Especial – Scapa Flow

O cemitério de navios do Atlântico

Texto: Maurício Carvalho

Naufrágios de  Scapa Flow
Alemães: SMS König, SMS Markgraf, SMS Kronprinz Wilhelm, SMS Brummer, SMS Cöln, SMS Dresden, SMS Karlsruhe.
Britânicos: HMS Royal Oak e HMS Vanguard


Escócia – Ilhas Orkeis – Scapa Flow 

Scapa flow mapa01Scapa flow mapa3O porto natural de Scapa Flow  vêm do antigo nome nórdico Skalpaflói, que significa “baía do longo istmo”.  Ele se localiza em uma área bastante abrigada no meio das ilhas Órcades (Orkeis), um arquipélago composto de 70 ilhas com  17 passagens para o mar aberto. O arquipélago é situado  na ponta nordeste da Escócia e a cerca de 16 km do Estreito de Pentland, que separa o Atlântico Norte do Mar do Norte.
O porto possui 140 milhas quadradas de extensão, fundo arenoso e profundidade relativamente pequena. As ilhas e seus ancoradouros são frequentados a mais de mil anos por frotas, como a dos Vikings, que circulavam pela região. No início do século XIX, durante as Guerras Napoleônicas o Almirantado britânico demonstrou pela primeira vez interesse pela área e em 1904 a Inglaterra instalou uma base na região em resposta ao aumento da marinha de guerra da Alemanha dos kaisers (Kaiserliche Marine). Nos anos sucessivos, foi instalada grande quantidade de minas, artilharia costeira, barreiras de concreto e redes submersas de aço para a proteção da entrada do porto contra submarinos.

Na Kaiserliche Marine (Marinha do Kaiser) SMS significa “Seiner Majestät Schiff”. Em português, a tradução seria “Navio de Sua Majestade” semelhante ao HMS da Marinha Inglesa.

 


Scapa Flow Vanguard
Encouraçado HMS Vanguard

Primeira Guerra Mundial
No início da Primeira Guerra Mundial, foram construídas mais defesas e navios antigos foram afundados como “blockships”, selando alguns canais.
Foi dessa base que partiu em maio de 1916 a Grande Esquadra para enfrentar a Frota Alemã na famosa Batalha da Jutlândia.
No ano seguinte, o encouraçado HMS Vanguard explodiu enquanto estava ancorado, matando 843 homens. A causa do acidente parece ter sido a mesma da perda do nosso encouraçado Aquidabã, a combustão espontânea da cordite (almofadas de pólvora utilizada nos canhões).
Depois de assinado o armistício de Compiègne em 11.11.1918, que encerrou as hostilidades na Primeira Guerra Mundial, os Aliados determinaram que a frota de U-boats da Alemanha deveria ser aprendida, mas não chegaram a um acordo sobre o destino da frota de alto mar. Os Estados Unidos sugeriram internação em portos neutros como Noruega e Espanha, mas essas nações recusaram, os ingleses queriam afunda-los e outras nações do conflito queriam tomar posse dos navios.
Se a frota não fosse entregue os aliados ameaçavam  invadir o território alemão.
Scapa Flow Frota 02primcross2
As primeiras embarcações entregues em Harwich foram 176 U-boots. No dia 21.11.1918, Setenta e quatro navios da Marinha Imperial Alemã, com tripulações mínimas, foram escoltados por unidades da Marinha Real Britânica até Scapa Flow.  Permanecendo lá até que as reuniões em Versalhes (Tratado de Versalhes – 28.06.1919) decidissem os termos da paz e as indenizações de guerra. 
Algumas das mais importantes unidades da Marinha Imperial Alemã, que ainda flutuavam, ficaram ancoradas na região. Entre as maiores unidades estavam os encouraçados Baden, Bayern, Friedrich der Grosse, Grosser Kurfürst, Kaiser, Kaiserin, König, König Albert, Kronprinz Wilhelm, Markgraf, Prinzregent Luitpold e os Cruzadores Derfflinger, Hindenburg, Moltke, Seydlitz, Von der Tann, Bremse, Brummer, Cöln, Dresden, Emden, Frankfurt, Karlsruhe, Nürnberg, além de dezenas de torpedeiras e barcos de apoio.
A moral das tripulações estava muito baixa, poucos suprimentos, comida ruim, disciplina baixa,  cuidados de saúde precários e a impossibilidade de desembarque tornaram as condições de cativeiro críticas. Muitos dos capitães alemães discordavam da possibilidade de entregar seus navios aos ingleses.
O almirante Ludwig von Reuter comandante da frota declarou “É minha intenção afundar os navios apenas se o inimigo tentar tomar posse deles sem o consentimento de nosso governo. Caso nosso governo concorde nos termos de paz com render os navios, então os navios serão entregues, para a duradoura desgraça daqueles que nos colocaram nesta posição”.

Scapa Flow mapa naufragiosEm 21.07.1919 a frota britânica da região deixou o porto para exercícios em alto mar, aproveitando-se disso o almirante von Reuter, acreditando que as negociações de paz haviam fracassado, sinalizou às 11h 20 minutos por bandeiras e luzes  para que seus capitães, que já estavam preparado, afundassem os próprios navios. Muitas válvulas foram abertas, encanamentos destruídos, portinholas, portas estanques e tampas de condensador foram deixadas abertas e em alguns navios buracos foram feitos através de anteparas, facilitando a entrada da água e resultando no afundamento de 52 navios na frente dos “surpresos” ingleses que opuseram pouquíssima resistência a operação.
A operação resultou no afundamento ou encalhe de quinze dos dezesseis encouraçados e cruzadores de batalha; cinco dos oito cruzadores rápidos; e 32 dos cinquenta torpedeiros.

Os tripulantes foram presos e acusados de reiniciar a guerra, mas posteriormente foram repatriados. O comandante Reuter que assumiu a responsabilidade permaneceu preso no Reino Unido até janeiro de 1920.
Depois de assinado o tratado de Versalhes os encouraçados Baden e cruzador Nürnberg foram transferido para aos britânicos, os cruzadores leves Bremse e Enden passaram ao controle francês e o cruzador Frankfurt aos norte-americanos. Os demais foram deixados no fundo pois o custo do resgate era alto demais para as nações que se recuperavam de 4 anos de guerra.

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“Quando uma guerra começa a primeira vítima é a verdade – Hiram Johnson,”
Vale lembrar que os ingleses já suspeitavam que os alemães não entregariam seus navios de combate, pois isso, aumentaria a diferença de poder bélico com as demais nações europeias no pós guerra. Além disso os ingleses também desejavam anteriormente o afundamento desses navios, assim evitariam a transferência de tecnologias à nações como Estados Unidos e França, mantendo a vanguarda da Marinha britânica.

Em 1923 o empreiteiro Ernest Cox comprou o direito de resgate sobre 26 barcos torpedeiros, além do Hindenburg. por meio de sua empresa Cox & Danks. Ele desenvolveu uma técnica para erguer os navios e leva-los a pontos mais rasos pra desmanche. A maioria dos navios alemães foi  resgatada entre 1928 e 1935 em uma das maiores operações de salvamento. Entre eles estavam: o encouraçado Bayern, Friedrich der Grosse, Grosser, Kurfürst, Kaiser, Kaiserin, König Albert, Prinzregent Luitpold e os cruzadores Derfflinger, Hindenburg, Moltke, Seydlitz e Von der Tann.

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Operação de resgate dos navios em Scapa Flow. Mergulhadores fechavam os buracos e ar era injetado nos navios até que flutuassem, após o que, eram rebocados para o raso a fim de serem desmontados.

Em um ano e meio ele conseguiu levantar 24 dos 26 torpedeiros. Em seguida partiram para a recuperação de dois cruzadores de batalha e cinco couraçados, porém com o começo da Segunda Guerra Mundial encerraram-se as operações.
Apenas 7 dos 52 navios permanecem em Scapa Flow, embora vestígios de outros ainda possam ser vistos no fundo.
Depois de todas as intervenções sete embarcações permanecem no fundo de Scapa Flow e hoje são locais de mergulho protegidos por lei.

scapa flow SMS Markgraf Scapa Flow SMS Karlsruhe Scapa Flow SMS Dresden
SMS Markaraf, SMS Karlsruhe, SMS Dresden

Scapa Flow SMS Coln Scapa flow SMS BrummerScapa flow Kronig
SMS Cöln, SMS Brummer, SMS Koning
Scapa Flow Kronprinz WilhelmSMS Kronprinz Wilhelm considerado um dos 10 melhores naufrágios da Europa


Segunda Guerra Mundial
Em 1937 com o aumento das tensões entre os países europeus e a Alemanha de Hitler a base de Scapa Flow foi reativada. Foram construídos tanques de combustível subterrâneos, depósitos de munição, hospital entre outras instalações, além de novas providências para proteger da invasão de submarinos, como o fechamento de algumas passagens. Esses bloqueios ficaram conhecidas como barreiras de Churchill e foram construídas por 1.200 prisioneiros italianos.

Uma das mais espetaculares missões de guerra
Scapa flow Gunther Prien Scapa flow u47Apesar de todas as proteções instaladas pelos ingleses, em 14 de outubro de 1939 ainda no início da Segunda Guerra Mundial o submarino alemão U-47, comandando pelo capitão Günther Prien, penetrou pela superfície furtivamente durante uma noite sem lua através de brechas abertas nas defesas do porto pela maré alta no estreito de Kirk Sound, no lado leste de Scapa Flow.

O U-boat U-47 e seu comandante  capitão Günther Prien seriam condecorados por Hitler pela operação do afundamento do HMS Royal Oak

Scapa flow Royal OakAs 00h58 minutos o U-47 lançou quatro torpedos contra o encouraçado inglês Royal Oak. Um dos torpedos ficou preso no tubo, dois erraram e o terceiro atingiu a proa da nave inglesa, porém com poucos danos. Acreditou-se que era uma explosão de combustível. O submarino recarregou seus tubos e lançou mais três torpedos que acertaram o encouraçado a meia nau. A munição explodiu e o Royal Oak logo adernou 45º, emborcou e afundou às 1h 29 minutos.
O ataque provocando a morte de 833 tripulantes em uma das mais audaciosas missões de toda a guerra. O capitão Reginald Nichols, sobrevivente da explosão do HMS Vanguard em 1917, estava a bordo do HMS Royal Oak e novamente sobreviveu.


Nos dias de hoje
Hoje Scapa Flow, além de possuir terminais petrolíferos que dão apoio a exploração do Mar do Norte é um dos pontos de maior atração para mergulhadores na Grã-Bretanha e conhecido como o cemitério do Atlântico. Embora com águas frias e não tão claras, as profundidade entre 30 e 40 metros fornecem condições de mergulho aceitáveis para os exploradores de destroços. Existe um Museu e o Centro de Visitantes de Scapa Flow, em Lyness, preserva parte da história do local.
Ainda existem sete navios da Frota de Alto Mar Alemã afundados em Scapa Flow. Os encouraçados SMS König, SMS Markgraf, SMS Kronprinz Wilhelm e os cruzadores Leves, SMS Brummer, SMS Cöln, SMS Dresden, SMS Karlsruhe, Além destes, existem os naufrágios britânicos HMS Royal Oak e HMS Vanguard. No entanto, são considerados túmulos de guerra e o mergulho neles requer permissão especial.
Ainda existem também vários “blockships” (navios afundados propositalmente em águas rasas para bloquear entradas) e outros destroços menores espalhados pela área.


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