Destino: naufrágio

As Armadilhas do Nosso Litoral

O São Luiz é mais uma vítima da falta de cartografia da
costa brasileira no início do século passado.


 
Revista Mergulho, Ano XII - Nº 143 - Junho/2008
Texto: Maurício Carvalho
 
A primeira vez que tentei atingir o São Luiz foi quase catastrófica. Partimos um grupo de amigos em um pequeno barco de pescadores de Torres ao norte de Natal, Rio Grande do Norte. Quem nos guiava era um daqueles pescadores que dizem "saber tudo de mar". O mar agitado, com ondas e vento forte castigaram a navegação de mais de três horas.
Chegando ao local apontado pelo pescador, ele abriu o porão do barco e lá no fundo estava uma daquelas revelações que marcam a história de mergulho de qualquer um. O famoso narguilê, feito com mangueira de jardim, bujão e gás, como tanque volumétrico e ligado a um filtro feito de cano PVC preenchido com cordas e pasta de dente. Já havia ouvido falar do apetrecho, mais não estava preparado para ver o pescado lançar-se ao mar com ele e permanecer por mais de 1 hora a 30 metros procurando o naufrágio.
Para piorar, a longa espera fez um dos colegas decidir aliviar a bexiga no mar e acabou por soltar- se do barco. A desgraça estava feita! Em pouco tempo, tínhamos um colega derivando rapidamente para o horizonte e um pescador que se recusava a subir, mesmo puxado com energia pela mangueira.
Após dez minutos de luta, embarcamos o pescado e partimos em busca de nosso colega, que, a essa altura, não era nem mais visto no horizonte.
 
  
 
Boa parte da estrutura do São Luiz ainda pode ser vista por mergulhadores
 

FICHA TÉCNICA


DADOS TÉCNICOS
NOME DO NAVIO: São Luiz
DATA DO AFUNDAMENTO: 11.01.1911
LOCAL: Natal, RN.
POSIÇÃO: Risca do Zumbi Entre Pititinga e Rio do Fogo. 13,4 milhas da praia de Rio do Fogo.
LATITUDE: 05° 16.333' Sul
LONGITUDE: 035° 09.430' West
PROFUNDIDADE MÍNIMA: 18 metros
PROFUNDIDADE MÁXIMA: 27 metros
CONDIÇÕES ATUAIS: semi-inteiro.

DADOS TÉCNICOS
NACIOLNALIDADE: Brasileira
ESTALEIRO: D. & W. Henderson Ltd - Glasgow
ARMADOR: Companhia de Comércio e Navegação
COMPRIMENTO: 113,4 metros
BOCA: 12 metros
TIPO DE EMBARCAÇÃO: Cargueiro
MATERIAL DO CASCO: aço
PROPULSÃO: hélice
CARGA: 6.780 fardos de algodão e 4.000 toneladas de sal.
MOTIVO DO NAUFRÁGIO: Chocou-se com a Risca do Zumbi.


Não sabia se ficava de olho no mar ou nas articulações do pescador, que para mim iriam, entortar em breve pela gravidade da DD.
Após uma eternidade localizamos o colega, que completamente "aliviado" retornou ao barco.
E o naufrágio? nada... O pescador o "perdeu". Parecia um preço alto a pagar para atingir um dos naufrágios menos conhecido do Brasil.
Meu retorno ao São Luiz, foi muito diferente. A bordo do super confortável e seguro Enterprise, o São Luiz se mostrou um belo naufrágio. Assim como nós, foi pego por uma das armadilhas de nosso litoral.
O São Luiz era um importante navio da Companhia de Comércio e Navegação que fazia a ligação ente os portos do nordeste e sul do Brasil. A CCN foi uma da mais importantes companhias de transporte do Brasil. Proprietária de diversos navios de grande porte, a companhia fazia a linha entre portos do Nordeste e do Sul e Sudeste do Brasil, além de algumas linhas a portos da Europa e até a África.
Como outras empresas de navegação a vapor, a Companhia de Comércio e Navegação sofreu fortes perdas por navegar nas costas do Brasil sem levantamento cartográfico e cobertura de faróis adequada. Ao longo de sua existência a empresa perdeu o Guayba (Cabo Verde), Oswaldo Aranha, Paraná (França), Piratini (África), Tietê, Parayba e Tijuca (Inglaterra), além do São Luiz. Tantas perdas acabaram por fazer a companhia encerrar suas atividades sendo incorporada pelo Lloyde Brasileiro.
O São Luiz começou sua história no Brasil ao ser adquirido em 1906 da empresa inglesa Anchor Line's, onde era registrado como Núbia. Com 20 anos de serviço, era um dos maiores navios da frota com 1925 toneladas.
Segundo a Revista da Liga Marítima Brasileira, em janeiro de 1911 o São Luiz chocou-se com uma formação rochosa que se estende à cerca de 17 milhas ao largo do Rio Grande do Norte, conhecida como a Risca do Zumbi. Até meados do século XX, embora em alguns pontos cheguem muito próxima a superfície, esta região ainda era muito pouco mapeada.
 


Durante a madrugada do dia 11, enquanto o São Luiz navegava de Macau para Santos, com fardos de algodão e 4.000 toneladas de sal. Chocou-se com uma formação rasa entre Pititinga e Rio do Fogo. A água invadiu o porão e atingindo a carga de sal levou o navio rapidamente para o fundo.
A água atingiu a casa de máquinas e o capitão deu o navio como perdido. O Comandante e a tripulação de 43 homens deixaram rapidamente o vapor nos escaleres, chegando a Natal na tarde do dia 12.

 

 

O Mergulho
 

Muita vida marinha nas proximidades dos
escombros do velho cargueiro

Apoiado no fundo a 27 metros, os destroços estão alinhados ainda na estrutura do vapor, mas já avançado estado de desmanche.
A proa está adernada para bombordo e nela estão guinchos e âncoras. Na altura do primeiro porão o navio está torcido e quebrado. Parte do casco está emborcado, formando um túnel, que se estende até meia-nau.
No meio do navio estão as duas caldeiras e as máquinas a vapor do tipo Duble Expansion Engine, que na parte mais elevada atinge os 18 metros. Nos dois bordos partes do casco e cavername estão caídos junta a areia.
Das máquinas projeta-se o longo eixo, ainda apoiado nos mancais, que segue até a popa.
A popa também está adernada para bombordo e nela estão o volante do leme, hélice e leme.

 

 
As fortes correntes e mar agitado da região, revolvem o fundo e levantam muitas algas que flutuam em torno do navio. Além de uma grande variedade de peixes e esponjas alguns tubarões também utilizam os destroços como abrigo, tornando este naufrágio ainda mais belo.
 

Curso de Mergulho em Naufrágios

 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

Veja mais em: Naufrágio do São Luiz
 

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