Livro U-Boat, Mergulhando na História
Talvez a lembrança mais remota que ainda perdura vacilante em minha memória, é a história sobre o encouraçado-de-bolso Admiral Graf Spee, contada à exaustão pela minha mãe. Ela costumava até a cantarolar para mim uma marchinha de rima forçada, do Carnaval de 1940, da qual guardei o seu refrão: “Sooou marinheiro do Graf Spêê” e ela tinha vivido aquele tempo. Eu era muito pequeno e ali começava o gosto pela história militar. Depois apareceu a série na televisão, Aventura Submarina, onde o ator Lloyd Bridges personificava o herói mergulhador Mike Nelson, isto no início dos anos 60, bem antes de Cousteau. Pronto, bala na mosca, toda a gurizada queria ser mergulhador!
Foi por esta época que comecei então a desenvolver especial interesse pela Batalha do Atlântico e a ação dos U-Boat, os submarinos alemães, nesta que é considerada a mais longa batalha da II Guerra Mundial.
Tão longa que alguns autores a consideram como campanha. Estes, os U Boats, foram a mais mortal arma da Alemanha e por muito pouco não derrotaram a Inglaterra e modificaram para sempre o desenlace da II Guerra Mundial. E nunca na história de todas as guerras desta pobre Humanidade, uma força militar sofreu tal percentual de baixas (mais de 60%) e continuou lutando, ameaçando e retendo imensos recursos humanos e materiais dos Aliados, até o fim. Foi então que eu senti. Estava definitivamente fascinado pela história da guerra dos U Boats, das suas façanhas e dos homens destemidos que, mesmo por uma causa errada, haviam lutado sob as ondas como ninguém jamais o fizera. Que história!

Mas o Patinho Feio era um cisne e não sabia. E aí deu o estalo, caiu a ficha, já quase no final do curso, e então consegui com mérito a minha certificação CMAS. Mesmo sem saber nadar havia descoberto ter um talento…hummm…digamos…subaquático, a semelhança de uma foca feliz. Entretanto, posso afirmar com certeza: ser mergulhador foi a tarefa mais dura de toda a minha vida.

Depois foi o U-352, afundado em combate na costa da Carolina do Norte em 1942 e descoberto pelo célebre mergulhador americano George Purifoy em 1973. Mergulhei nele em 2006, favorecido por uma água quente e transparente. Além disso tive o prazer de conhecer pessoalmente o velho George e seu museu com peças coletadas no U-352.
Em 2007 foi a vez do Black Panther, o U-1105. Por quê o apelido? Este U-Boat era um submarino Tipo IX C/41 recoberto por uma camada de borracha sintética preta, uma ideia de tecnologia Stealth, já em 1944, destinada a enganar o radar e ou sonar Aliado. Foi capturado pelos americanos após a guerra. Estes, fizeram uma verdadeira necropsia em busca dos seus segredos. Anos depois, fartos, afundaram-no no Rio Potomac, Mariland. Desci até o Pantera, a 28 metros, em uma água escura e consegui arrancar um pedacinho da borracha do seu casco, para mim um verdadeiro tesouro. Quase perdi a vida neste mergulho.
Puxa vida, mas deveria haver uma forma de visitar um submarino sem se molhar. Assim conheci o U-505, um U-Boat Tipo IX C capturado em combate pela US Navy em 1944 e conservado a seco no Museum of Science and Industry, em Chicago. Milhares de pessoas vão até este museu para conhecer esta máquina extraordinária que lá permanece, intacta, elegante e ainda ameaçadora, recebendo uma multidão que entra a bordo por uma escotilha na proa e sai por outra na popa.
O ano de 2008 foi muito feliz para mim. Consegui mergulhar no U-85, um Tipo VII B, o primeiro submarino alemão a ser afundado pelos americanos em 1942 e que está ao largo da cidade de Nags Head, também Carolina do Norte. Sobre um fundo de areia branca, com marcas de ondas e a cerca de 33 m de profundidade. Este U-Boat foi surpreendido à noite na superfície por um destroier e, atingido pelo fogo de metralhadoras pesadas e canhões, começou a afundar. A tripulação conseguiu abandonar o barco e nadava na superfície quando o navio manobrou e lançou uma salva completa de cargas de profundidade sobre eles. Ninguém sobreviveu. Os americanos sepultaram os restos dos 27 marinheiros do U-85 no Hampton National Cemetery, Virginia, e eu fui lá para vê-los. Que história!
Um pulo até o estado de Connecticut e ali mergulhamos no U-853, afundado sem sobreviventes junto a Block Island, horas após o final da II Guerra Mundial. Ele não ouviu a ordem de rendição dada por Karl Doenitz e atacou alguns navios naquela área. Uma água gelada e uma longa descida me levaram até o U-Boat que está relativamente bem conservado, ainda na posição de navegação. Uma sepultura militar a quase 40 metros, ainda com as marcas no casco de um fim violento.

Lógico que tinha que aproveitar a oportunidade de estar na França. Mergulhei então nos destroços do Dia D, na Normandia. Um mergulho inesquecível.
Também não deveria deixar de visitar os famosos U Bunkers, abrigos de concreto que acolhiam os U-Boat e os protegiam das bombas aliadas sob um teto blindado de concreto com mais de 7 metros de espessura. Estive dentro e sobre o abrigo Keroman 3, no porto de Lorient. Lembra do filme Das Boot? Dã, dã, dã, dã, tãra, ta, tã… Pois é, igual!
Ali por perto estava a casa na qual o Almirante Karl Doenitz, comandante da Uboatewaffe, havia dirigido a Batalha do Atlântico por meses. Claro que estive lá.
Já era muita história para contar. Escrevi dois artigos de página inteira para o jornal Zero Hora, outro para o jornalzinho do Comando Militar do Sul e depois foram inúmeras matérias nas revistas Mergulho, Deco Stop e Nextime. Mais tarde redigi uma coluna no importante site www.naufragiosdobrasil.com.br, outra menor no www.clubedomergulhador.com.br e assinei diversos artigos no site espanhol www.u-historia.com.
Achei que era o suficiente. Mas não era. Minha esposa e amigos começaram a cobrar a ideia de um livro. Não acreditei. Ora, para um livro não haveria assunto suficiente. Puxa, isto era pura perda de tempo! Um livro é muito complicado.
Insistiram tanto que eu sentei no teclado e, descrente, comecei a escrever. Então, para a minha surpresa, as páginas brotaram, sucederam e multiplicaram. Foram 10 capítulos, atingidos sem muito esforço. Tudo isto em menos de um ano.
Mas ainda faltava alguma coisa. Viajei até a Alemanha e lá visitei dois U-Boats que estão em museus: o U-995 e o notável U-2540, um elegante Tipo XXI que mudaria o resultado da guerra, mas que chegou tarde demais. Também estive no Memorial Naval Alemão e no Memorial dos U-Boats, cada um deles produziu um capítulo para o livro de tão interessantes que foram.
Depois foi uma ida até Istambul. Lá me esperava o qualificado mergulhador e arqueólogo submarino turco, Selçuk Kolay. Ele havia identificado o U-20 no fundo do Mar Negro e eu o tinha convencido a me levar até o naufrágio. O U-20 era uma história formidável. Ele e mais 5 irmãos Tipo II B, haviam sido desmontados no norte da Alemanha, transportados por via fluvial e rodoviária por 2.300 km até o porto de Constansa, Romênia, recomissionados e postos em operações de combate contra a navegação soviética no Mar Negro. Entretanto, ondas com mais de 2 metros, abortaram o nosso mergulho. Perdi a viagem.
No ano passado dediquei um capítulo, o número XV, para a guerra submarina na costa brasileira. Para isto realizei intensa pesquisa histórica sobre o paquete Itapagé na cidade de Maceió. O Itapagé havia sido colocado a pique em 1943 por dois torpedos do U-161 junto ao litoral de Alagoas. Mergulhei no naufrágio deste belo vapor de 5.000 ton, uma exploração emocionante o qual eu considero como o melhor dos mais de 120 mergulhos registrados no meu logbook.
Retornei ainda este ano à Turquia e mergulhei no U-20, que está fundo do Mar Negro. Fantástico momento! Depois fui até Birkenhead, Inglaterra, para conhecer o U-534, um submarino Tipo IX C/40 que foi resgatado do fundo do Kattegat e pode ser visitado em um museu. Uma surpreendente e incomparável máquina do tempo. E, finalmente, ainda no término do verão americano de 2010, consegui mergulhar no U-701, afundado em combate ao largo de Hatteras, USA, em 1942. Um mergulho difícil e perigoso pois o local do naufrágio é em um ponto onde as correntes do Golfo e do Labrador se encontram.
Desta forma, concluí o “U Boats, Mergulhando na História” com cerca de 254 páginas, distribuídas em 18 capítulos e com um caderno de fotografias composto de 16 páginas. Se tudo se desenvolver de maneira correta e prevista, com o apoio de uma editora que se disponha a bancar os custos, o lançamento do livro acontecerá antes de dezembro de 2010. E se porventura eu conseguir levar você meu caro leitor, junto comigo, para o fundo do oceano. Compartilhando um pouquinho do meu ar, do meu arrepio e da minha emoção, os objetivos deste livro terão sido plenamente alcançados.
“…ajoelhar-se na areia branca do fundo do mar, escutando somente o chiado da nossa respiração, em silencioso respeito e observar aquele elegante casco, mesmo desmantelado por uma morte violenta, é ser tomado por grande emoção. E eu senti isto…”
Nestor Antunes de Magalhães – Setembro de 2010
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Maiores informações: http://u-boats.sites.uol.com.br

