Matéria – Gruta dos Ecos. Uma incursão ao Planalto Central

Revista Mergulhar, ano IV, Nº 17, outubro/1985 - Texto e Fotos: Sergio Costa

OBSERVAÇÃO: É importante lembrar, que desde a publicação do artigo muitas técnicas de mergulho em cavernas foram aperfeiçoadas e adoptadas. Assim o texto técnico, deve servir como fonte de pesquisa histórica, não devendo ser as técnicas de mergulho tomadas como as melhores e mais atuais.


 FGrutEcos2 Depois de muitos meses de expectativa aqui estou eu, entre dois blocos, numa superquadra sul ou norte, não me lembro direito do número — nem me lembro se tinha um número! São 4:30 da manhã e o dia será quente, posso sentir isso no ar.
Bem, esta não é uma mensagem em código. O fato é que estou em Brasília, bem no meio do plano-piloto, e é aqui, na continental e moderna cidade que estão terminando os preparativos do meu próximo mergulho. Maurício, meu anfitrião, acerta os últimos detalhes juntamente com um notável grupo de espeleólogos que acompanharei. As 5 horas a Caravana de automóveis desfila pelas grandes avenidas iluminadas. As obras de Niemeyer passam na minha frente na madrugada quente e ainda escura. Depois de ter alcançado a BR-070, chegamos ao quilômetro 43 da mesma rodovia e deixamos o asfalto, entrando à direita numa estrada de terra. O céu já não está mais tão escuro. Aos poucos surge no horizonte um sol limpo e avermelhado.
Chegamos lá
As manobras para descarregar o material são rápidas, tudo foi muito bem planejado. Da estrada até a entrada da gruta deve ter cerca de 200 metros de caminhada relativamente fácil. O local é a fazenda Cuiabá, no município de Corumbá (GO). Com o amanhecer percebo que estamos na encosta de um grande vale. Esta é uma época de seca e, portanto, a preocupação maior é com o nível da água no lago interno. Se ele estiver seco, adeus mergulho. Chegando na entrada da caverna, Carlos, um dos mais experientes espeleóIogos do grupo, desce rapidamente na gruta. Ele terá que examinar o nível da água no lago.
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Apoiado a uma árvore fico esperando notícias que, certamente, virão dentro de 10 ou 15 minutos. O sol começa a subir entre os galhos das árvores, iluminando fracamente as pedras da entrada da gruta. O grupo aguarda em silêncio.
Tento lembrar de ‘tudo o que li na véspera sobre a caverna. Estamos a 1000 metros de altitude. Teremos que descer cerca de 120 metros para chegar até o lago, num percurso de 1,5 km. As primeiras informações sobre a gruta vêm de 1973, mas somente dois anos depois, no dia 17 de março, é que ela foi explorada até as margens do lago interno.

O mergulho
Maurício, Carlos e eu começamos a nos equipar, iluminados pelas lâmpadas de acetileno. Alguns membros do grupo, vencidos pelo cansaço da descida, estão deitados, não saberia dizer se dormem.
Com a água na cintura, aguardo os dois mergulhadores que irão me acompanhar. Os nossos movimentos deixaram a água em volta completamente turva, uma nuvem cinza-prateada subiu do fundo do lago. Pela ausência de movimentação da água, a nuvem não se deslocou mais. Com o meu equilibrador totalmente vazio, depois de ter nadado alguns metros na superfície, afundei na nuvem sem enxergar praticamente nada. Ajoelhado no fundo, a 3 metros, iniciei a manobra de equilíbrio. Não podia evidentemente ficar nadando na vertical, correndo o risco de levantar mais poeira.
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Em perfeito equilíbrio comecei a nadar na direção para a qual achava que estava o centro do lago. A impressão que tive foi de estar saindo de uma nuvem para uma fantástica paisagem lunar com blocos de pedra jogados no fundo. A transparência da água deixava ver com nitidez o inflável de apoio na superfície e os meus companheiros, que agora estavam me seguindo.
As formações rochosas apareciam com toda a sua frieza e magnitude. Lembrei-me das obras de Niemeyer. A água tinha uma temperatura agradável. As tochas das paredes eram tão frágeis que as nossas bolhas de ar, ao baterem nelas, soltavam fragmentos. Como minha garrafa e a do Carlos apresentaram um pequeno vazamento, seria melhor não tentar passar o sifão que existe, nem tentar explorar os túneis que aparecem nas laterais. Até mesmo porque não vínhamos preparados para isso.
Inevitavelmente, após alguns minutos num local fixo, a visibilidade vai se reduzindo gradativamente. E é por isso que, na busca de lugares de águas claras, consegui ter ideia da grandiosidade do lago. Quanto mais me deslocava, mais lugares claros encontrava, até o momento em que reconheci algumas tochas por onde já havia passado. Neste local a água voltara a estar razoavelmente limpa. A explicação para isto está nas partículas minerais, bastante pesadas, que descem mais rápido do que poderíamos esperar. Já haviam se passado 45 minutos. Durante esse período atingimos a profundidade máxima de 15 metros, sendo que a média ficou em torno dos 6 metros.
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A luz, novamente
É claro que o mergulho só terminou quando o filme da máquina chegou ao fim. Ao sair da água percebi o quanto o ar estava úmido. Naquela escuridão o controle do equipamento deve ser muito cuidadoso, porque seda muito fácil esquecer alguma peça. Para evitar ísto, Maurício tratou de preparar, anteriormente, uma check-list para cada sacola possibilitando que todo o material que entrou voltasse no mesmo volume.
Lá embaixo perde-se a noção do tempo. É preciso consultar permanentemente o relógio. A subida para a luz começou pouco depois do meio-dia, e apesar do cansaço a volta foi mais rápida. Uma hora depois já estávamos sentados ao sol. Foi difícil sair daquele mundo estranho, onde a natureza, mesmo não estando viva, nos surpreende com toda a sua beleza.
Olhando-nos do alto de um galho, um mico veio nos dar as boas-vindas. Para mim, foi uma maneira inédita de terminar um mergulho.

FGrutEcos5Gruta dos Ecos está situada a 48°15′ W e 15°42’S. A cota da entrada principal está a 1050 metros acima do nível do mar. Ela estende-se por 1600 m e tem um desnível de 115 m. O lago de 300 metros está parcialmente explorado — não existe um mapeamento do fundo, provavelmente existem outros sifões além do que encontramos, chamado de Salão dos Morcegos.

Os interessados em espeleologia — estudo e exploração das cavidades naturais (grutas e cavernas) — em espeleosub podem procurar os seguintes endereços:
1) Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) — R. 24 de Maio, 62, Conjunto 465, CEP 01041, São Paulo, SP;
2) Grupo de Resgate e Exploração de Cavernas (GREC) — Caixa Postal 14 — 2210, CEP 70349, Brasília, DF.
3) Espeleo-Grupo de Brasília (EGB) — Caixa Postal 07-468, CEP 70000, Brasília DF.

OBS: Na matéria original constam outros fotos

O GREC foi fundado em 1984 e já é um grupo muito ativo. Conta atualmente com 25 membros, que se reúnem todas as quintas-feiras. Nestes encontros são discutidos os detalhes das excursões e examinados os resultados dos trabalhos em andamentos. Atualmente o GREC está desenvolvendo o Projeto Bagrus – 0 nome foi baseado em um peixe encontrado em certas cavernas, o Bagre-cego (Typhlobagrus kronei) — que pretende localizar e explorar lagos subterrâneos das grutas da região do planalto central. O responsável pela parte de mergulho do grupo é Maurício Borges de Carvalho.

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