Especial – O naufrágio do Hermes

A perigosa navegação de cabotagem no Brasil

Em 1858 o naufrágio que vitimou Manuel Antônio de Almeida - Texto: Maurício Carvalho

Histórico

Hermes rodas
Vapor de rodas semelhante ao que seria o Hermes

Os vapores  Ceres e Hermes foram construídos para da Companhia União Campista e Fidelista nos estaleiros da Ponta d’ Areia,  em Niterói (RJ.) e que tinha como presidente o Barão de Mauá. O Hermes começou a navegar cinco meses depois do Ceres, em setembro de 1857.
Esses vapores de rodas possuíam 198 toneladas de deslocamento e máquinas com força de 120 Hp, muita estabilidade e segundo a companhia, os cômodos de 1ª e 2ª classes eram os melhores desta classe de vapores na capital do império.
Navegavam fazendo 2 viagens redondas por mês reguladas pelas marés  devido a barra do rio Paraíba do sul na cidade de Campos. Regularmente a rota seguia do porto do Rio de Janeiro, para portos do norte do estado como Cabo Frio, Macahé, São Fidelis, São João da Barra, Quissamã até Campos, retornando de lá, passando pelo Rio de Janeiro seguindo para Santos.

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O naufrágio

Em 27 de novembro de 1861, o Hermes  zarpou do porto do Rio de Janeiro em uma viagem que deveria ser direta para Campos com um tempo previsto em 15 horas. Estavam a bordo 20 tripulantes e 90 passageiros, o mar estava calmo e o tempo bom.  
No entanto, no meio da viagem, o capitão S. Ornellas resolveu parar no porto de Macaé, não se conhece os motivos da mudança da rota.
Por volta de 3 horas da madrugada do dia 28, o Hermes aportou em Macahé para deixar 3 passageiros.
Hermes posicao 1Segundo contam várias testemunhas; tentando ganhar tempo para alcançar a barra de Campos a tempo de entrar na maré certa, na saída do porto de Macahé o comandante mudou a derrota do vapor e seguiu a 9 nós.
Por volta das 4 horas da manhã bateu na laje das Tabuá (atualmente laje do Hermes). Essa formação rochosa submersa está a cerca de 1 milha a nordeste do porto de Macaé na posição latitude 22º  21′ 10″ sul e longitude 041º 22″ 31″ oeste. A mesma laje onde já tinha naufragado a afundou a Sumaca Maravilha e  que até aquele momento, embora conhecida não possuía sinalização.
No primeiro momento, a pancada no vapor não pareceu grande, então  houve um  segundo choque.  Uma certa confusão se estabeleceu abordo, mas o  comandante aumentou  a força do vapor e tratou de tranquilizar a todos. Marcava a sonda seis braças (11,7 metros), estando o vapor a duas milhas da costa.
Cerca de uma milha depois, se constatou que o Hermes alagava rapidamente pela proa e o rancho da equipagem já estava cheio d’água. O comandante percebendo que o vapor estava  perdido aproou para a praia do Barreto, afim de salvar as vidas.
Porém, a água subiu rapidamente, o comandante temendo a explosão mandou apagar  as caldeiras e com isso,  as máquinas deixaram de funcionar.
As 4:30 horas precisamente o navio começou a submergir lentamente de proa. Todos os relógios que se salvaram marcavam a mesma hora. Segundo o depoimento de uma das testemunhas e do comandante, o vapor afundou a meia milha da laje e a duas milhas da praia a 11 metros (6 braças) e o navio teria ficado com os mastros de fora.
Hermes noticiaNesse momento grande pânico foi instalado a bordo. Arriaram os escaleres dos turcos e lançaram-nos  ao mar, um destes bateu de encontro ao casco que já submergia e foi feito em pedaços. Vários passageiros foram lançados ao mar e alguns se seguravam em taboas e caixotes enquanto outros foram tragados pela sucção do navio que afundava.
No escaler que restou salvaram-se 12 pessoas, que se dirigiu para Macahé. Chegando a cidade comunicaram o ocorrido. Imediatamente diversas lanchas, dos vapores Mercúrio, Dous Corações e do iate 31 de outubro que estavam no porto, partiram para o local do sinistro para tentar o salvamento.
Ao chegar ao local a lancha do Mercúrio resgatou  19 pessoas que estavam agarrados aos mastros.  A do Dous Corações salvou 16 tripulantes e passageiros  agarrando a tábuas, pipas e outros  destroços, que arrastados pela forte correnteza e pelo vento já estavam a 5 ou 6 milhas ao  sul do local do naufrágio. A lancha do iate 31 de outubro salvou 2 náufragos que boiavam no local.
Chegaram à praia nadando, um escravo de nome Pedro e o copeiro de nome JH Ferreira.
Salvaram-se 54 passageiros e tripulantes, mas pela hora que aconteceu o acidente, muitos  dos passageiros estavam recolhidos a seus camarotes e o naufrágio acabou vitimando 39 pessoas.  Todas as mulheres morreram e duas famílias inteiras, inclusive a do capitão do porto de Campos. Uma de suas vítimas foi o escritor Manuel Antônio de Almeida

Hermes Manoel almeidaO médico, jornalista e escritor Dr. Manuel Antônio de Almeida, consagrado por sua obra (1852/1853) Memórias de um Sargento de Milícias e que perdeu a vida aos 31 anos.
Segundo sua biografia, o naufrágio ocorreu quando ele iniciava a carreira política e fazia suas primeiras viagens de consultas entre os eleitores. Durante a viagem ele também participaria da inauguração de um canal entre Macahé a Campos.

Diversos cadáveres deram a praia e foram enterrados no cemitério do Barreto em Macahé. O naufrágio gerou grande polêmica na comunidade do Rio de Janeiro e uma forte cobertura da imprensa. 
O vapor Ceres, da mesma companhia saiu do porto do Rio de Janeiro no dia 30 de novembro para buscar os náufragos, malas postais  que puderam salvar do Hermes.
No dia 15 de dezembro partiu do Rio de Janeiro o reboque Protetor, para resgatar o que fosse possível da carga e casco do Hermes.


O resgate

Hermes leilaoNo Jornal Correio Mercantil de 09 de fevereiro de 1862, podia ser lido que a capitania dos portos informava a dona do navio que  “o governo Imperial não podia e nem deveria consentir que o casco do vapor Hermes permaneça indeterminadamente à disposição da mesma companhia no local em que naufragou, onde de alguma sorte podia trazer riscos à navegação “a capitania do porto fixou um prazo razoável para arrecadação por parte da companhia do que fosse possível salvar, fim do qual deveria efetuar a destruição do casco naufragado sob pena de perder o direito a mencionada embarcação e indenizar as despesas que o governo tivesse que realizar, conforme disposição o decreto regulamentador nº 447 de 19 de maio de 1946”
No jornal do comércio de 19 de janeiro de 1862 lê-se a notícia do leilão do Hermes “O Hermes encontra-se em perfeito estado perpendicularmente sentado na areia sem ter feito cama ou enterrado o convés está limpo de toda a área e sem o menor desmancho. O navio encontra-se encalhado a Nordeste 1/4  Oeste do porto de Macahé, distante 5 milhas deste e a 3 milhas da praia do Barreto em Machaé”.
Em outubro de 1862 ministério da marinha autorizou a Companhia União Campista e Fidelista a suspensão do casco do Hermes e no caso de incapacidade  a obrigação de retirar os mastros, chaminé e colocar-lhe uma boia em  cima.



O naufrágio do Hermes nunca foi localizado. Levando em considerando a operação de resgate anunciada e a falta de informações locais sobre os destroços, que estariam em uma posição que ofereceria perigo a navegação é possível que tenha sido retirado do fundo.
A única indicação que existe esta nas cartas náuticas da região, onde está registrado um casco submerso na posição latitude 22º 21′ 16″ sul e 041º 43″ 34″ oeste.

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