dos decks inferiores, provavelmente provenientes das caldeiras que não foram abafadas.
Pelos registros oficiais o naufrágio sepultou 46 tripulantes, ente eles o Capitão Guli e 226 passageiros, muitos dos quais devido ao pânico a bordo, já que as condições de tempo e mar eram boas. Houveram relatos de passageiros que foram atacados por tubarões.
O acidente da hélice, afirma-se, não ocorreu no dia 25, mas sim no dia 24. Realmente o commandante do Formose diz em seu diário, que recebeu o primeiro chamado de socorro as 15:30 h de 25. Mas segundo outros depoimentos, a ruptura do eixo da hélice esquerda, somente se deu às 16:55 h, diferença muito grande de hora para se um mero engano.
Muitos passageiros asseguraram que desde a véspera do sinistro o vapor navegava adernado para a esquerda.
No dia 24, às 13 h, houve apitos de sirene e outros indícios de alarma, explicados como exercícios de incêndio. No dia 25, durante o dia, esses sinais se repetiram.
O navio estava segurado em 80.000 Libras esterlinas.
Como tantos outros naufrágios o mistério desses fatos trágicos está protegido pela véu do oceano.
A dramática narração de um dos passageiros do Mossela
“O Mosella comandado pelo capitão Privat, o mais audacioso de todos chega as 21:14 h. No momento em que soçobra o Principessa Mafalda, com o radio-telegrafista e seu comandante ainda a bordo.
Que espetáculo doloroso, na escuridão mal dissipada pelas luzes dos navios de socorro, as ondas fortes atiravam cadáveres contra o costado do Mosella numa visão de pesadelo.
Dezenas e dezenas de corpos iam e vinham no dorso das ondas.
Todos os passageiros sem distinção de classe e tripulantes, do comandante ao último marinheiro do paquete francês Mosella trabalhavam com admirável coragem para socorrer e salvar os náufragos. Durante toda a noite arriscaram, as vezes, a própria vida como que tomados por loucura !
No momento da sua chegada o Mosella desferrou e arriou todos os seus botes ao mesmo tempo, todos passageiros e tripulantes remavam o mais que podiam prescutando um largo círculo procurando pelos vivos. Os mortos eram muitos, bailando nas ondas. Mas a estes, infelizmente, nenhum socorro era possível!
De vez em quando pescavam um náufrago que se apoiava em um salva vidas ou numa simples tábua, ora pelas roupas, ora pelos braços, ora pelas cabeças.
Alguns se agarravam desesperadamente nos botes que tentavam salvá-los, ameaçando-os de virar e recebiam imediatamente vigorosas remadas dos salvadores!
Finalmente, depois de tanto esforço e trabalho salvaram-se muitas vidas!”
(LLL) Os náufragos, que perdiam todos os pertences, eram socorridos pela companhia de navegação ou por uma instituição assistencial conhecida como Casa de náufragos
Os náufragos foram recebidos com grande atenção pelas autoridades e jornais do Rio de Janeiro, onde a maioria foi desembarcada, embora dois navios tenham levado algumas vítimas para Salvador e Recife. Diversos náufragos seguiram viagem para Buenos Aires em vapores de outras companhias, apesar de terem perdido todos os pertences.
O vapor Dunca de Liabrolli, da mesma companhia, partiu de Buenos Aires para conduzir alguns dos náufragos de volta a Europa, os tripulantes foram repatriados pelo Conte Verde. O naufrágio do Principessa Mafalda passou ao noticiário nacional como uma das maiores catástrofes navais do nosso litoral.
Pesquisa
No Jornal Folha da Manhã, 13.11.1927, Ecos do Naufrágio do Mafalda lê-se:
Destroços colhidos pelo Elias Oulucumdis
Rio 12, A estação radio de Amaralina comunicou ao diretor geral dos telégrafos que as 3:10 h de hoje, o vapor Elias Oulucumdis, na Latitude 18º 19´ S. e Longitude 58º 58´W. G a trinta pés do local do naufrágio do Princesa Mafalda, fez descer botes salva vidas afim de apanhar cintas e destroços do vapor sinistrado.
Já no jornal francês La Prensa de 11.12.1927, existe um reporte do capitão do navio Saint Anthony que visualizou em 3 de Novembro de 1927 na posição de Latitude 17º 45′ Sul e Longitude 38º 11′ Oeste parte da ponte de comando (uma seção grande com cerca 15 metros por 7,5 metros) do Principessa Mafalda. Como a água estava muito clara, ele pode ver a maior parte do navio a cerca de 40 metros (18 a 20 fathons), o que significa que se o navio esta de lado em águas com profundidade em torno de 75 metros.
Quem se anima a encontra-lo?
Outras informações: Matéria Destino Naufrágios: Principessa Mafalda
Revista Mergulho, Ano XIII – Nº 155 – Junho/2009
Principessa Mafalda. Titanic italiano Capa dura – 17 junho 2010
Edição Italiano por Luciano Garibaldi (Autor), Giorgio Giorgerini (Autor), Maria Enrica Magnani Bosio (Autor), R. Garosci (Editor)