Destino: naufrágio
Tira a Mão do Meu Naufrágio
Gonçalo Coelho, o navio da discórdia


Revista Mergulho, Ano XIII - Nº 169 - Agosto/2010
Texto Maurício Carvalho
 

Durante muitos anos mergulhadores, não só no Brasil, discutiram sobre a propriedade de naufrágios localizados ou provocados. Pessoas e empresas se arvoram donas de destroços localizados por elas e, pior, algumas acreditam que por ter provocado o afundamento de um navio, passam a proprietários de uma faixa do fundo do mar. Ignorância da lei. No Brasil, salvo os direitos das seguradoras marítimas e salvatagem, que já não mais se aplicam a grande maioria dos destroços, a lei prevê ser propriedade do estado não só o mar, mas os recursos advindos dele.

Desses destroços, a união deve salvaguardar o patrimônio histórico, artístico e cultural para usufruto da nação. O que hoje é visto é que a cada dia, mais indivíduos querem ser controladores dos naufrágios e vários foram colocados fora do alcance dos mergulhadores. Depois do Lily, em Bombinhas, agora os naufrágios Comandante Pessoa e São Luiz em Natal, estão em áreas de controle ambiental. Trabalhei na montagem do Parque Nacional do Abrolhos e nunca consegui entender essa falta de visão; proibir o acesso de forma ampla e sem justificativas plausíveis.

Em 1999 um grupo de Pernambuco provocou, sem as devidas
autorizações, o afundamento do navio Gonçalo Coelho. Originalmente um navio de desembarque de tanques LST (Landing Ship Tank), que após a 2ª guerra mundial foi reformado e prestou serviços durante alguns anos no transporte entre Recife e Fernando de Noronha.
O velho navio foi comprado, desequipado, limpo e preparado com diversas aberturas no casco. Após o reboque, as válvulas foram abertas em frente à Serrambi, PE. e em cerca de uma hora e meia, foi pousar a cerca de 30 metros de profundidade em ponto em frente ao Hotel Intermares.
O afundamento provocou desdobramentos jurídicos. Ainda assim, enquanto o hotel e operadora funcionaram sob administração deste grupo, a posição do Gonçalo Coelho foi
 
mantida em segredo e o naufrágio vigiado, com a alegação de

ser protegido dos caçadores submarinos, já que rapidamente tornou-se um grande viveiro de cardumes e seus porões ótimos esconderijos para grandes peixes como os meros. Todas as minhas tentativas de mergulhar no navio, apenas com o objetivo de documentação, não obtiveram resposta.

Em 2007, com a referida operadora já não mais atuando, surgiu a oportunidade de mergulhar no local em uma das Expedições do Atlantis Voyager, qual não foi minha surpresa em descobrir a ainda havia enorme resistência para conseguir a posição do navio, a ideia de propriedade de naufrágio continuava. No fim, recorri a uma posição que circulava pela internet e que parecia ser razoável e partimos pra o local. Depois de tantos anos de busca de outros naufrágios não poderia ser assim tão difícil. Cerca de meia hora de busca e bingo, lá estava o Gonçalo Coelho.


 
O GONÇALO COELHO
Este navio de aço de 64 metros, semelhante a um Ferry Boat, está apoiado no fundo com as duas portas de proa abertas e a rampa de desembarque caída.
A partir dessa porta e, seguindo-se pelo convés da embarcação, existem diversas aberturas que dão acesso aos porões.
A meia-nau ergue-se a boreste uma parede em arco, que sustenta no alto um pequeno casario. Em 2007 o conjunto já estava inclinado em cerca de 30º. Logo atrás da estrutura de comando estão duas grandes aberturas retangulares, que dão fácil acesso aos amplos porões, onde ficavam as máquinas do Gonçalo. Para trás, o convés é limpo e varrido até a popa.
Os lemes e hélices foram retirados antes do afundamento. Mas junto à popa, ainda existe uma grande âncora almirantado, levada como reserva para o dia do afundamento. Os destroços são muito bonitos e a quantidade de peixes impressiona. As passagens pelos porões, devido ao teto, escuridão e ao sedimento aumentam o nível de dificuldade forçando os mergulhadores a possuírem maior nível de treinamento.
 

 
Após localizar o naufrágio em 2007, quase 10 anos depois do afundamento, o mergulho, mapeamento e registro fotográfico foram realizados. A pedido de amigos, que não queriam confusão, a matéria foi divulgada no site Naufrágios do Brasil, com a posição do naufrágio indicada em graus e minutos. O que em linguagem naval básica, só significa "em frente ao Hotel Intermares", informação que alias, todos já conheciam e sem nenhuma precisão.
Foi o que bastou... Caras feias, narizes torcidos e um punhado de calúnias.
Segundo as quais um "bando de Carioca" havia divulgado a posição do navio para os caçadores submarinos de Recife. Alguns desses caçadores submarinos, com mais de 30 anos de experiência no local, com certeza não precisariam disso para localizar o navio. Percebi então, que a mania do "meu naufrágio" ainda está longe de desaparecer do mar do Brasil.
Os naufrágios do Brasil não pertencem a nenhum grupo, seja de biólogos, operadoras ou mergulhadores. Usufruir com responsabilidade desse patrimônio é direito de todos. Se alguém comete ato ilícito, como pescar com cilindro ou roubar peças dos destroços, ao invés de condenar quem divulga e produz informação, deve-se buscar coragem e denunciar o infrator as autoridades competentes. Se assim não fosse, deveríamos condenar as Páginas Amarelas por facilitar o roubo a banco, já que divulgam amplamente o endereço do cofre.
Aproveite para conhecer e mergulhar nos naufrágios do Brasil, vai que qualquer hora dessas colocam uma cerca elétrica em volta de seu navio preferido.
 

 

Veja mais em:
Naufrágio do Gonçalo Coelho

 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

 

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