Destino: naufrágio
Pirapama
Novas descobertas, põem fim a distorções sobre naufrágios


 
Revista Mergulho, Ano XV - Nº 184 - novembro/2011
Texto: Carlos Rios e Maurício Carvalho
 
Quase toda criança já brincou de telefone sem fio. Quando uma frase é passada de ouvido a ouvido, acabando por gerar no final da corrente, frases diferentes da original, confusas e hilárias. A história de muitos naufrágios no Brasil não é diferente, ao longo dos anos, mergulhadores e a própria imprensa, foram distorcendo os fatos e acabamos com registros verdadeiramente absurdos.
São exemplos desses navios e seus (erros) o Rosalinda (Rosalina), Guadiana (Artemis) e o da Ponta da Parnaioca (Japurá), que demandaram muito esforço, para que nomes incorretos e histórias distorcidas não fossem mais atribuídos a eles.
Aos poucos, essa era de incorreção, causada pela falta de registros apurados e disponíveis vai ficando no passado.
 
A pesquisa dos naufrágios do Brasil produziu nos últimos anos alguns importantes e sérios estudiosos. Os trabalhos do professor de Arqueologia Subaquática da Universidade Federal de Pernambuco, Carlos Rios (que também é Oficial de Marinha e mergulhador) vem lançando luz na confusa história de alguns dos mais famosos naufrágios do Brasil.
Com isso, erros que ao longo do tempo foram sendo passados de mergulhador a mergulhador, podem finalmente ser eliminados pela autoridade de um conhecedor do assunto.
O Pirapama, afundado a seis milhas em frente ao porto do Recife é, sem dúvida, um dos mais belos naufrágios do Brasil e poucos mergulhadores não conhecem a história de seu trágico acidente quando, em 1887, chocou-se com o vapor Bahia. A colisão teria sido provocada pelo Capitão Carvalho, comandante do Pirapama, devido a uma disputa com o Capitão Izaac, comandante do Bahia, pelo amor de uma mulher. Por mais inverossímil que seja a história; traição, amor e vingança caem muito mais facilmente no gosto do imaginário coletivo.
 

A HISTÓRIA DOCUMENTADA PELO PROFESSOR CARLOS RIOS

O Pirapama foi o terceiro navio pernambucano a ostentar esse nome. Foi adquirido na Inglaterra pela Companhia Pernambucana de Navegação Costeira por Vapor (CPNCV), possuía casco de ferro, passando a operar em 04.06.1867. Tinha 60 metros de comprimento, 10 de boca e 2,64 de calado, deslocando 312 toneladas. Suas máquinas possuíam 120 cavalos-vapor e era equipado com 34 tripulantes.
A embarcação fazia, normalmente, o comércio marítimo entre os estados do Norte e do Nordeste e esporadicamente ia aos estados do Sul e Sudeste para transporte de cargas em geral, de pessoas e de valores em espécie.
Durante a sua vida útil sofreu alguns problemas, tendo encalhado na barra do rio Potengi, em Natal, RN, em 27.03.1878. Devido a problemas mecânicos arribou para Mossoró, RN, em 18.01.1879. Em 1880 recebeu caldeiras novas que sofreram reparos em 26.03.1885.
Em 25.03.1887 saiu do Recife, às 05:30 horas, com destino aos portos do Norte do país e, na altura do município de Pontas de Pedras, às 23:45 horas, abalroou com seu bico de proa o costado do vapor Bahia, tendo este último afundado em 10 minutos.
De acordo com os jornais da época, o número de vítimas é discordante. No Pirapama não há relato de mortos, entretanto, o vapor Bahia que transportava entre 230 e 300 passageiros, só 141 sobreviveram. Dos sobreviventes, 108 vieram para o Recife e 33 permaneceram no atual município de Goiana, possivelmente em tratamento médico. Nas listas publicadas na imprensa local o número de mortos oscila entre 66 e 139.

 
  O Pirapama mesmo avariado conseguiu retornar para o porto do Recife. Seu comandante, Sr. Francisco Raimundo de Carvalho apesar de ter recebido elogios e notas de gratidão, publicadas nos jornais locais, externando a sua perícia em trazer o navio de volta para o porto do Recife, foi a julgamento e, em 04.02.1888, foi absolvido por falta de provas.
Teoricamente, segundo alguns estudiosos de naufrágios, o Pirapama foi descomissionado e posto a pique propositalmente em 1889.
Entretanto, de acordo com provas documentais existentes nos livros da CPNCV, o Pirapama mesmo avariado conseguiu retornar para o porto do Recife, onde sofreu reparos, voltando a operar em 17.09.1887. Continuando a ser despachado e navegando normalmente até 24.03.1890. Após essa data, serviu como pontão para armazenamento de carvão no porto do Recife, desaparecendo em seguida dos registros oficiais da companhia que foi extinta em dezembro de 1908.
 
Segundo relatos verbais de mergulhadores veteranos de PE, o naufrágio chamado Pirapama, desde 1957 já se encontrava completamente desaparelhado. Por esse motivo, é pouco provável que pessoas tenham mergulhado antes daquela data para retirada de equipamentos que necessitariam de guindastes e meses de trabalho. Assim, pode-se concluir que, provavelmente, esse trabalho foi feito em terra.
Uma das medidas (comprimento) do naufrágio difere em poucos centímetros da original. Pelo exposto, a embarcação em análise reúne evidências de que pode ser realmente o vapor Pirapama, mas neste caso ele só foi afundado depois de 1908 e não em 1889, como divulgado atualmente. Provavelmente esse navio deve ter servido de pontão por pelo menos dez anos antes de o casco apresentar sinais de infiltração pela água, sendo então descartado da função e afundado a 6 milhas do porto do Recife, em local apropriado, para que em função de sua altura, não se tornasse um perigo à navegação.
 

OS DESTROÇOS
Considerado um dos dez mais bonitos naufrágios do Brasil o Pirapama é um dos pontos de mergulho mais próximos do porto de Recife, ficando somente 6 milhas da costa.
Ele ainda mantém toda sua linha de casco com bordo alto, com a proa em direção ao Recife. Apoiado corretamente no fundo, os conveses não mais existem e quase todas as grandes peças como: caldeiras, âncoras e as rodas de pás foram retiradas, o que caracteriza no naufrágio à típica estrutura de canoa.

 
Na proa, ainda resta o reforço de quilha e parte dos escovéns. A meia-nau estão as máquinas, constituídas por dois grandes cilindros e sua estrutura de apoio (tipo: Oscilating Engine). Caídos ao lado das máquinas estão os eixos e o miolo de roda de pás. Na frente das máquinas está uma das câmaras de condensação de vapor.
Na popa restam o leme e sua roda e muito pouco das janelas do antigo casario.
Por todo o navio a quantidade de peixes e invertebrados é impressionante, conferindo ao naufrágio um colorido maravilhoso. Grande quantidade de tartarugas e arraias passeiam pelos destroços e, principalmente à noite, os encontros são garantidos.
 
Máquinas do tipo Oscilating engine Reforço de proa Suportes do convés Miolo da roda de pás
 

Juntamos uma história cheia de dramas, mistérios e informações desencontradas, em um dos mais raros tipos de navios do mundo e um cenário com biodiversidade como poucos no Brasil e o resultado não poderia ser outro, o sucesso!!
Pergunte para os amigos como é o Pirapama e depois pergunte a si mesmo porque você ainda não o conhece? Há! Conhece, então porque não voltou lá mais vezes? Voltou? Mas foi pouco não é mesmo...

 

OUTRAS INFORMAÇÕES

Pirapama - História Completa
Em Recife, Pirapama (Revista Sub, Nº 15 - maio/1996)
Circulando com a História (Revista Mergulho Nº 148 - novembro/2008)


 
 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

Veja matéria na Revista Mergulho
 

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