Revista Mergulhar, ano VII, Nº 50, julho/1989 - Maurício Carvalho
OBSERVAÇÃO: É importante lembrar, que desde a publicação do artigo, muitas técnicas de mergulho foram aperfeiçoadas e adotadas. Assim o texto técnico, deve servir como fonte de pesquisa histórica, não devendo ser as técnicas de mergulho tomadas como as melhores e mais atuais.

O mergulho noturno é sem dúvida, uma das especialidades mais fascinantes da atividade do mergulho. Tanto o fotógrafo quanto os interessados em biologia têm a possibilidade de conseguir bons resultados, pois o período noturno oferece a oportunidade de mais aproximação dos organismos marinhos, que durante o dia, permanecem escondidos em suas tocas, só saindo à noite a procura de alimento; ao contrário dos animais de atividade diurna, que ficam deitados no fundo “dormindo”. Um mergulho noturno, em local já considerado bastante conhecido, pode reservar agradáveis surpresas, pois no período da noite, como já se viu, a fauna é muito diferente da encontrada durante o dia.
P!anejamento
Tudo deve começar com um planejamento adequado. As condições do mar devem ser tranquilas. O mar agitado dificulta a natação e prejudica a visualização do mergulhador para reencontrar o barco, enquanto que a água !curva acarreta inconvenientes para a atividade. Uma boa pedida é escolher locais abrigados, sem correnteza e tráfego de barcos. As profundidades devem ser consideradas com cautela. A luminosidade oferecida pela Lua pode ser fator decisivo para o sucesso da incursão. Na lua cheia é possível, a pouca profundidade, até nadar sem o auxílio da lanterna, porém, se não houver luar, o envolvimento com o ambiente noturno será ainda maior. O recomendável é que os primeiros noturnos sejam feitos com este tipo de lua para, mais tarde, com a experiência adquirida, passar-se a um grau maior de escuridão. Desta forma, você irá se acostumando lentamente a esta atividade.
Embora recomende-se que o fundeio da embarcação deva ser feito preferencialmente durante o dia nessas condições haverá mais luz para um bom reconhecimento da área na superfície -, deve-se esperar, no mínimo, três horas após o pôr do sol para que a fauna marinha esteja totalmente em seu ciclo noturno. Após este período, muitos peixes estão em estado de “sono” profundo, podendo até serem tocados.
Faz parte do bom planejamento, uma boa arrumação do material na bolsa. Isso facilitará em muito a equipagem, caso não haja muita luz no barco; um agasalho para depois do mergulho não deve ser esquecido, pois o sol não estará lá para dar “aquela força”.
Equipamentos

Um bom truque, que facilita o controle do relógio, profundímetro, manômetro e bússola, imprescindíveis em um noturno, é prender uma pequena lanterna (tipo lampo) à tira lateral da máscara (Foto 1). Desta forma, sempre haverá um foco curto de luz direcionado ao ponto em que você estiver olhando. Uma outra lanterna, des-se mesmo tipo, presa ao registro da garrafa facilitará sua localização pelos companheiros (Foto 2). Também é possível o uso de pequenos bastões (importados) de luz química com a mesma função, porém são caros, enquanto a pequena lanterna é bastante satisfatória, reutilizável e de preço acessível.
Seda conveniente que cada grupo de mergulhadores possuísse uma lanterna extra, para o caso de falha em alguma das principais.
Aproveite alguma lâmpada forte no barco para expor por alguns minutos os equipamentos de controle; desta forma, as marcações fosforescentes estarão mais visíveis debaixo d’água. A entrada na água merece cuidado especial. O primeiro mergulhador deve cair já com a lanterna, para evitar uma desorientação causada pela escuridão na água; os outros serão iluminados pelo companheiro que já está no mar, recebendo depois a lanterna das mãos de alguém a bordo.
Desorientação espacial e sensação de desconforto inicial são comuns no início do mergulho, haja visto que todos os órgãos do sentido têm seus referenciais alterados. Assim, procure nadar calmamente iluminando com antecedência os locais para onde você se dirige.
Outro problema frequente é causado pela falta de costume em mergulhos noturnos e manuseio da lanterna. Ao apontá-la para o companheiro, faça-o sempre de modo que o rosto do parceiro esteja na zona de penumbra, para isto basta apontar o foco para a cintura ou os pés, dependendo da área de iluminação de sua lanterna. A luz voltada diretamente para o rosto do companheiro provocará ofuscamento, impedindo totalmente a comunicação.
Qualquer sinal manual deve ser iluminado pela sua própria lanterna (espere o OK de resposta), garantindo assim que o companheiro tenha entendido a mensagem. Além dos sinais manuais de uso genérico, existem ainda alguns de uso específico para o mergulho noturno (Fig. 3). Não procure chamar atenção do companheiro agitando a lanterna na sua direção, pois isso pode ser interpretado como um sinal de emergência; se for necessário, bata com a faca na garrafa. Embora na água não possa ser identificada a direção do som, este indicará ao companheiro sua intenção em chamá-lo.

Na hora de emergir, lance o facho de luz para a superfície. Desta maneira, você poderá certificar-se de que não há nenhum obstáculo e também auxiliará o responsável (a bordo) a marcar sua posição.
Para facilitar a volta dos mergulhadores ao ponto de saída, podem ser tomadas algumas medidas quando o mergulho for feito a partir de um barco, este deve permanecer bem iluminado para facilitar sua localização. Alguns barcos mais bem preparados utilizam flash subaquático que dá disparos, em intervalos de tempo, para direcionar os mergulhadores, porém tal dispositivo perturba por demais a fauna local. No caso de local de saída ser uma praia, pode-se utilizar a iluminação de prédios ou até faróis de carros como referencial; se não existir iluminação, duas fogueiras podem-se tornar ótimos pontos de referência, sendo, inclusive, utilizadas em alinhamento para direcionar a natação (Fig. 4). É importante que alguém permaneça na praia como responsável.
A fauna noturna 
É muito comum observar-se na superfície uma quantidade de pontos fluorescentes que são produzidos por organismos do plâncton. Esta bioluminescência é bastante evidente no contato com os corpos dos mergulhadores, quando estes nadam na superfície; e na zona de arrebentação da periférica – um espetáculo inesquecível.
Procure iluminar os animais com a área de luz menos concentrada da lanterna, de maneira a não perturbá-los demais – a fábrica Dacor produz uma lente vermelha para suas lanternas que minimiza este problema. Não é boa ideia tentar segurar alguns peixes (badejos, garoupas e borboletas), pois, despertando de súbito, levantam os espinhos da nadadeira dorsal, podendo infligir dolorosas picadas; já os peixes-papagaios podem até ser acariciados sem acordarem. Estes estranhos peixes produzem uma capa de muco que os envolve por inteiro durante o “sono”. Aproveite para observar os pólipos de corais que à noite ficam expostos fora do esqueleto calcáreo, de forma a capturar animais microscópicos que fazem parte de sua “dieta”.
A noite, moreias e congros costumam “nadar” pelo fundo à procura de suas presas. Nesta hora, as moreias tornam-se mais agressivas por estarem com o corpo desprotegido; haja com cautela, evitando acuar os animais. Vale a pena prestar atenção aos caranguejos que são tão pouco observados durante o dia. Você ficará surpreso com a variedade de espécies que podem ser encontradas.
Por fim, mergulhe bem protegido, com roupa completa, joelheiras e luvas. À noite fica difícil evitar o contato com os longos filamentos das medusas e com os ouriços.
Com esses cuidados, pode-se desfrutar excelentes mergulhos – diferentes dos habituais diurnos – e sentir o dinamismo do ecossistema marinho.
OBS: Na matéria original constam outros fotos.
Maurício Borges de Carvalho é supervisor de mergulho em gruta. Mergulhador autônomo 3 estrelas. Acadêmico de biologia, Fundador do GREC.
Curso de Mergulho em Naufrágios
Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.