Em Cima do Lance - Naufrágio Santa Catharina
Naufrágio recém "descoberto" é a mais nova atração de Abrolhos

 
Revista Mergulho, ano X, Nº 129
Texto: Maurício Carvalho e Ary Amarante
 
Naufrágio Santa Catharina
 
 

Abrolhos, como se sabe, é um dos destinos de mergulho mais cobiçados e interessantes da nossa costa. Afinal, o arquipélago tem grande diversidade de vida, com muitas espécies de peixes, invertebrados, belas estruturas de corais. Elas são os chapeirões, com formas e cores bem peculiares.

Agora, além dos corais, dos grandes badejos e das esponjas multicoloridas, os naufrágios vão ganhando cada vez mais notoriedade. Foi-se o tempo em que o Rosalinda era o must, o point a ser visitado. O navio Guadiana já vem a algum tempo disputando com ele as atenções dos mergulhadores. E agora o carqueiro Santa Catharina surgiu com força total em termos de beleza e vida. Tudo isso entre 14 e 25 metros de profundidade.
O navio está apoiado no fundo de areia e cascalho, encravado entre diversos chapeirões baixos. O seu hélice sem as pás, indica que houve uma explosão prévia ao naufrágio, não se sabe exatamente quando nem por quem. Apenas os pescadores conheciam sua posição, como parecem saber (e não revelar) outras marcas de outros naufrágios da região. Aliás, Abrolhos deve ser pródigo em naufrágios pelos seus traiçoeiros chapeirões.
Por isso, fala-se que a tendência é que o velho conhecido Rosalinda vá ganhando, aos poucos, a companhia de outros navios no rol de naufrágios, além do Guadiana, do Nebula (no Parcel das Paredes) e do Santa Catharina.

 

 
Direto ao Ponto
A distância desde as ilhas de Abrolhos até a posição do Santa Catharina é curta, menos de 5 milhas. Fizemos o percurso até o naufrágio três vezes no Turuna, um grande inflável rápido de fundo rígido que opera com o trawler Titan, que ficou fundeado como base.

O Santa Catharina aparentemente afundou na posição de navegação, já que seu grande motor está na vertical em relação ao fundo. Sua proa e a popa estão tombadas para bombordo, seja pelo impacto com os diversos chapeirões no fundo, seja pelo desgaste da sua estrutura de sustentação ou até pela ação humana após o naufrágio. A proa e a popa, praticamente inteiras são as partes do naufrágio mais fotogênicas. Os corais e esponjas se encarregam, ao longo desses quase 100 anos pós naufrágio, de transformar o Santa Catharina num grande chapeirão, num festival de vida e de cores.
Diversos pedaços de cabos amarrados na proa e na popa mostram que os pescadores já desfrutavam do naufrágio há bom tempo. Agora que o navio foi oficialmente incorporado ao Parque Marinho de Abrolho, esperamos que esta ação seja reduzida, ou mesmo encerrada - o que seria excelente para manter o vigor da fauna.

Mar de Salemas
Pelo comprimento do navio (mais de cem metros), dois mergulhos nele são uma ótima conta para uma exploração mais detalhada, em ritmo lento, como deve ser a integração dos mergulhadores com a vida marinha. Partindo para o lado da proa há alguns pontos de fácil penetração e outros perigosos, que devem ser evitados (há compartimentos apertados, onde há risco de desabamentos). A popa merece ser circundada para se ter a visão do gigantesco leme ainda inteiro e do hélice infelizmente cortado. O mecanismo de movimentação do leme parece a primeira vista um canhão de popa, pelo seu formato. Mas o Santa Catharina não tinha armamento de defesa, ao menos aparente. Por todos os lados há garrafas de diversas formas e rolos de arame farpado - eles deviam compor a carga, entre outros itens.
Tem mais: a meia nau há um chapeirão encostado ao navio com um grande cardume de sargos e de salemas.
Se houver cuidado por parte dos mergulhadores visitantes, das operadoras e com o trabalho de conscientização dos pescadores em relação a importância do naufrágio para o turismo e para a preservação da região, os atuais tripulantes irão nos proporcionar incríveis viagens a cada nova visita ao local.
Enfim, o Santa Catharina é uma descoberta e tanto. Vale a pena vê-lo de perto.


 
 
 
  
 
   
   

Mar em Fúria
Como e Por que o Santa Catharina foi afundado pelos ingleses

A companhia alemã Hamburg Sudamerikanische Dampfschiff, conhecida como Hamburg Sud, é uma das maiores e mais antigas companhias de navegação do mundo e já nos meados do século IXX dominava boa parte do comércio entre portos da Europa e da América do Sul.

No dia 19 de janeiro 1907, a companhia lançou na Alemanha o paquete Santa Catharina e pouco depois seu sister-ship o Santa Lucia. Esses dois grandes vapores com mais de 100 metros de comprimento e 4200 toneladas ampliavam a capacidade da companhia de transporte de passageiros e carga.

Navios Armados
Em 1914, devido as disputas territoriais e a divisão das colônias entre as grandes nações imperialistas, aumentava rapidamente a rivalidade, ainda alimentada pelo nacionalismo extremado e pela corrida armamentista.

Em agosto, diante da impossibilidade de resolverem pacificamente essas questões, formaram-se duas fortes alianças oponentes. A Tríplice Entente, composta inicialmente por Inglaterra, França e Rússia e a Tríplice Aliança, formada por Áustria, Hungria, Alemanha e Itália.

O conflito alastrou-se rapidamente da imobilidade das trincheiras em terra, para embates navais de grandes proporções. Em pouco tempo os vasos de guerra levaram a insegurança a todos os oceanos.

Apesar da inicial neutralidade do Brasil perante a situação Européia, as duas alianças mantinham frotas de combate na tentativa de manter um bloqueio contra a navegação comercial rival e diversos incidentes foram descritos pela imprensa da época.

Frota no Brasil
A Inglaterra concentrava na região dos Abrolhos, onde ainda não existia uma estação telegráfica, uma grande frota composta pelos navios: Defense, Kent, Invencible, Inflexible, Glasgow, Carnavour, Corwall, Bristol, Macedônia e Orama, além de oito cargueiros lotados de carvão. Daí, partiam para o corso pela costa do Brasil.

Ainda em agosto de 1914 a imprensa denuncia que o cruzador leve inglês H.M.S. Glasgow realizava ataques na costa do Brasil contra navios alemães. Logo depois, o vapor Tiradentes do Lloyde Brasileiro comunicou ter cruzado com o Glasgow em completo pé de guerra, com convés varrido, muradas arriadas, escaleres retirados e canhões destampados. Além desse, outros navios brasileiros foram parados e revistados pelos navios de guerra da Inglaterra.

A Alemanha também afundou alguns importantes navios ingleses entre eles o Vandyke.

Nesse clima de bloqueio naval o Santa Lucia chegou ao Rio de Janeiro vindo da Europa enquanto o Santa Catharina aportou em Pelotas com uma carga proveniente de Nova York. O Santa Lúcia, saindo do Rio de Janeiro não conseguiu chegar ao porto de Vitória, devido à pressão dos navios ingleses sendo obrigado a retornar a capital.

Os ingleses patrulhavam regularmente a costa com 3 cruzadores leves entre eles o H.M.S. Glasgow, e tentavam impedir o comércio da Alemanha com outras nações e assim sufocar o esforço de guerra.

Quando o Santa Catharina tentou realizar a viagem de retorno, provavelmente regressando a Europa, o navio foi atacado e afundado. Os momentos finais do Santa Catharina não são conhecidos, sabemos apenas que o Glasgow apressou o vapor alemão, levando-o para região do arquipélago dos Abrolhos, BA. Lá, foram retirados os víveres e a carga de carvão deve ter sido passada a um dos carvoeiros que acompanhavam a frota inglesa.

Feito isso, o Santa Catharina foi posto a pique por cargas explosivas, como era o procedimento na época, isso explicaria as informações de que houve um violento incêndio nos porões que não pode ser controlado, o que provocou o afundamento do navio.

Abandonado pelos jornais da época, talvez pela censura de guerra, o Santa Catharina também permaneceu no anonimato para os mergulhadores brasileiros, mas como a verdade sempre retorna a superfície ele vêm agora ocupar seu lugar na história.

   
 

 
Obs: Na matéria da Revista Mergulho constam outras fotos
 

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