Destino: naufrágio
Cruzador Bahia
A grande perda da Marinha do Brasil


Revista Mergulho, Ano XIII - Nº 171 - Outubro/2010
Texto Maurício Carvalho
 

Quando falamos entre mergulhadores do naufrágio do Bahia é quase certo que eles pensem no belíssimo vapor que teve fim em uma trágica colisão com o Pirapama na altura de Ponta de Pedras, PE. A grande maioria não sabe que o naufrágio do Cruzador Bahia foi um dos momentos mais trágicos da história naval brasileira, com a perda da vida de 336 homens e, que ainda hoje, está encoberta por uma nuvem de mistério, como cabe a qualquer lenda sobre naufrágios.

O BAHIA
O Cruzador Bahia fazia parte de um plano de reaparelhamento da marinha desenvolvido em 1904. Foi encomendado ao estaleiro Vickers Armstrong, na Inglaterra. Seus 122 metros deslocavam 3150 toneladas. Era armado com 10 canhões de 120 mm.; 6 canhões de 47 mm. e 4 tubos de torpedos de 18 polegadas, sendo considerado na época um orgulho para um país da América do Sul.
Lançado ao mar em janeiro de 1909, chegou ao Brasil em 1910. Depois de diversas missões em 1918, durante a 1ª Guerra Mundial, fez parte Divisão Naval de Operações de Guerra - DNOG, sem ter contudo entrado em combate.
Em 1925 passou por reformas nos estaleiros Henrique Lage no Rio de Janeiro, quando teve sua propulsão convertida de carvão para óleo, recebendo três turbinas. O armamento também sofreu mudanças com a adição de quatro canhões anti-aéreos de 76.2 mm.
Durante a 2ª Guerra Mundial, realizou missões de patrulhamento no Atlântico Sul e participou de diversos comboios dos cargueiros aliados.

 
 
O NAUFRÁGIO
A segunda grande guerra a pouco terminara na Europa e, no Atlântico, milhares de militares americanos retornavam aos Estados Unidos em aviões que faziam a rota Dakar-Recife. Para dar apoio a essa travessia, caso algum avião apresentasse problemas, foi montada uma série de estações em alto mar - regiões pré-determinadas onde navios de várias nacionalidades permaneciam, controlando por rádio, a passagem desses aviões. Em setembro de 1945 um avião B-17 caiu e sua tripulação foi resgatada pelo Contratorpedeiro Greenhalgh.
 

O cruzador Bahia zarpou de Recife para substituir o Contratorpedeiro Bauru na estação 13, a cerca de 500 milhas de Recife e próxima aos Penedos de São Pedro e São Paulo. Deveria ser a última missão do navio, antes de retornar ao Rio de Janeiro, após um longo período de patrulha.
O Bahia partiu no dia 30 de junho de Recife com 372 tripulantes; realizou a tradicional cerimônia de cruzamento da linha do Equador para os novatos e no dia 02 de julho, após 50 horas de navegação, chegou à região da estação 13, onde oficiais americanos embarcados iniciaram as operações de controle dos aviões.
No dia 04 de julho foi ordenada a realização de exercícios de tiro com as sete metralhadoras Oerlikon de 20mm. Para isso, o Bahia lançou ao mar um alvo flutuante, iniciando uma sequência de disparos. A partir daí a violência e rapidez dos acontecimentos deixam dúvidas do que aconteceu. Segundo o inquérito naval realizado após o acidente, uma das metralhadoras estava com o sistema de retranca desmontado. Esse sistema impede que as armas antiaéreas disparem na direção da área interna do navio, enquanto, em combate, perseguem as aeronaves atacantes.

No entanto, alguns testemunhos afirmam que os tiros

acidentais ocorreram antes mesmo do início do exercício. Fato é que às 9h:10, após 5 ou 6 disparos, uma das cargas de profundidades ou minas alojadas no convés de popa do navio foi atingida e uma grande explosão destruiu completamente boa parte da popa do navio, acarretando a abertura do casco e sérios danos estruturais. Toda a parte de ré foi engolida pelas chamas. Calculou-se que só o primeiro choque matou cerca de 101 marinheiros.
Muita fumaça erguia-se do navio parcialmente em chamas, pelo convés espalhavam-se muitos corpos dilacerados e feridos gemiam na tentativa de conseguir socorro.
Os marinheiros e oficiais tentaram coordenar os esforços de salvamento e muitos atos heróicos foram reportados.

 
Apenas 17 balsas, com capacidade para oito homens,

foram lançadas ao mar, nelas apertaram-se os 271 sobreviventes, muitos feridos e queimados. Vários homens lançaram-se ao mar, mesmo feridos.
O Comandante do navio Capitão de Fragata Garcia D'ávila, muito ferido, pediu a um de seus resgatadores que fosse deixado no navio pois não mais tinha salvação. O Bahia, já muito adernado ergueu a proa e em menos de cinco minutos começo a afundar rapidamente, levando com sigo seu capitão e boa parte dos oficiais e marinheiros.


O RESGATE

Não houve tempo para pedidos de socorro pelo rádio o que retardaria o socorro tremendamente.
Na noite do dia 07 o Cruzador Rio Grande do Sul chegou ao local, porém, acreditaram que o Bahia deslocou-se para pesquisar a queda, na véspera, de um avião próximo aquele local.
Ao mesmo tempo, os aviões que chagavam ao Brasil reportavam a ausência de contato com a estação 13, então foi iniciada uma operação de busca naval e aérea.
Na primeira noite, as balsas se dispersaram por uma grande área. Estavam super lotadas e não havia água e alimentos. A insolação causada pela exposição durante o dia contrastava com o frio da noite. Os sobreviventes relataram que os aviões passavam pela rota sem avistá-los e que os tubarões se chocavam com o fundo das balsas. Os naufrágios sofreram de delírios, alucinações e sede, morrendo 230 ali mesmo.
No amanhecer do dia 08, o navio inglês Balfe apareceu no horizonte, zigue zagueando e resgatou sete balsas com 33 sobreviventes, descobrindo-se a extensão da tragédia. Mais cinco marinheiros ainda morreriam a bordo do Balfe.

O Bahia, ainda não localizado, repousa a mais de 1000 metros de profundidade, próximo aos Penedos de São Pedro e São Paulo e encerra para sempre o mistério de tão grave acidente.

 

 

 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

 

voltar a biblioteca