VAPOR DOS 48 ( JAGUARIBE)

Sumário

Identificação confirmada

Assim como outros naufrágios de Recife, não era conhecida a identidade deste naufrágio, que acabou batizado como Navio ou Vapor dos 48, caracterizado por sua profundidade.
Embora algumas pessoas atribuam nomes a esse naufrágio, não existia até agosto de 2024
provas conclusivas da identidade do Vapor dos 48.
Sua profundidade e distância do porto de Recife faziam com que fosse um dos naufrágios menos visitados da região.
Mas depois de quase 20 anos de pesquisa, conseguimos juntar as provas documentais com as provas de campo e realizar a identificação de mais esse naufrágio.

Pesquisa e evidências

– O vapor dos 48 encontra-se desprovido de partes estruturais importantes como os guinchos, correntes, âncoras, em qualquer ponto do navio. Também não foram encontrados vestígios das estruturas de reforço e sustentação dos mastros.

– Ainda com destaque, existe apenas uma roda de pás, a de boreste. A segunda foi claramente removida, visto que o eixo termina simetricamente com o casco de bombordo, mas existem os restos da antepara de proteção, o que indica que a roda existia. Sabemos que um vapor de rodas marítimo não pode navegar com roda em apenas um bordo (funcionamento das rodas de pás), pois isso, causaria uma oscilação catastrófica da embarcação.

– Praticamente não existe carvão, mesmo onde deveriam estar as carvoarias. As caldeiras estão totalmente livres se comparadas com as do Vapor Bahia, que naufragou durante uma viagem rotineira. Nessa profundidade e distância do litoral o carvão não seria recuperado.
Essas três primeiras evidências fazem concluir que o navio não navegava por conta própria e provavelmente se trataria de mais um navio de descarte, como foi o caso do Pirapama anos depois. Assim, a desconfiança caiu sobre um dos navios da Cia Pernambucana de Navegação Costeira a Vapor (CPNCV).

– A Cia Pernambucana, possuiu ao longo de sua existência, apenas um navio com máquinas diagonais como as que equipam o Vapor dos 48, o Jaguaribe, os demais, entre eles o Jaboatão, Mamanguape, Conde D’eu apresentavam máquinas e/ou medidas diferentes, ou havia o registro de seus destinos finais, após o período de utilização.

– Finalmente, depois de mais de 20 anos de buscas, encontramos no Jornal do Recife a seguinte notícia ” …Boa medida, começou anteontem a remoção dos cascos de navios velhos que se achavam na Coroa dos Passarinhos, local destinada a grande bacia de ancoradouro interno do nosso porto. Principiou a remoção pelo casco do vapor Jaguaribe que foi posto à pique em alto mar, há muito que se devia ter feito esse serviço como muitas vezes lembramos ….”

    
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Máquinas a vapor Diagonal Act Direct Engine,  só o Jaguaribe as possuía na Companhia Pernambucana

Pesquisas e evidências

6ª – Depois de cruzar dados e teorias com a Tatiana Mello, amiga e parceira de pesquisa, só faltava comparar as características técnicas das máquinas do Jaquaribe (Lloyds Register) com os destroços no fundo. Para isso, entrei em contato com a equipe da Aquáticos de Recife que comprou a “briga”.
“Nos dias 08.12.2024 e 04.01.2025, mergulharam o Higor e o Gaba nos destroços, sem saber da possível identidade do navio e das medidas registradas na documentação (Teste duplo cego) e realizaram as medidas no local, principalmente dos cilindros diagonais das máquinas a vapor.
Todas as características eram compatíveis. Bingo ! estava desfeito mais um mistério. O vapor dos 48 agora tinha nome. Jaguaribe, bem-vindo a história do mergulho brasileiro.

As feras de Recife, Gabriel Katter (Gaba) e Higor Funari que confirmaram as medidas no Vapor dos 48

7ª – Foi realizado um grande levantamento comparativo sobre os navios da Companhia Pernambucana de Navegação Costeira a Vapor do período, identificando seus destinos e as características de cada embarcação para eliminar outras possibilidades (segue um resumo abaixo).

 

– Persinunga: naufragou / desmanchado e leiloado.                  – Mamanguape: naufragou / desmontado no porto.
– Potengi: naufragou em Maragogi.                                               – Parayba: medidas não compatíveis.
– Pirapama: Afundado em 1895 – Recife.                                     – Coruripe: máquinas não compatíveis.
– Igarassú: naufragou em Macau, leiloado e desmontado.        – Giquiá: máquinas não compatíveis.
– Mundahú: máquinas não compatíveis.                                       – Cururipe: máquinas não compatíveis.
– Ipojuca: máquinas não compatíveis.                                           – Mossoró: em 1877 já não navegava. 
– Una: naufragou na barra de natal.                                                – São Francisco: medidas não compatíveis.
– 5 de Abril: medidas não compatíveis.                                         – Marques de Olinda: naufragou em Goyania, casco de madeira.
– Jaboatão: máquinas compostas (3 cilindros) e hélice.            – Beberibe: máquinas compostas (3 cilindros) e hélice.
– Capibaribe: máquinas compostas (3 cilindros) e hélice.         – Conde D Eu: desmontado no interior do porto.

 Dados técnicos do Jaguaribe no Lloyd’s Register, indicando as medidas da embarcação.
Jaguaribe – 56,6 metros de comprimento e 7,3 metros de boca.
Medidas feitas no Vapor dos 48 (*) – 60,8 metros de comprimento e 7,65 metros de boca.

* Sujeitas a pequena variações pelo estado de desmanche do navio e imprecisão das medidas


Registro do estaleiro indicando os cilindros diagonais e suas medidas (**)

** Medidas foram realizadas no exterior pois os cilindros encontra-se fechados.
A medida dos cilindros (Bore) consiste no diâmetro interno, onde encaixava-se o pistão.

 

Histórico

Navio semelhante ao Jaguaribe, mas o vapor brasileiro provavelmente só tinha uma chaminé

Construído em Glasgow na Escócia em 1860, pelo estaleiro John Reid & Co, Port, foi lançado ao mar em 14 de setembro de 1860 para a Companhia Pernambucana de Navegação Costeira a Vapor. Possuía originalmente 399 toneladas e apresentava 56,7 metros de comprimento e 7,3 metros de boca. Suas máquinas eram compostas dois cilindros com 130 nhp.
Foi diversas vezes, devido a seu pequeno calado, fretado ao governo para transporte de tropas até Porto Alegre, durante a guerra do Paraguai (1864 a 1870).
Em janeiro de 1873 a 1974, devido ao mal estado da embarcação, principalmente o casco que apresentava muitos vazamentos, o Jaguaribe retornou a Glasgow, refazendo o rebitamento do casco, substituindo as caldeiras, recebendo máquinas novas, com 2 cilindros diagonais (David Rowan & Co Ltd, marine engine builders) que forneciam 120 nhp. Os registros de jornais brasileiros também indicam que sua capacidade aumentou para 459 toneladas.
Durante todo o período de 1880 a 1890 o vapor fazia regularmente a rota para o presídio de Fernando de Noronha, mas apresentava mal estado. Em março de 1881, o Jornal Diário de Pernambuco anunciava que o Jaguaribe só poderia navegar com suas caldeiras por mais quatro meses. No início de 1891 existe o registro que ele já não mais navegava e em março é anunciada sua venda no Jornal Diário de Pernambuco.

Dados básicos

Nome do navio: Jaguaribe
Data de afundamento: 11.04.1892

Dados de localização

Local: Recife
UF: PE
País: Brasil
Posição: A cerca de 14,5 milhas do porto de Recife
Latitude: 08° 08. 303′ sul
Longitude: 034° 36. 079′ oeste
Profundidade mínima: 43 metros
Profundidade máxima: 48 metros
Condições atuais: desmantelado

Dados técnicos

Nacionalidade: brasileira
Ano de fabricação: 1860
Estaleiro: John Reid & Co, Port Glasgow, Escócia
Armador: Cia Pernambucana de Navegação Costeira a Vapor
Deslocamento: 459 toneladas
Comprimento: 56,7 metros
Boca: 2,7 metros
Tipo de embarcação: vapor de rodas
Material do casco: ferro
Carga: vazio
Propulsão: vvapor
Motivo do afundamento: descarte de navio fora de uso

O Naufrágio

As máquinas com dois cilindros diagonais estão em perfeita forma e são únicas entre os naufrágios do Brasil. Sua visão vale cada minuto do mergulho

A partir de 1890 a capitania dos portos pressionava a Companhia Pernambucana de Navegação a vapor a remover vários vapores velhos, encalhados e atrapalhando o porto. Nesse período o Pirapama já servia como pontão de estoque de carvão.
Finalmente em 13.04.1892 o Jornal de Recife anunciava “Boa medida começou anteontem a remoção dos cascos de navios velhos que se achavam na Coroa dos Passarinhos, local destinada a grande bacia de ancoradouro interno do nosso porto, principiou a remoção pelo casco do vapor Jaguaribe que foi posto à pique em alto mar. Há muito que se devia ter feito esse serviço com muitas vezes lembramos ….”

O Jaguaribe saia das notícias e se preparava para tornar-se um dos grandes pontos de mergulho do litoral brasileiro, conhecido durante muito empo como Vapor do 48.

 

 

Observação da pesquisa
Existe no Jornal de Recife de 28 de janeiro de 1906 a notícia da viagem de outro vapor Jaguaribe, o da Companhia de Comércio e Navegação (CCN) do Rio de Janeiro, o que causou certa confusão.
O Jaguaribe da (CCN) chegou até a encalhar na praia de Jaraguá em Alagoas, mas conseguiu safar mesmo com arrombamento do porão e continuou navegando, pelo menos, até maio de 1917. Em alguns sites do exterior, que trabalham com informações fornecidas pela rede, a história desses dois navios de mesmo nome estão misturadas.

 
Toda a proa do navio está praticamente vazia
Caldeiras e o condensador do Vapor dos 48, praticamente sem carvão em volta
Caldeira do vapor Bahia, parcialmente soterrada pelo carvão


Ponto de inserção da roda de bombordo sem ruptura, que parece ter sido retirada
A única roda, a boreste e o eixo excêntrico de transmissão. Configuração anormal para um navio que navegasse
As duas rodas do Vapor de Baixo. Configuração clássica de um vapor de rodas quando naufraga durante a navegação

 
 Casco e cabeça de tartaruga, talvez vitimada por uma das muitas redes
Um grande mero abrigado sob a rodas de propulsão

Descrição

Este vapor de rodas encontra-se apoiado corretamente no fundo, porém a maioria do costado já despencou, mostrando apenas a silhueta do navio, com a clássica configuração da canoa do naufrágio.
A proa possui um longo bico formado pelo que sobrou do gurupés, a parte de cima do casco, ainda com os dois escovéns, caiu a boreste da proa. Pouco restou da estrutura da proa a meia nau, dando a parecer que o navio foi desequipado antes do naufrágio.
O casco de boreste cedeu e a parte superior dele caiu para fora do navio, cobrindo a parte inferior com a estrutura do convés. Por todo bordo de boreste, encontram-se as vigas que sustentavam o convés caídas para o interior da canoa do naufrágio. Seguindo-se em direção ao meio do navio restou muito pouco dos destroços.


O centro da embarcação é a parte mais interessante do navio. Lá está um conjunto de máquinas a vapor único no Brasil, trata-se de um Diagonal Direct Act Engine.
Todas as peças estão rigorosamente no local. Os dois cilindros com suas bielas, girabrequins e mecanismos de alívio de pressão. O eixo central está ligado ao conjunto, porém apenas a roda de boreste se encontra no local. Há bombordo o eixo acaba simetricamente com o bordo da embarcação parecendo nunca ter ali existido uma roda. Porém, parte da antepara de proteção da roda esta caída pelo lado de fora do costado de bombordo. Os cilindros de cerca de 1,5 metros de diâmetro são inclinados 45 graus com o eixo.
   
À frente das máquinas parte da chaminé caída para bombordo
Os dois cilindros diagonais provoca o movimento do eixo excêntrico no alto
O grande condensador totalmente aberto

Atrás dos cilindros, alinhado com o centro da embarcação, encontra-se de pé uma grande câmara de condensação e duas caldeiras, estando a de boreste cerca de 2 metros atrás da de bombordo.
A partir das caldeiras todo o costado está caído no nível da areia do fundo. Pouco antes da popa encontram-se dois grandes reservatórios moldados no formato do casco e tombados para boreste.
A popa também tombada para boreste mostra o grande leme virado e torcido para bombordo, aparentando ter o navio, durante o naufrágio, tocado o fundo com a popa. Nada sobrou das estruturas de casaria da popa e nem do volante do leme, apenas a cana do leme pode ser vista no local.

     
Parte do gurupés ainda projeta-se do que sobrou da proa
Os dois escovéns ainda presos ao que restou do casco
O leme está torcido para bombordo pode indicar o impacto da popa com o fundo

 
Na proa parte do casco ainda resiste formando a canoa
Na parte de popa todo o cavername está aberto no fundo
Na popa o casco não resistiu, talvez devido ao choque com o fundo

 

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