Fim do Mistério

Revista Mergulho, ano VIII, Nº 104 - 2005
Por: Maurício Carvalho
 
 
Há dois anos pescadores encontraram um navio afundado em Abrolhos. Mas só agora é revelada a sua identidade.
 

Para quem gosta de naufrágio, Abrolhos sempre foi sinônimo de mergulho no Rosalinda. E não por acaso. Ele é uma das melhores opções em toda costa brasileira e ainda fica num dos pontos mais famosos do país. Há dois anos, no entanto, pescadores descobriram um outro navio afundado na área do Parque Nacional, e a novidade logo passou a dividir a atenção de quem viaja para o arquipélago. Em pouco tempo as operações de mergulho por ali ganharam fôlego e acreditou-se que a embarcação era o Arthemis, um navio grego afundado em 1932. Mas não. Informações desencontradas vieram à tona e levantaram a suspeita de que aquele poderia não ser o navio que se imaginava. Abrolhos havia ganho um ótimo naufrágio, mas também um novo mistério. Que, aliás, só agora acaba de ser desvendado.

Os primeiros mergulhos para identificaão dos destroços começaram em janeiro passado e logo mostraram que, junto à popa, havia uma linha de malaguetas - peças usadas na fixação dos cabos do velame.

Como o Arthemis afundou em 1932, não poderia ser um navio misto - ou seja, com velas e a vapor. Além disso, as medições mostraram que ele tem 120 metros de comprimento por 12 de boca, diversas peças foram identificadas - como as máquinas de dois cilindros - e somente dois navios na região de Abrolhos tinham essas características: o Santa Catarina, afundado na 1º Guerra Mundial por causa de um incêndio, e o Guadiana, que segundo as informações teria se chocado com o Parcel das Paredes em 1885.

Não demorou muito para que outras pistas levassem a identificação correta. A mais importante é que o navio está claramente encaixado de proa em um chapeirão, oque não deixa dúvidas de que o naufrágio foi causado por um choque. Ou seja, aquele só poderia ser mesmo o Guadiana.

A embarcação fazia a linha entre as Amércas do Norte e do Sul e partiu do Porto de Santos com destino a Nova York, parando antes no Rio de Janeiro. Levava a bordo 45 passageiros e 1.800 toneladas de café. O acidente aconteceu dois dias depois que ele zarpou. O convés dos passageiros encheu-se de água rapidamente e o pânico logo tomou conta do navio. Todos abandonaram seus camarotes apenas com as roupas que vestiam e o comandante deu a ordem: abaixar os escaleres. O navio estava irremediavelmente perdido. Já a salvo, os passageiros ainda tiveram tempo de ver o Guadiana inclinando-se o suficiente para que o comandante e alguns marinheiros, que ainda não haviam abandonado a embarcação, mal pudessem se manter em pé. Mas eles conseguiram alcançar o último escaler e salvar a pele.

 
 
O Guadiana afundou em 1885, perto do Parcel das Paredes. Seu ponto mais fundo chega a 27 metros
  
Tempos depois que o navio foi abandonado, eles encontraram uma garopeira que identificou o local como o Parcel das Paredes. Alguns passageiros subiram a bordo e outros pegaram carona com outra embarcação de pesca, que os levou até Caravelas. Uma chuva torrencial os acompanhou até a praia e, por volta das 7h da noite, eles finalmente pisaram em terra firme. Fim da história? Nada disso. Aquela noite sombria ainda estava longe de terminar. Além dos 200 mil contos que eles tiveram que pagar para um dos pescadores que os salvaram, o único hotel disponível na cidade tinha apenas duas camas e uma comida, digamos, não muito digerível.
  

Hoje, o Guadiana está preso entre três grandes chapeirões, com o lado de boreste da proa encravado a cerca de 9 metros de profundidade. A popa, a 27 metros, está partida e virada para boreste. O restante dos destroços está adernado a 45º, como o costado de bombordo tombado na areia. Em três pontos o navio está fraturado até a quilha; as âncoras e correntes passadas no escovém e o reforço de proa, intacto.

O primeiro porão, no entanto, está bem danificado e, logo atrás, estão o guincho e o primeiro mastro. Nele pode ser encontrado o sistema de fixação da retranca (veleiro) e linhas de malaguetas. Todo o casario está caído sobre o segundo porão. No centro do navio estão as três caldeiras e as máquinas a vapor. Na popa, está o terceiro porão, bem conservado e, assim como os outros, completamente vazio. Atrás do quarto porão fica o hélice reserva, preso ao convés. Na popa caída para bombordo, a quilha está apoiada no chapeirão e o leme e o hélice estão virados para cima.

Não convém, porém, penetrar nos destroços. Como boa parte das estruturas era de ferro - e não de aço - está corroída e pode desabar. Ao longo de todo o navio, no entanto, há uma quantidade incrível de corais moles, esponjas e peixes, que tornam o mergulho no Guadiana imperdível. Mesmo que o Rosalinda ainda seja o naufrágio mais famoso de Abrolhos.

  
 

 
OBS: Na matéria original constam outros fotos.
 

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