Destino: naufrágio
Galeões do Brasil
Descobrindo nossas origens


 
Revista Mergulho, Ano XIII - Nº 176 - Março/2011
Texto Maurício Carvalho
 
Após a descoberta do Brasil, a coroa portuguesa começou uma corrida para aproveitar os recursos que nossa terra oferecia. Para isso, foi desenvolvida uma frota capaz de levar de volta a Europa produtos como madeira, metais preciosos, plantas, animais e seus derivados.
No mesmo período, outras nações como a Holanda, França, Inglaterra e até a Espanha, também desenvolveram atividades de exploração por aqui, de forma a abocanhar uma parte de desses valiosos recursos.
Em um único navio francês, capturado na costa da Bahia por volta de 1600, havia a surpreendente quantidade de 50.000 peles de onça, além de muito pau-brasil.
Apoiada no tratado de Tordesilhas, a coroa portuguesa considerava o Brasil sua posse e fundou a Companhia Geral de Comércio do Brasil, com o fim de organizar e proteger a remessa dos recursos para Portugal.
Como outras nações não desistiram de também obter esses recursos, diversos combates navais e invasões ocorreram. Os franceses tentaram implantar na região do Rio de Janeiro a França Antártica (1555 a 1560) e os holandeses chegaram a fundar uma colônia na região de Pernambuco (1630 - 1654). Tantos conflitos tinham de resultar em muitos naufrágios de galeões e naus das diversas nacionalidades. Algumas delas são hoje importantes registros subaquáticos da história trágico marítima do Brasil colônia.
 

O Arqueólogo e Professor da UFPE
Carlos Rios medindo um dos canhões
Algumas Naus e Galeões naufragados no Brasil

San Gabriel
1525
Santa Catarina não localizado
S. Maria de Begona
1584
Santos não localizado
Hollandia
1607
Salvador localizado
Amsterdam
1627
Salvador não localizado
N. S. do Rosário
1648
Salvador localizado
Huys Nassau
1648
Salvador não localizado
Utrech
1648
Salvador localizado
São Paulo
1652
Cabo de Santo Agostinho localizado
Sacramento
1668
Salvador localizado
Rainha dos Anjos
1722
Rio de Janeiro não localizado

Segundo o SINAU (Sistema de Informações de Naufrágios) são pelo menos 88 naufrágios de galeões e naus no litoral do Brasil.

 


Com seus canhões e tesouros, naus e galeões navegam pela imaginação de muitas pessoas e da maioria dos mergulhadores. Não é para menos, esses navios a vela, de tamanho modesto, são considerados os mais valiosos naufrágios do mundo. Por isso mesmo, são cobiçados pelos caçadores de tesouros e muitos já foram alvo da pilhagem de empresas ou mergulhadores isolados.


MERGULHANDO NOS GALEÕES

Antes de cair na água, o mergulhador deve compreender a importância do navio que vai conhecer. Lembrando-se de não remover nenhum objeto, pois destroços de navios desse período são um verdadeiro museu sob as águas.

 

Mergulhadores com pouco preparo não sabem o que esperar e poderão não aproveitar um local tão incrível, por isso pesquise o ponto de mergulho. A visão clássica do navio afundado não existe em galeões, pois a madeira foi rapidamente destruída pelo mar, só resistindo a que foi recoberta pelo sedimento marinho.
O que persiste ao tempo é uma grande pilha de pedras de lastro - que eram alojadas no fundo do navio para manter o equilíbrio da embarcação. Os canhões de ferro, pois os canhões de bronze quando localizados são rapidamente roubados ou retirados em operações de recuperação e as âncoras, que permanecem deitadas no fundo, pois o cepo de madeira - haste transversal as unhas da âncora - também já foi destruído pelo mar.

 

O GALEÃO SÃO PAULO

O São Paulo era uma embarcação de aproximadamente 840 toneladas e pouco menos de 30 canhões. Foi enviada na expedição de 1651 como escolta de uma frota de sessenta embarcações da Companhia Geral de Comércio do Brasil.
No início de 1652 a frota deixou a Bahia iniciando o regresso à Portugal, com escala programada para o Recife, PE. Ao aproximar-se da atual capital Pernambucana os portugueses foram avistados por embarcações holandesas. Na época, os flamengos possuíam a colônia de Itamaracá. O Almirante Hauthain, que patrulhava a costa de Pernambuco com cerca de 15 embarcações, decidiu interceptar os portugueses.

No dia 26 de fevereiro, ao largo do cabo de Santo Agostinho, as duas frotas
entraram em combate. Assim que os holandeses abriram fogo e o São Paulo começo a atirar, houve uma tremenda explosão que arrastou rapidamente para o fundo o galeão português. Deixando a dúvida de que a explosão foi causada por seu próprio fogo. Fato comum na época no manuseio de canhões de ferro.
A história e destroços do São Paulo vêm sendo estudadas com muita competência pelo arqueólogo subaquático da Universidade Federal de Pernambuco Carlos Rios, com quem tive o prazer de mergulhar no local.
A muitos anos tentava mergulhar nesse importante naufrágio. Porém, a posição do naufrágio, longe da cidade de Recife e, frequência de águas escuras, fazia com que a operadora Aquáticos de Recife tivesse dificuldades de agendar esse mergulho.
Finalmente em janeiro deste ano conseguimos um belíssimo mergulho graças à providencial ajuda do amigo Nelson Léllis e da Pernambuco Pilots, que disponibilizou uma embarcação da praticagem do porto de Suape, ancoradouro mais próximo ao local do naufrágio.
 
 
  O núcleo principal dos destroços, com lastro e canhões espalha-se por cerca de 400 metros quadrados, sobre um fundo de areia com no máximo 19 metros de profundidade. Alguns canhões estão muito afastados desse núcleo.
O São Paulo apresenta a distribuição clássica de galeões que sofreram intervenção humana. Existem dois grandes aglomerados de lastro que atingem no máximo 1 metro do fundo. Encontramos 17 canhões, todos de ferro, sendo que dois deles estão muito afastados do conjunto. Existem duas âncoras, mas estão bem enterradas sob o lastro e são de difícil visualização.
As peças mais interessantes são as governaduras de leme - suportes de metal que seguravam a madeira do leme, permitindo a sua movimentação. Suas várias partes estão espalhadas por todo os destroços, indicando que houve modificação muito intensa do sítio arqueológico.
A região é conhecida pelos tubarões que produziram ataques em Recife, porém não vimos nenhuma atividade e o fundo apresenta poucos peixes.

O galeão São Paulo, assim como o Sacramento e o Utrech, são naufrágios pequenos, que acabam pouco valorizados por mergulhadores que não conhecem navegação, mas são tão ricos em história, que podem preencher mais do que os 45 minutos clássicos de mergulho.
Descubra o segredo dessas "frágeis" embarcações que transportaram homens, além dos oceanos e de seus medos, em busca de seus desejos; o mais forte combustível a impulsionar a humanidade.
 

Veja mais em:
Naufrágio do São Paulo
 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

 

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