O naufrágio da Nau Rainha dos Anjos

O grande tesouro do imperador da China

Naufrágio em 16.06.1722 na Baía de Guanabara - Texto: Maurício Carvalho

A nau Rainha dos Anjos

Rainha dos anjos sao gabriel
Nau São Gabriel semelhante ao Rainha dos Anjos


Esse veleiro armado português foi lançada ao mar em 1714. Apresentava 43,2 metros de comprimento e estava armada com 56 canhões de calibres variados, entre 6 e 18 libras e para o funcionamento deles transportava 80 barris de pólvora. Entre tripulação e soldados podia transportar até 350 homens e na época, era uma das mais poderosas embarcações da coroa portuguesa.
Em 1717 a nau, comandada pelo infante Dom Francisco, irmão do rei Dom João V, fez parte da esquadra portuguesa e aliados cristãos que enfrentaram os Turcos e forçaram a retirada da Armada Otomana no Cabo Matapam na costa sudoeste da península do Peloponeso, no sul da Grécia.

A viagem para as colônias da China

Em 25 de março de 1720 o Rainha dos Anjos partiu de Lisboa (Portugal) para a Macau, colônia portuguesa na China, levando a bordo o Monsenhor Carlo Mezzabarba, Patriarca de Alexandria. Ele era o enviado especial do Papa Clemente XI, na tentativa de reverter os atritos diplomáticos entre a Santa Sé e o imperador chinês Kangxi, que já mandou prender o emissário anterior, pelo começo de um trabalho de catequese no território chinês.  O Imperador chinês Kangxi (nome do período) fiou conhecido por unificar e expandir o território chinês e produzir gerações de prosperidade.
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Os personagens que tornaram a Nau Rainha dos Anjos famosa: Papa Clemente XI, Don João V, rei de Portugal, imperador chinês Kangxi e o Monsenhor Carlo Mezzabarba, enviado do Papa. 

Rainha dos anjos porcelana 01Rainha dos anjos porcelana 02Um dos pontos de atrito era a aceitação da bula papal de 1715 “ex illa” que eliminava ritos de adoração a Confúcio da população chinesa.
Embora Mezzabarba não tenha conseguido a aceitação do imperador chinês, houve uma acomodação diplomática em nome dos interesses comerciais pela seda, especiarias, porcelanas e tantos outros itens que tornaram a Companhia das Índias, a nobreza europeia e o Imperador e comerciantes chineses milionários.
Depois de uma viagem de dois anos, no dia 9 de dezembro de 1721 o Rainha dos Anjos iniciou a viagem de retorno a partir de Macau. A bordo estavam sessenta caixas de presentes do imperador para o rei Don João V e para o papa Inocêncio XIII que sucedera o papa Clemente XI, após sua morte em março de 1721.
Eram as mais finas e sofisticadas porcelanas, joias e barras de ouro, pedras preciosas e pérolas, além de centenas de peças dos finos tecidos do Oriente.
Porcelanas de período KANGXI (1662-1722)

Rainha dos anjos rotaSegundo os relatos, o valor e importância diplomática da carga era tão elevada que o padre jesuíta Antônio de Magalhães, embaixador do imperador chinês, assim que a nau aportou na Baía de Guanabara, pediu ao Governador do Rio de Janeiro, General Aires de Saldanha, para desembarcar e acautelar o tesouro.
O Rainha dos Anjos em seu regresso passou por Goa na Índia, onde além de carga embarcou o corpo de um governador português, conservado num barril de vinagre, para ser enterrado na terra natal. Escalou no Cabo da Boa Esperança, cruzou o Atlântico para uma escala de reabastecimento no Rio de Janeiro, de onde seguiria para Salvador (BA) e depois Lisboa e seu destino final a Itália.


O Naufrágio

Rainha dos anjos porto originalO Rainha dos anjos atracou no porto do Rio de Janeiro no dia 15 de maio de 1722. O ponto exato de sua ancoragem é um grande dilema e difícil de determinar pois, a região do porto sofreu ao longo dos anos um continuo processo de modificação por aterros sucessivos.
Um dos relatórios indica como ponto de ancorassem o chamado Poço da Guanabara. A área compreendida ente a ilha das Cobras e o antigo forte de São Tiago da Misericórdia (na ponta do Calabouço), aos pés do morro do Descanso (depois morro do Castelo e posteriormente demolido na reforma de Pereira Passos). Essa região foi profundamente modificada com o aterro para a construção do Aeroporto Santos Dumont em 1933 e possivelmente soterrou outros navios afundados como  o couraçado  Javarí, naufragado na Revolta da Armada (1898).

Pelo mapa de 1870 percebe-se que a área de fundeio era bem próxima a atual praça XV (local de onde partem as barcas da Travessia Rio-Niterói). Podemos acreditar que em 1722, 150 anos antes, a área de fundeio, com muito menos navios de grande porte, fosse ainda menor.

Atracado em “frente a praça XV” área onde a cidade do Rio de Janeiro começou e por isso um ancoradouro natural o Rainha dos Anjos  permaneceu por um mês. Não parece razoável que não tendo sido desembarcado o tesouro o capitão optasse por ancorar o navio em área remota ao invés da área principal aos olhos de todos.
Rainha dos anjos aterrosNo dia 16 de junho de 1722 o navio já estava pronto para sua partida. As diversas narrativas e relatórios oficiais indicam que um marinheiro deixou uma vela acesa no porão e ela iniciou um incêndio. O navio começou a arder, o que atraiu a atenção da população da região costeira.
Segundo os textos do período, no momento do incêndio o capitão da Rainha dos Anjos, se preparava para jantar no Mosteiro de São Bento, localizado no Morro do Castelo, em frente ao local onde a nau estava ancorada e é possível que de lá o capitão tido visão privilegiada do início do incêndio.
Meia hora depois do incêndio começar, o fogo atingiu o paiol de munição e sucessivas explosões começaram a ocorrer. Finalmente uma explosão maior provocou a quebra do navio ao meio o seu afundamento rápido.
Os relatos dão conta de que os vidros de muitas casas estilhaçaram e até paredes racharam. O enorme estrondo acordou o resto da cidade.
Porém, como o incêndio começou lentamente os tripulantes desembarcaram antes da explosão, assim, embora existam diferentes relatos, não houve mortes ou o número de vítimas foi pequeno.

Pelo mapa criado a partir dos estudos da evolução da cidade do Rio de Janeiro, podemos facilmente perceber que a região entre a Ilha das Cobras e e Ponta do Calabouço sofreu fortemente com aterros ao longo do desenvolvimento da cidade, o que permite crer que a área de fundeio de 1722, esteja hoje debaixo da região de aterro do aeroporto Santos Dumont ou do porto do Rio de Janeiro em frente a praça XV.

As pesquisas pela localização

Muitos afirmam que o Rainha dos Anjos está sob o lodo da Baía de Guanabara com seu tesouro milionário, pois além dos presentes do Imperador da China para o Papa e para o Rei Dom João V, ainda existia a bordo todas as mercadoria da carreira da China que enriqueceu o Reino do Portugal.
Mas sendo o Brasil também contam que, não se autorizou o desembarque do tesouro para que fosse roubado e o navio incendiado para apagar os vestígios. Mas é difícil acreditar que roubos assim pudessem acontecer no nosso país.
Segundo o pesquisador Marcelo Ferrari “existe uma certidão da alfândega de Lisboa de 06.07.1722 até 24.06.1724 em que a coroa contrata Jorge Mainardy para fazer o salvamento do que fosse possível do Rainha dos Anjos”. Também existem cartas da Companhia das Índias cobrando a lista do material salvo do naufrágio.
Ranha dos anjos anfoas Rainha dos anjos anfora 2 Mas infelizmente pouca documentação existe. Cabendo lembrar que O arquivo Nacional da Torre do tombo com mais de 600 anos perdeu muito de seu acervo, além dos processos de deterioração natural ainda ocorreram o grande terremoto de Lisboa (1755) e o subsequente incêndio e transferência da corte portuguesa para o Brasil, durante a invasão napoleônica.
Pulando direto para o século XX. Foram relatados encontros de madeira e outros objetos próximo a Ilha das Cobras, mas considerando o fundo da Baía de Guanabara a quantidade de naufrágios ocorridos a intensa atividade urbana e a baixíssima visibilidade da água é muito difícil definir qualquer achado não específico.

Até mesmo ânforas fenícias já foram localizadas e autenticadas por institutos de pesquisa. Para que depois, ficasse provado que se tratavam de réplicas postas deliberadamente no fundo pelo mergulhador Americo Santarelli para criar craca e se tornar mais “realistas”.
Essa colocação serve apenas para dar ideia do confuso cenário de localização onde está imerso o Rainha dos Anjos.

Se é que o naufrágio pode ser encontrado, ainda assim, muitas das peças do navio devem ter sido espalhadas pela explosão. Então, é pouco provável que exista uma área concentrada com os destroços intactos que possa valer a pena o alto custo financeiro da pesquisa, briga judicial pela licença e exploração.
No final de 2016, Denni Albanese, conhecido explorador de destroços na costa brasileira, iniciou uma pesquisa pelo navio.  Foram realizadas buscas com sonares de varredura do possível local. Porém cabe lembrar que a partir de 1986 a lei 7.542 deixa claro que os naufrágios são de propriedade da união não podendo assim ser explorados com função comercial. Não preciso nem citar aqui a importância arqueológica e cultural do sítio, estar muito acima do valor de porcelanas e metais preciosos.
Por volta de 2011 outro grupo iniciou pesquisas sobre o naufrágio, mas não houve evolução do processo.


 

Botao bibliografiaPara saber mais:
Livro Rainha dos Anjos – Mistério na Baía de Guanabara,
Gabriela Javier, 2010
Galeões do Brasil

Naufrágio do Sacramento
Naufrágio do Santo André

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