A Batalha de Oregon Inlet - U-85
UM PROJETO DE VIDA
É algo fascinante. A Batalha do Atlântico e a ação dos submarinos alemães durante este período, na II Guerra Mundial, sempre me despertaram grande interesse. O submarino, ou o U-Boat, foi uma arma singular que por muito pouco não derrotou a Inglaterra e modificou o desfecho deste conflito.
Sou mergulhador desportivo CMAS** já há alguns anos e esta habilidade conquistada com grande dificuldade (até hoje eu não sei nadar) me permitiu “visitar” diversos naufrágios de submarinos alemães no seu elemento: as profundezas.
Em 2003 mergulhei no U-1277, afundado pela própria tripulação em 1945 ao largo da cidade do Porto, Portugal. Um mergulho emocionante em 32 metros de água gelada. Em 2006 visitei o U-352, afundado em combate em 1942 perto do farol de Lookout, Carolina do Norte, EUA. Neste mesmo ano visitei também o U-505, bem mais fácil, pois se encontra em exposição no Museum of Science and Industry, Chicago.
Nas paredes da operadora Outer Banks Dive Center, o U-85 é presença constante
Já em 2007 mergulhei no U-1105, o famoso Black Panther (1), afundado em um teste de armamento pela US Navy no Rio Potomac, Maryland, em 1949. Este U-Boat havia se rendido aos ingleses ao final da guerra e entregue aos americanos algum tempo depois.
Mas haviam mais U-Boats. Iniciei um novo planejamento no começo de 2008 e em agosto, em pleno verão americano, desembarquei em Nags Head, Carolina do Norte. Desta vez eu iria tentar novamente o mergulho no U-85, operação que havia sido abortada em 2007 devido à passagem do furacão Gabrielle (2).
(1) O U-1105 era recoberto com uma camada de borracha sintética com a finalidade de absorver ou diminuir o sinal do radar ou sonar aliado. Devido à cor da borracha ficou conhecido pela tripulação como Pantera Negra.
(2) Logo após visitar o U-85, no mesmo mês de Agosto de 2008, Nestor Magalhães mergulhou no U-853, afundado em combate ao largo da ilha de Block Island, Rhode Island, USA, e no U-171, afundado ao chocar-se com uma mina nas proximidades de sua base em Lorient, França.
O Comandante Greger do U-85 – Máquina Enigma do U-85. Codificava todas
as mensagens enviadas ou recebidas pelos U-Boats – USS Roper (DD 147)
UM NOVO ALVO
O U-85 era um submarino Tipo VII B, com 66,5 metros de comprimento, deslocando 730 toneladas quando na superfície e 1040 toneladas submerso. Possuía dois motores diesel com 3200 hp que lhe possibilitavam a velocidade de 17,9 nós na superfície e dois elétricos com 750 hp podiam fazê-lo render 8 nós submerso. Em situação de emergência mergulhava em 30 segundos, sua profundidade operacional era de 100 metros e a de colapso de 200 metros. Era armado com quatro tubos lança-torpedos na proa e um na popa, tendo uma dotação de 14 torpedos empaiolados. Compunha ainda o seu armamento um canhão de 88 mm. C35 L/45, instalado no convés, ante-avante da torre e um canhão AAe (3) automático de 20 mm. C30 na parte posterior da torre.
(3) Artilharia antiaérea.O U-85 era integrante de uma segunda geração de submarinos da classe Tipo VII, modelo B (4) que teve 24 unidades construídas (os alemães construíram um total de 709 Tipos VII de diversas variações) e comissionado no dia 07 Junho 41 sob o comando do Oberleutenant Zur See Eberhard Greger, com 27 anos de idade.
O U-85 chegou ao seu novo campo de caça, a costa Leste americana no início de Abril de 1942. Era a Operação Batida de Tambor (Paukenschlag), ação particularmente mortífera dos submarinos alemães contra a navegação naquelas águas. Os norte-americanos não estavam absolutamente preparados para este novo tipo de guerra.
As cidades costeiras ingenuamente iluminadas, silhuetavam os navios à noite, alvos perfeitos para os U-Boats. Não havia silêncio rádio e muito menos linguagem em código entre as embarcações e seus portos e mais ainda, a US Navy tinha poucos aviões e navios para patrulhar toda esta enorme área. Também relutava em adotar o sistema de comboios. O que aconteceu então ficou conhecido como O Alegre Massacre. Por volta de Março de 1942, os U-Boats estavam afundando três navios por dia ao largo desta costa.
(4) O U-48 era também um U-Boat da classe Tipo VII B e foi o mais bem sucedido submarino da II Guerra Mundial com 53 navios afundados.
Mas voltemos ao U-85. Era a sua quarta patrulha de combate e já havia afundado em missões anteriores dois navios, totalizando cerca de 10.000 toneladas. Sua tripulação dera mostras de coragem e habilidade, escapando a vários ataques de aviões e destroieres.
No dia 10 de Abril de 1942, no seu novo campo de caça, atacou o vapor norueguês Christina Knudsen de 4.904 ton que transportava uma carga de nitrato. Dois torpedos atingiram em sequência de segundos o gordo casco do grande vapor, mandando-o para o fundo em muito pouco tempo e matando toda a sua tripulação de 33 homens. Foi uma suculenta presa para o Lobo Cinzento (5). Mas os alvos começaram a ficar raros e o U-Boat decidiu buscar suas vítimas mais ao Sul, junto as costa da Carolina do Norte.
(5) Apelido com que eram também conhecidos os U-Boats.
UMA LUTA DE MORTE
Era uma noite clara, estrelada e com mar calmo. O destroier USS Roper patrulhava aquela área quando um pequeno eco apareceu na sua tela de radar. Tudo levava a crer que era algum barco pesqueiro ou um patrulha da Guarda Costeira. O destroier aumentou sua velocidade, diminuindo rapidamente à distância. Com o toque de alarme a tripulação ocupou os postos de combate e poucos minutos depois da meia-noite do dia 14 de Abril de 1942, os vigias avistaram a esteira fosforescente do U-85 na água. O U-Boat, agora iluminado pelos holofotes do destroier, estava em uma situação absolutamente desfavorável e restou ao seu jovem comandante duas opções: render-se ou lutar. Eberhard Greger escolheu a segunda.
Um torpedo disparado pelo tubo de popa do U-Boat passou a poucos metros do Roper. Os tripulantes do U-85 que tentavam guarnecer o canhão de 88 mm. foram metralhados à extinção e o submarino, atingido a queima-bucha por granadas de 3 polegadas dos canhões do destroier, começou a naufragar pela popa. A maioria da tripulação do U-Boat conseguiu safar-se a tempo e ficaram nadando na superfície. O comandante do USS Roper, Lieutenant Commander Hamilton Howe, temendo haver um segundo submarino por perto, manobrou seu navio e lançou 11 cargas de profundidade no meio deles. Todos tiveram morte instantânea.
Ao amanhecer havia uma grande mancha de óleo no oceano; boiavam destroços e cadáveres nos seus salva-vidas. Vinte e nove corpos foram recolhidos, sendo que dois deles, por estarem destroçados pelos tiros das metralhadoras .50, foram devolvidos ao mar. Também foram resgatados os diários dos marinheiros Eric Degenkolb e Eugen Ungethun, preciosos documentos que contam a vida do U-85 nas sua 4 missões de guerra. Todos os 27 marinheiros foram sepultados no Hampton National Cemetery, Virginia. O corpo do Oberleutenant Greger jamais foi encontrado.
Sepultamento no Hampton National Cemetery, Virginia, dos 27 marinheiros que tiveram seus corpos recuperados.
O MERGULHO
Toda esta horripilante história passava pela minha cabeça enquanto eu vestia o equipamento de mergulho a bordo do Go-Between, barco de apoio que levava os mergulhadores até o local do naufrágio do U-85. Olhava o mar calmo e imaginava que há 66 anos atrás havia acontecido ali uma luta mortal.
Que coisa!
Meu anfitrião e agora meu dupla era o Bill McDermott, notável e experiente mergulhador, proprietário da operadora Outer Banks Dive Center, na cidade de Nags Head, NC.
Operadora Outer Banks Dive Center, Nags Head, NC. – Embarcação Go-Between da Outer Banks Dive Center – Rich Hunting,
Com uma MP 40 (metralhadora de mão), resgatada dos destroços
Ao lado, a localização do U-85 ao largo da Carolina do Norte.
Foi emocionante descer até o U-Boat, diretamente na sua torre (onde ficava o emblema do Javali). A escotilha estava aberta e um dos periscópios, ainda firme no seu reparo, tinha o aço inoxidável faiscando. Fiquei surpreso com a pouca espessura da extremidade do periscópio de ataque. Muito fino mesmo. Um objeto capaz de cortar a linha da água de forma bastante discreta. Procurei em vão pelo canhão AAe de 20 mm. na parte posterior da torre, local que era conhecido como Jardim de Inverno. O canhão tinha sido recolhido em 1942 por mergulhadores da U.S. Navy. A mesma coisa com o torpedo que estava em um compartimento na proa. Desapareceu misteriosamente no final dos anos 80.
O periscópio de observação aérea (sky periscope)foi levado também. O U-85 vem sendo pilhado pelos mergulhadores ao longo dos anos. Todas as cinco escotilhas do casco de pressão estão abertas, sem suas tampas (6).
O U-85 sobre fundo de areia ao largo da costa da Carolina do Norte
O longo casco repousa em um fundo de areia, inclinado aproximadamente 45 graus a boreste.
Nadamos lentamente, deliciados com a ausência de gravidade, até o canhão do convés. Eu imaginava que ele fosse bem maior.
Seu tubo aponta em agonia para a superfície, a cerca de 60 graus e se pode observar em detalhes o arco dentado do seu mecanismo de elevação.
(6) Uma das escotilhas está em exposição no museu do Farol de Cape Hatteras, Carolina do Norte.
Escotilha da torre – Parte de cima da base do periscópio de ataque – Base do periscópio de ataque
Escotilha de entrada dos torpedos na popa
Pensei nos marinheiros metralhados em volta dele enquanto tentavam carregar e apontar a arma. Senti um arrepio, não sei se devido à água gelada que agora começa a penetrar minha roupa de 5 mm. pela nuca ou o momento de intensa emoção. Puxa vida, se vê história por toda a parte!
Algumas pernadas e já chegamos à proa. Ali estão os 4 tubos lança-torpedos, realmente formas sinistras. O tubo de baixo, a direita, junto a areia, está em excelentes condições. Pode-se observar ali com clareza o brilho e a boa conservação de vários parafusos de latão. Uma olhadela no leme de profundidade a bombordo da proa que permanece fora da areia. Está travado na posição de mergulho, indicando que o U-Boat estava submergindo quando foi atingido. Que coisa! Confiro os instrumentos: 34 metros, mas a água não está muito fria, 17 graus Celsius. Tempo de fundo: 10 minutos. Pequenos cardumes de peixes brincam entre os destroços.
Vários triggerfishes afugentados pela nossa presença, buscam proteção nas sombras dos destroços.
Um deles, o maior, some no buraco negro da escotilha de carregamento de torpedos de proa. Há esponjas e corais presos no casco e a penetração pela escotilha da torre é bastante fácil. Iniciamos então à volta, pois será necessário subir pelo cabo que prende o U-85 ao Go-Between. No caminho, quase junto à torre, noto uma grande deformação no casco de pressão, como que uma força imensa tivesse agido de fora para dentro. Uma carga de profundidade do Roper! E quase na junção da torre com o casco de pressão, onde o aço tinha uma espessura de 0,88 polegadas, se percebe um furo de uma granada de 3 polegadas também do destroier, marcas da morte do U-Boat.
Vista dos tubos de torpedo da proa, sem a carenagem hidrodinâmica externa.
“… colocar a mão em um deles é tocar em um pedaço de história. Ver-se frente a frente a um instrumento de morte, a uma arma que teve a singular capacidade de causar danos que ultrapassam meros resultados na ação em si. É o pavor que acontece quando o inimigo passa a temer aquele engenho capaz de lhe atingir a qualquer momento e sem poder ser visto. Restos de uma avançada tecnologia, operada por homens constituídos de imensa coragem e de moral elevadíssimo, integrantes de uma irmandade das profundezas. Ajoelhar-se na areia branca do fundo do mar, escutando somente a nossa respiração, em silencioso respeito e observar aquele elegante casco, mesmo desmantelado por uma morte violenta é ser tomado por grande emoção. E eu senti isto.”
“The U-Boat peril is the only thing that really frightens me” From the diaries of Sir Winston Churchill
Nestor Magalhães e Bill McDermott
ao final de um dos mergulhos do U-85
Nestor Antunes de Magalhães é membro do Grupo BdU – Brazilians discovering Unterseeboote, um grupo especializado no estudo histórico da atuação dos submarinos alemães na costa brasileira durante a Segunda Guerra, colaborando com informações para as expedições de mergulho nos U-Boats naufragados.
Maiores informações: http://u-boats.sites.uol.com.br