Destino: naufrágio
Nadando nas três dimensões
de um Naufrágio


 
Revista Mergulho, Ano XV - Nº 188 - março/2012
Texto: Maurício Carvalho
 
Alguns naufrágios apresentam maior complexidade e exigem deslocamento em várias posições.
Se você deseja mergulhar adequadamente neste tipo de ambiente deverá dominar
bem as técnicas de penetração e mudar os padrões de natação
 
Os tristes acontecimentos de janeiro deste ano, com o navio italiano Costa Concordia, exibiram ao mundo imagens de mergulhadores de resgate passando por corredores e acessos estreitos, sem ligação com a superfície e no escuro. Para piorar, esses locais não estavam em sua posição natural já que o navio adernou, o que ainda dificulta mais a orientação entre os destroços.

Naufrágios inteiros e semi-inteiros são estruturas tridimensionais. Independente da posição que se estabilizaram no fundo, uma dos aspectos mais excitantes de sua exploração é que podemos nadar por locais e caminhos que antes do naufrágio não eram viáveis.
Infelizmente, por vezes a complexidade aumenta e o deslocamento não pode ser feito em equilíbrio horizontal como nos mergulhos normais, já que passagens estreitas podem estar orientadas de forma a obrigar uma mudança substancial dos padrões de natação.
Se você deseja mergulhar adequadamente neste tipo de ambiente deverá dominar bem as técnicas de penetração em naufrágio. Cabe ressaltar, que embora haja um teto, são técnicas diferentes do mergulho em cavernas, já que destroços são instáveis e que nenhuma penetração deve ser feita sem uma análise das condições da estrutura.
Neste artigo pretendemos apenas abordar os aspectos do posicionamento corporal e deslocamento. Ele não serve de conduta completa para uma penetração segura. Para completar o treinamento, procure seu instrutor ou escola de confiança, onde você poderá ser orientado nas etapas a cumprir para sua total segurança.

 

Deslocando na horizontal
Na maior parte do tempo de um mergulho em naufrágios, a posição tradicional, com o corpo na horizontal é mantida. Com a evolução do ensino de mergulho no Brasil os instrutores cada vez mais preocupam-se em passar a seus alunos uma organização de equipamentos e balanço entre colete, roupa e lastro, que garanta um posicionamento correto, o chamado TRIM.
Esse equilíbrio garante pouca resistência da água facilitando o deslocamento e mantém o movimento das nadadeiras longe do fundo, o que protege a fauna bentônica e evita a suspensão de sedimento.
Além disso, equipamentos e acessórios como: octopus, lanternas e máquinas fotográficas, devem estar presos junto ao corpo assim não arrastam ou se prendem nos destroços.

A natação poderá utilizar três técnicas básicas de batida de pernas, conhecê-las, permite alternar os grupos musculares trabalhados, evitando fadiga além de permitir ajustar o movimento para evitar a suspensão de partículas sedimentadas, muito comum nos naufrágios devido a decomposição do material ferrosos e sedimentos marinhos:

 

 

Batida de pernas clássica: esta técnica mantendo o TRIM horizontal, as coxas e pernas são mantidas quase alinhadas, com os joelhos levemente flexionados, os movimentos da coxa são amplos e a força é executada principalmente no ciclo de descida. Utilizada normalmente fora dos destroços e afastada do fundo, quando é preciso velocidade ou força para enfrentar a corrente.

Batida de meio ciclo: nesta técnica de movimento, os joelhos estão bem flexionados e o deslocamento é feito com movimentos curtos das pernas que vão de 90º a 45º.
Essa natação deve ser utilizada quando passagens internas são mais estreitas do que baixas, pois ela afasta as nadadeiras do fundo e das paredes, evitando que a turbulência agite o sedimento que turva a água.
Os movimentos podem desprender partículas do teto, mas isso já ocorreria devido às bolhas.

 

Obs: figura omitina no artigo publicado
  Batida de Sapo: nesta técnica, as coxas permanecem quase paradas e o impulso é produzido no movimento de fechamento das pernas, que é curto, porém rápido e forte. A técnica é recomendada quando a passagem é mais larga do que baixa. Em naufrágios é muito comum encontrar material depositado também nas paredes e o movimento da pernada de sapo produz uma turbulência circular de água, que acaba por agitar essas partículas.
 

Deslocamento vertical
Na maioria dos naufrágios, o acesso aos porões é feito pela escotilha principal, que pelo grande tamanho não exige nenhuma manobra especial. Mas em diversos destroços só existem acessos por entradas secundárias, o que obriga mergulhadores a passar de uma posição horizontal para a vertical.
Neste caso dois procedimentos de deslocamento podem ser adotados. Entrar primeiro com a cabeça, o que obriga a permanecer de cabeça para baixo ou descer em pé. Vamos analisar os cuidados em cada caso.

Cabeça para cima
Parado sobre a abertura o mergulhador terá de esvaziar o colete, o que fará com que ao chegar dentro dos destroços esteja negativo e consequentemente com o risco de chocar-se com o fundo, adeus visibilidade!
Outra possibilidade é: já equilibrado, utilizar as mãos para produzir um movimento suave para baixo; o que embora não tenha nada de mais, é considerado um sacrilégio por alguns "divechatos". Gosto sempre de lembrar que, leões marinhos e focas utilizam as nadadeiras peitorais para mudar a direção e mergulham muito melhor do que nós. Assim, mover as mãos com critério para se equilibrar não é pecado.
O outro ponto negativo da técnica é que não enxergamos o ponto para onde estamos nos deslocando, embora isso possa ser feito antes da penetração, não produz a mesma segurança no deslocamento.

Cabeça para baixo
Nesta técnica, o mergulhador pode parar equilibrado sobre a abertura, deixar os olhos acostumarem-se com a escuridão e entrar controlando o espaço para onde se desloca.
Alguns cuidados devem ser tomados. A posição de cabeça para baixo coloca o 2º estágio do regulador abaixo dos pulmões e poderá gerar um fluxo excessivo - free flow -, por pouco tempo e fácil de controlar.
Outro problema pode ser o colete equilibrador, principalmente com lastro integrado. Ele poderá se deslocar na direção da cabeça permitindo que o 1º estágio do regulador atinja a nuca. Para evitar esse problema, pode ser utilizada um fita entra as pernas - Croach strep - que ajusta o colete no sentido vertical do mergulhador.

Quem utiliza roupa seca sabe que a posição de cabeça para baixo pode ser problemática, pois o ar passa para as pernas e dificulta a volta para uma posição horizontal. No entanto, esse problema só ocorre quando se utiliza muito ar no interior da roupa. O uso de roupa seca obriga ao domínio da manobra de retorno a posição horizontal antes de qualquer aventura pelo interior de um naufrágio.
Um bom mergulhador de naufrágio sabe movimentar-se com eficiência e segurança nas três dimensões do espaço. Assim mesmo, nenhuma técnica deve sobrepujar o bom senso e a capacidade de avaliação dos espaços e estabilidade da estrutura, conhecimentos que podem ser aprendidos em um bom curso de naufrágio.

Independente da orientação, jamais penetre por aberturas menores que 60 centímetros - como referência, essa é a medida da maioria das portas de navios e de banheiros em uma casa. Essa medida já restringe muito o movimento do mergulhador e ficar preso na passagem poderá causar um grande susto.
Nada dentro de um naufrágio vale não retornarmos a superfície para contar o que existia lá. Bons naufrágios e que seus caminhos estejam sempre abertos.

 

 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

 

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