Destino: naufrágio

Não exceda O LIMITE
(Título original: NAUFRÁGIO, com muito equipamento)


Revista Mergulho, Ano XIII - Nº 152 - Março/2009
Texto original e fotos Maurício Carvalho
 
Penetrar em naufrágios exige, entre outras coisas, economia de equipamentos.
Saiba o que e como levar.

 

Por mais que os mergulhadores sejam avisados que o interior de um naufrágio apresenta muitos riscos, à vontade de obter grandes imagens e a emoção da aventura empurram para o interior. Além dos riscos tradicionais,filmadoras, máquinas fotográficas, grandes lanternas e cilindros extras complicam ainda mais o procedimento.

Mergulhadores de naufrágio sabem que uma boa configuração de equipamento obrigatoriamente passa por uma montagem compacta. Mangueiras junto ao corpo e equipamentos fixados a menos de um palmo de distância. Desta forma, o diâmetro do corpo do mergulhador é aproximadamente o dos ombros e, se esses passarem pela restrição, todo o conjunto passará.
No entanto, em alguns tipos de mergulhos ou mesmo alguns mergulhadores, são obrigados a levar equipamentos extras, que tornam sua configuração muito volumosa. Alguns exemplos: o uso de filmadoras e iluminação, máquinas fotográficas com aqueles enormes braços de flashs, que parecem mais criaturas de outro mundo. No mergulho técnico, também encontramos configurações volumosas, pois além das duplas, em muitos mergulhos, são transportados cilindros extras (stages) com gases descompressivos e até scooters.
No Brasil, a grande maioria dos naufrágios é desmantelado, o que torna o conhecimento das peças e o entendimento das estruturas e dos destroços muito mais importante para o mergulhador de naufrágio do que dominar as técnicas de penetração. Porém, como resistir a uma porta aberta, à escuridão chamando, aquela rachadura maravilhosa.

 

Se o enrosco ocorreu no próprio equipamento;
primeiro estabilize a carga em algum
ponto dos destroços ou com seu dupla.
A maioria de nós, não resiste a apenas uma olhadinha, ao famoso "só a cabecinha" (no bom sentido é claro). Em pouco tempo, já estamos viajando pelos sombrios caminhos do interior do naufrágio.
    Se com qualquer configuração, cuidados já deveriam ser tomados,


Configuração poluída na parte baixa do tórax, onde a visão é possível

 

mergulhadores carregados devem ser ainda mais cuidadosos e treinados. Essa é a proposta deste artigo.
Pode parecer o obvio discutir que um mergulhador com stages e filmadora deverá passar com muito mais dificuldades pelos estreitamentos, mas outras considerações podem e devem ser feitas.

CONFIGURANDO O EQUIPAMENTO VOLUMOSO
Quando configuramos o equipamento para mergulhos em locais com restrições, procuramos prevenir alguns problemas clássicos. Todo ele deve estar posicionado em local que dificulte sua retenção, ao mesmo tempo que precisa estar suficientemente acessíveis para ser solto, verificado e / ou manipulado no caso de necessidade.
Com essa regra em mente, sempre que for inevitável ¨poluir¨ a configuração com algum item extra, faça-o na frente do corpo, de preferência da altura do peito para baixo - pois assim, dentro do campo de visão da máscara, será mais fácil soltar-se.

Além da posição, durante as penetrações, os equipamentos volumosos devem

estar fixados por um único ponto ao mergulhador (mosquetão), isso permitirá largar o equipamento quando as mãos forem necessárias para negociar uma passagem crítica ou retenção, porém sem criar grandes dificuldades caso seja necessário soltar-se.
O mais indicado é um mosquetão com cabo o mais curto possível, para que ao soltar o equipamento ele permaneça próximo ao corpo, evitando choques contra o fundo, o que, além de levantar o sedimento pode danificar lentes ou peças mais frágeis. Fixe o mosquetão na parte superior do colete - neste ponto, o peso extra altera menos o trim do mergulhador.
Fuja de fixadores de punho ou tipo espiral de telefone, pois enroscam em tudo debaixo d´água, e inutilizam uma das mãos. Mesmo soltando o equipamento, o braço não pode ser movimentado, pois o peso extra oscila descontroladamente.
Conheça o equilíbrio de seu equipamento. Se ele flutua, pode ser uma boa opção posicioná-lo por baixo do braço de forma que ele fique fora do caminho, da mesma forma como são montada as stages .

 

Um ponto de fixação na parte
superior do toráx

 

DEIXAR OU NÃO O EQUIPAMENTO
Antes de iniciar a penetração, os mergulhadores podem optar por deixar partes do equipamento volumoso do lado de fora. Afinal, não faz muito sentido, arrastar um scooter para o interior de um naufrágio. Mas seria inútil pedir a um fotógrafo ou cinegrafista que abandone seu equipamento e as imagens que ele poderá proporcionar no interior.

E quanto as stages?
Mergulhadores de caverna com alguma frequência, deixam as stages no cabo-guia, para serem recuperadas no caminho de volta que leva à superfície.
 

Mergulhador entrando no Gonçalo Coelho,PE
  A saída em naufrágios, porém, principalmente em situações difíceis, poderá ser feita em um local diferente da entrada, as condições de mar podem se alterar e impedir que os mergulhadores voltem ao ponto onde os cilindros necessários à descompressão foram deixados.
Por essas razões, deixar os cilindros extras é uma decisão que deve ser tomada com cuidado, levando em consideração autonomia de ar, condições ambientais e planejamento da penetração. Eu particularmente não deixo stages pelo caminho. Nas ocasiões em que fiz isso, passei todo o tempo no interior, pensando se ela estaria no mesmo local na saída. Mas vamos concordar que duplas, stages, filmadoras e iluminação já são um pouquinho demais.
Vale lembrar, que no famoso acidente dos Rouses, descritos no livro "O último mergulho" os mergulhadores acidentados optaram por deixar stages em um ponto fixo do naufrágio e depois, por razões ainda discutidas, não retornaram para buscá-las (pág.ina 313), optando por retornar a superfície sem o procedimento de descompressão programada.
 
 

PENETRANDO COM VOLUME EXTRA
O mergulhador que penetra no naufrágio com volume extra, deve contar com um bom dupla, que deverá auxiliá-lo nas passagens mais difíceis. No caso de filmagens vale a pena considerar um sistema de trio, em que o guia abre caminho com a carretilha, enquanto o cinegrafista é apoiado pelo terceiro membro, que pode ser também o iluminador.
Em pontos difíceis, o material pode ser passado de um mergulhador para outro facilitando a negociação da restrição.
Devido ao sedimento, apoiar o equipamento nessas passagens pode piorar o problema, acabando com a visibilidade do local. Nessas condições é melhor que o equipamento extra seja ligeiramente positivo, o que facilitará negociar passagens estreitas.
As stages além de estarem o mais próximas do corpo possível devem estar com o regulador bem protegido junto ao registro do cilindro - isso evita impactos que podem causar deslocamentos de o´ring e mau funcionamento, provocando perda do suprimento de gás.

 

O dupla pode receber equipamentos extras, facilitando a negociação das restrições
 

SOLTANDO-SE DO ENROSCO
Nas condições descritas, as retenções normalmente ocorrem, pois o mergulhador está mais preocupado com sua carga extra, evitando arranhões nas lentes, ou na captura de imagens, acaba negligenciando o restante do equipamento e mesmo o equilíbrio hidrostático.
Sentindo-se preso. Pare, respire e restabeleça a flutuabilidade. Feito isso, identifique o ponto de enrosco. Se ele estiver na carga extra, manipule o problema até a solução. Se o enrosco ocorreu no próprio equipamento; primeiro estabilize a carga em algum ponto dos destroços ou com seu dupla. Estabeleça um novo equilíbrio hidrostático e comece o processo de checagem para enrosco aprendido em seu curso de naufrágio, solucionando o problema.

Penetrações seguras e agradáveis dependem de bom treinamento e experiência, se optar por realizá-las com equipamento extra, esteja certo de que domina perfeitamente o conjunto de técnicas básicas necessárias a segurança da incursão e invista tempo no conhecimento de como sua carga extra se comporta no fundo.

 

Curso de Mergulho em Naufrágios

 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

 

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