Especial – Rio Apa

A tragédia de Rio Grande

O naufrágio do Rio Apa em 11.07.1887

O naufrágio do Rio Apa é considerado o pior desastre marítimo do sul do Brasil e um dos piores naufrágios no litoral do Brasil no século XIX. Grande parte dos mortos pertencia à elite militar brasileira. O desastre causou enorme comoção no meio marítimo e militar, uma grande cobertura dos jornais da época e discussões sobre as dificuldades da navegação no extremo do Brasil.

FICHA TÉCNICA

DADOS BÁSICOS:
Nome do naufrágio: Rio Apa
Data do Naufrágio: 11.07.1887
Local: Rio Grande  –  Estado: RS  –  País: Brasil
Posição: ao largo da barra do Rio Grande. A posição nunca foi determinada
Latitude: 32º  sul e Longitude: 52º oeste
Condição: desmantelado
MOTIVO DO NAUFRÁGIO: mau tempo

DADOS TÉCNICOS
Construção: 1879
Estaleiro: Henry Murray Co, de Glasgow (Escócia).
Nacionalidade: brasileira
Armador: Companhia Nacional de Navegação a Vapor
Dimensões: comprimento: 66 metros –  boca:  7,8 metros  –  calado: 2,4 metros
Deslocamento: 902 toneladas
Tipo de embarcação: paquete de rodas e fundo chato
Máquinas: Compound Engine de 190 HP com marcha de 11 nós.

Histórico

Em 1833 foi criada Companhia Brasileira de Paquete a Vapor, mas em 1871 com a sua falência duas novas companhias foram organizadas.
A Companhia Brasileira de Navegação a Vapor operava 36 viagens por ano na Linha norte, tocando os portos no Espírito Santo, Bahia, Maceió, Pernambuco, Paraíba, Natal, Ceará, Maranhão, Pará e Manaus, recebendo uma subvenção de 708:750$000 (Contos de Réis).
A Companhia Nacional de Navegação a Vapor que operava 48 viagens por ano na chamada Linha sul, tocando os portos da Guanabara (RJ.), Santos, Paranaguá, São Francisco, Desterro (Florianópolis), Rio Grande, Pelotas, Porto Alegre, Montevidéu e Buenos Aires), e fazia, recebendo uma subvenção de 589:250$000 (Contos de Réis). À época do desastre a companhia do Rio Apa possuía seis vapores, quase todos nomeados com RIO: os maiores eram o Rio Paraná e Rio Pardo, ambos com 1.509 toneladas, Rápido, Rio Jaguarão (naufragado no dia 15 durante as buscas do Rio Apa), Rio Negro, Rio Apa e seu irmão gêmeo o Rio Branco que em abril de 1883 também naufragou desta vez na entrada do porto de Paranaguá.
Após a Guerra do Paraguai, a empresa passou a alcançar o Mato Grosso.
Em 1894 essas empresas fundiram-se com outras companhias menores para formar o Lloyd Brasileiro.
Rio Apa logo CNNV2 Rio Apa logo CNNV  Rio Apa lloyde brasileiro2
As duas principais companhias de navegação que se fundiram para formar o Lloyde Brasileiro

O Rio Apa

Rio Apa
Vapor de rodas Rio Apa

O Rio Apa, batizado em homenagem a um dos rios que hoje faz fronteira entre o Mato Grosso do Sul e o Paraguai era um belo paquete construído em 1879 nos estaleiros da Henry Murray Co, de Glasgow na Escócia, sob encomenda da Companhia Nacional de Navegação a Vapor. Apresentava 66 metros de comprimento, 7,8 metros de boca, 2,7 metros de pontal e 2,4 de calado. Deslocava 300 toneladas de carga e 116 toneladas de carvão.
Sua máquina de sistema Compound desenvolvia uma força nominal de 190 HP movimentando um hélice que mantinha uma marcha de 11 nós.
Tinha acomodações para 160 pessoas (80 na 1ª e 2ª classe e outras 80 na 3ª classe) e uma tripulação composta por 40 homens.
Lançado ao mar em 12 de maio de 1879, servia as linha do sul da Companhia Nacional de Navegação a Vapor do Rio de Janeiro até Buenos Aires e Montevidéu (Uruguai) .
Após a Guerra do Paraguai foi empregado na carreira de Montevidéu e Mato Grosso. Antes de sua última viagem sofreu grandes reparos e foi vistoriado fazendo as experiências de máquinas na Baía de Guanabara.
Em sua penúltima viagem a Mato Grosso, não se permitiu que aportasse em Montevidéu por ter tocado em Buenos Aires, cidade contaminada com a cólera. Por isso, foi determinado que o Rio Apa seguisse para Ilha Grande, RJ. Onde deveria cumprir a quarentena no Lazareto.

A viagem

Rio Apa rotaNo início do mês de julho, o Rio Apa largou do Rio de Janeiro sob o comando do Capitão-de-Mar-e-Guerra Eduardo Pereira Franco.  A bordo 160 passageiros e tripulantes, muitos militares e suas famílias que se dirigiam a Corumbá, via Bacia do Prata e depois pelo Rio Paraguai.
Escalou em Santos, Paranaguá, Itajaí e Desterro (Florianópolis), onde embarcaram vários passageiros.
O Rio Grande do Sul possuía um litoral extremamente perigoso a navegação no século XIX. Com cerca de 600 km de extensão uma forma retilínea e de baixa altitude, sem baías e portos abrigados a primeira entrada era na lagoa dos Patos através da barra de Rio Grande (RS). Além disso, ele está sujeito a fortes ventos, ondas e alterações climáticas rápidas. Um dos ventos predominantes na região, difícil de ser previsto na época, é o chamado de “carpinteiro da praia”.
No dia 10 o vapor foi avistado passando a cerca de três milhas por fora dos bancos de areia do litoral em frente a cidade de Mostardas (RS) rumando para Rio Grande onde deveria desembarcar carga e alguns passageiros que continuariam a viagem para Pelotas e Porto Alegre, enquanto o Rio Apa seguiria para Montevidéu.

O Naufrágio

Rio Apa noticia 04O Rio Apa chegou à perigosa barra de Rio Grande por volta das duas da tarde do dia 11, sendo avistado pela praticagem, que enviou em sua direção a lancha São Leopoldo. Até 1915 a barra não possuía nenhuma proteção de molhe e o calado atingia apenas máximo 3 metros, só sendo vencida com segurança sob condições específicas e com a ajuda de práticos. Ainda assim, muitos destroços de embarcação ao longo do canal, testemunhavam a difícil trajetória até o interior do porto.
A cerração aumentou e o vapor foi perdido de vista, voltando a lancha ao interior da barra.
O mau tempo e a forte cerração, já há alguns dias açoitava o sul do continente. Mas às nove horas da noite, o tempo piorou muito com o vento “carpinteiro”, soprando de SSE com força ciclônica e ondas com mais de 6 metros.
O Rio Apa, que passaria a noite fundeado a aproximadamente quatro milhas fora da barra, teve de suspender âncoras e rumar ao largo para enfrentar o forte vento, que já se transformava em um tufão.
O mesmo o temporal provocaria na barra do Rio Grande o naufrágio da escuna Eboni, do patacho Dona Guilhermina da escuna nacional Evori e do Rio Jaguarão, perto de Maldonado, na costa do Uruguai.
A partir daí, perdeu-se a localização do paquete e mesmo no dia seguinte não foi possível localizar o navio. Rapidamente começaram as especulações. Alguns alegaram que foi destroçado na costa da localidade do Araçá na inacessível e isolada costas do Albardão, RS. outros que o navio aguardava ao largo até que as condições para a entrada na barra fossem adequadas.
Com o passar dos dias  sem notícias e o aumento da tensão, foi solicitada à Companhia Nacional de Navegação a Vapor providências no sentido de enviar paquetes em busca do Rio Apa. No dia 15, o navio já era dado como desaparecido e foi ordenado ao vapor Lima Duarte que iniciasse uma busca. A Companhia Nacional determinou que o vapor Rio Jaguarão, rumasse de Desterro em busca do Rio Apa. Esse vapor durante a busca do Rio Apa acabou se acidentando no dia 13 de julho e também naufragou na Ponta E de Maldonado (atual Punta Del Leste) no litoral do Uruguai.
No dia 16 de julho os primeiros destroços do navio começaram a ser localizados espalhados por milhas nas praias ao norte da barra, já não deixando dúvidas do naufrágio. Somente no dia 25 o primeiro cadáver de um soldado, de muitos que surgiriam, foi localizado próximo a Araçá.
A partir do dia 26 começaram a aparecer cadáveres em grande número, principalmente próximo à vila do Bojurú (atual São José do Norte). Os jornais da época divulgavam que os cadáveres que chegaram as praias estavam vestidos com coletes, alguns com marcas de ferimentos de punhaladas, que podiam revelar uma luta pela vida. Outros com evidência de terem perecido por inanição.
Muitos cadáveres foram enterrados na própria praia, devido a presença de urubus e animais selvagens e a impossibilidade de transporte devido ao terreno inacessível por falta de estradas. Ainda assim, houve a denúncia que os corpos estavam sendo vilipendiados por grupos de bandoleiros, com corte de dedos para remoção de anéis e até mãos decepadas, falta de roupas, dinheiro e joias e outros volumes revirados.
Rio Apa naufragos
O fato gerou muita indignação e vergonha na sociedade, mas cabe lembrar, que denúncias de naufrágios provocados e roubo aos náufragos como está, eram comuns nas distantes praias do sul. Em 1761, este havia sido um dos protestos do governo inglês em relação ao naufrágio e vítimas do Prince of Wales, sinistrado na costa do Albardão na famosa “Questão Christie”. Investigações descobriram que nos ranchos e casas da costa, existia uma grande quantidade de objetos do navio, que foram lançados à praia em malas e caixas.
A capacidade total de passageiros do Rio Apa era de 160 pessoas, mais 40 tripulantes. Quando partiu do Rio de Janeiro haviam a bordo 160 pessoas. Porém, nas escalas muitas pessoas embarcavam e desembarcavam sem registro e não existia registro de crianças de colo e escravos.
Assim, nunca se apurou com exatidão o número de pessoas que estavam no navio no momento do sinistro e o número de mortos, as autoridades estimaram em 113 pessoas e os jornais vincularam que houve entre 107 e 126 pessoas.
A imprensa criticou fortemente à companhia de navegação alegando que o vapor de rodas de fundo chato não estava em condições e navegar na região, às autoridades, o serviço de praticagem, pelo despreparo no socorro às vítimas e o descaso com os corpos insepultos sendo saqueados por dias nas praias.
Alegaram que todos morreram de fome, frio e sede derivando por 15 dias nas frias águas da região ou assassinados nas praias desertas.

As consequências do naufrágio

Rio apa barra rgO Rio Apa enfrentou condições difíceis, vento fortes e ondas altas. Provavelmente começou a fazer água, perdeu capacidade de movimento e acabou submergindo. Não podemos saber se os passageiros abandonaram o navio antes ou durante seu naufrágio. É pouco provável que, como alguns alegam, tenha emborcado subitamente, já que um escaler e muitos cadáveres foram encontrados nas praias com coletes salva vidas, indicando que houve tempo para a preparação de abandonar o navio.
A tragédia e sua reação popular provocou a melhoria no sistema de previsão do tempo na região sul do Brasil e o início da construção dos molhes da barra de Rio Grande, que evitam o assoreamento do canal e facilita o acesso ao interior do porto, mesmo sob condições de ondas e correntes fortes.
A obra ficou pronta somente em 1915 e na década de 1970 e 2010 foi ampliada sucessivamente.

Rolar para cima