Destino: naufrágio


Naufrágio do Victory 8 B
Acomodação dos naufrágios


 
Revista Mergulho, Ano XV - Nº 194 - outubro/2012
Texto: Maurício Carvalho
 
Com o passar dos anos, os naufrágios sofrem mudanças muitas vezes significativas, que podem alterar sua estrutura e mesmo sua posição no fundo.
Este período conhecido como acomodação pode tornar os naufrágios ainda mais interessantes e harmoniosos.
 
Durante o mês de junho recebi do amigo Julio Yaber da operadora Atlantes de Guarapari, ES. O croqui atualizado do Victory 8B, esse navio foi afundado propositalmente em 2003 para a criação de um recife artificial. Porém, em 2006 e em 2011, duas grades tempestades alteraram significativamente a estrutura desse naufrágio. O mais interessante, é que a Acomodação, como é tecnicamente conhecido o período em que os navios afundados se ajustam as maiores forças do mar, como: correnteza, ondas, marés e assoreamento, tornou o navio ainda mais harmonioso com o fundo.
As sábias palavras do Julio me chamaram atenção para isso.

" ...li você falando sobre a "vida eterna" dos naufrágios. Para mim, essa também é um dos motivos para voltar. Eles vão amadurecendo, se adaptando ao perfil do fundo... continuam suportando a força do mar, como quando navegavam, porém, com humildade. O Victory, inicialmente, era como um estranho no fundo, não harmonizava com o ambiente... permanecia em posição de navegação, digamos.... "impertinente".
Foi com esta mudança agressiva que finalmente ele "relaxou", se inclinou numa postura mais dramática e mais humilde, com o visual que todo mergulhador espera de um verdadeiro naufrágio vencido pelo mar. Ficou emocionante!"
Julio Yaber



O Victory 8B

Este cargueiro de bandeira grega possuía 90 metros de comprimento e mais de 4000 toneladas. A partir de 1996 permaneceu ancorado e inativo no Espírito Santo, acumulando despesas portuárias, multas e impostos, o que levou finalmente a seu confisco pela Secretaria de Fazenda em 2001. Na ocasião, sua tripulação já havia abandonado a embarcação.
O navio foi então doado para a implantação do projeto de Recifes Artificiais Marinhos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, gerenciado pela Fundação Cleanup day, levando cerca de três anos na preparação e limpeza.
Em julho de 2003, ele foi afundado em um ponto a 6 milhas do litoral de Guarapari, ES, entre as ilhas Rasa e Escalvada, a uma profundidade de cerca de 35 metros.
 
 
A Evolução do Naufrágio
Inicialmente, o Victory permaneceu apoiado corretamente no fundo de areia. Na popa, podemos transitar do hélice e leme a 34 metros, até o casario e chaminé, na faixa dos 18 metros, onde foi fixada uma boia, que dá apoio aos mergulhadores; já que a corrente marinha e forte e frequente na região.
Descendo pelos quatro andares da superestrutura, encontramos uma série de compartimentos preparados para mergulhadores, e entre aberturas de acesso e escadas, pode-se alcançar a sala de máquinas e o porão nº 2.
 
  Pelo lado interno dos porões, ligados por uma abertura, podia-se até 2006 nadar tranquilamente até a proa, completamente protegido da corrente, que era bloqueada pela estrutura do navio.
Em 2006, após uma forte tempestade, o Victory sofreu sua primeira grande acomodação. A partir do final do segundo porão até a proa, a maior parte do costado de bombordo caiu sobre os porões e o costado de boreste caiu sobre a areia. O casario de popa, devido ao peso, e a proa não sofreram alterações.
Já não existia tanta proteção da corrente, mas as laterais, agora baixas, ainda proporcionam um caminho abrigado da força da água. Além disso, formaram-se "túneis" por onde é possível fazer penetrações quase juntos ao fundo.
 
 

No início de 2011, mais uma vez depois de uma tempestade, uma segunda modificação pode ser percebida. O forte fluxo das correntes terminou rasgando o costado de bombordo junto à casa de máquinas, o que fez com que toda a popa adernasse cerca de 40º para boreste.
O rasgo afastou em mais de 3 metros as bordas do casco, essa separação vai diminuindo até desaparecer junto ao hélice.
A penetração nas cabines ficou mais técnica e impactante. Os corredores inclinados dificultam a orientação e pelas vigias de bombordo, apontadas para a superfície, a luz entra formando sombras intermitentes.

 

O croqui executado em junho de 2012 pela Equipe da Atlantes de Guarapari, ES.
indicando a nova condição incliada dos destroços do Victory.

 

 

A Acomodação da estrutura
Quando falamos de naufrágios inteiros, devemos ter em mente que não estamos tratando de cavernas; as técnicas são muito distintas. Cavernas são locais estáveis, que não modificam sua configuração. Os naufrágios são meios dinâmicos, que invariavelmente desabam e uma das primeiras preocupações do mergulhador deve ser determinar se a estrutura é estável e segura para uma penetração.
Para isso, precisamos conhecer os princípios de estabilidade e o que leva o naufrágio a passar por suas quatro etapas - Inteiro, Semi-inteiro, Desmantelado e Enterrado.
Cursos com enfoque realmente em naufrágios devem mostrar aos mergulhadores pelo menos os critérios mais importantes de estabilidade da estrutura, em função do tipo de acidente, profundidade e posição dos destroços. Esses critérios de estabilidade quando violados, indicam que uma penetração é totalmente contraindicada.
Como exemplos mais comuns, de eventos que condenam uma penetração temos:

Ruptura total de quilha ou convés: navios que sofrem torção a ponto de quebrar, não mantêm mais o suporte estrutural, não sendo por isso penetrações confiáveis.

Sons: naufrágios com rangidos, estalos ou barulhos de impacto, indicam forte movimento ou peças soltas, que podem a qualquer momento desabar sobre um mergulhador. O mergulhador, principalmente com um equilíbrio hidrostático precário, é um fator perturbador das estruturas.

Perda de continuidade: Estruturas originalmente fixadas em série, como: vigas, colunas ou o cavername são um ótimo indicativo de que as estruturas estão se rompendo. Assim, quando uma linha de estruturas que perdeu continuidade for localizada, devemos cancelar quaisquer penetrações.

Regra dos 30º: Estruturas de apoio ou suporte, não devem apresentar ângulos maiores que 30º em relação a peça que suportam, pois nesse caso, não cumprem mais sua função estrutural. Não se realizam passagens sob estruturas onde este ângulo foi ultrapassado.

Nenhuma dessas regras pode ser considerada de rigor científico, pois o número de fatores que precisam ser levados em conta para estabelecer a durabilidade de um naufrágio parece inesgotável. Aspectos como: profundidade (taxa de oxidação), qualidade do aço (rebites, soldas), causa do naufrágio (incêndio), agregação de fauna incrustante (corais), já foram avaliados como importantes variáveis do processo de desmanche.
Por tudo isso, ser cuidadoso e restritivo é fundamental para manter a segurança.

Se você não conhece o Victory 8B, não pode deixar faltar esse importante naufrágio em seu Log Book. Se, mergulhou antes de 2011, tem mais uma razão, além da linda fauna que habita os destroços e das passagens sensacionais, para retornar. Um "novo" navio está no fundo e novas experiências e emoções o aguardam. Além disso, para ir a Guarapari não se precisa de muitas razões, bastam os excelentes pontos de mergulho, como o Bellucia, esse vapor naufragado em 1903 é considerado um dos mais belos naufrágios do Brasil, mas isso é outro mergulho.

 
 

Agradecimentos:
Julio Yaber e a Equipe da Atlantes

Rua José Barcellos de Matos, 341 - Centro
Cep 29200-720 - Guarapari - ES.
Telefone (27) 3361-0405 / 3361-4440
 
Guincho de âncora Cabeço-de-amarração Turcos Âncora almirantado Guincho de carga caldeiras principais Caldeira auxiliar máquinas a vapor Condensador Arco do leme, hélice e leme Cabeço-de-amarração

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.


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Naufrágio do Victory 8B

 

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