PIRAPAMA

Sumário

Histórico

Este navio foi terceiro em Pernambuco a ostentar o nome Pirapama. Adquirido na Inglaterra pela Companhia Pernambucana de Navegação Costeira, esse vapor de rodas possuía casco de ferro com 60 metros de comprimento e 10 metros de boca. Suas máquinas oscilantes possuíam 120 cavalos-vapor e deslocavam as 312 toneladas do navio.
Passou a operar em 04 de junho de 1867. A embarcação fazia normalmente o comércio marítimo entre os estados do Norte e do Nordeste e esporadicamente seguia até estados do Sul e Sudeste, para transporte de cargas em geral, pessoas e valores em espécie.
O Pirapama navegou sem grandes percalços até 1887, com as dificuldades normais dos navios da época na costa do Brasil. Então em 24.03.1887 ocorreu o fato que marcaria para sempre a história desse vapor.

O acidente

O choque com o vapor Pirapama que pôs a pique o Bahia, na altura da praia de Ponta de Pedras, norte do estado de Pernambuco é cercado de muito mistério e estórias fantasiosas. Depois de uma longa pesquisa e leitura de dezenas de jornais e documentos fiquei com a impressão de que os eventos não passaram de um terrível acidente, causado por negligência de uma ou até das duas tripulações, mas talvez jamais saibamos a verdade.
Com certeza os fatos estão muito longe da incrível versão que corre no gosto popular, afirmando que o comandante Carvalho do Pirapama, havia jogado propositalmente a proa de seu navio, contra o costado do Bahia, devido a uma antiga rixa entre os dois comandantes por causa de uma mulher. Sem rádio e radar, localizar em alto mar, em 1887 um outro navio seria praticamente impossível.
Além disso, com certeza os outros oficiais e o prático que estavam na ponte no momento do acidente não deixariam o capitão cometer tal loucura.
O Pirapama, comandado pelo Capitão Carvalho e sob ordens do prático Vicente da Costa, deixou o porto do Recife as 17:30 h do dia 24 de março, com destino a portos do norte e escala no porto da Paraíba. O vapor Bahia, comandado pelo Tenente Aureliano, vinha do porto de Camocim com destino a Recife, onde faria escala, antes de seguir para os portos do sul. A bordo do Bahia estava um total de mais de 200 pessoas, inclusive, o 15º Batalhão de Infantaria do Exército que seguia com destino a Corte (Rio de Janeiro).
Em uma noite clara de mar calmo e sem nevoeiro, à cerca de 30 milhas do farol do Picão, e a 10 milhas do litoral de Ponta de Pedras, quase na divisa com o estado da Paraíba. O Pirapama e o Bahia seguiam em rota de colisão quando finalmente perceberam a presença um do outro. A despeito das tentativas de mudança da rota e parada das máquinas, os dois vapores chocaram-se violentamente as 11:30 h.
O Pirapama sofreu o choque na proa, com maiores danos por boreste e o Bahia recebeu a força da proa do Pirapama por bombordo. O Pirapama retornou ao porto de Recife a meia força e com muita água no porão de proa. Sem apresentar vítimas, o navio chegou ao porto por volta das 7:00 horas da manhã do dia 25 de março. O Bahia, em decorrência dos estragos causados pelo choque, afundou cerca de 10 minutos após o acidente. Mais de duzentas pessoas tentaram salvar-se agarrando nos mastros e em quaisquer outras coisas que flutuassem. Após o naufrágio, acorreram ao local algumas jangadas e três barcaças.

Posição do acidente e naufrágio do Bahia. Grande cobertura dos jornais do período

Uma das jangadas, a Gracinda, salvou cerca de 30 passageiros que estavam agarrados aos mastros, além de mais 13 que nadavam desesperadamente. Poucos passageiros e marinheiros se salvaram, pois, a maioria estava recolhida aos camarotes no momento do acidente. Também pereceram o comandante, o imediato e demais oficiais. Oitenta e dois náufragos em estado próximo da nudez chegaram ao cais Lingueta. Oito, foram encaminhados à enfermaria da Marinha. Os civis foram hospedados em hotéis, enquanto os militares foram levados a quartéis e bases da Marinha.
Muitos comerciantes ofereceram roupas aos náufragos. Nos dias que se seguiram, foi instalada uma comissão de auxílio às vítimas e transporte em vários vapores para suas cidades de origem. Nos dias seguintes à tragédia, diversos cadáveres começaram a chegar nas praias próximas ao local dos destroços, principalmente na praia de Ponta de Pedras e Carne de Vaca e por ordem do delegado foram enterradas no cemitério local. No dia 28 de março foi aberto um inquérito para apurar as causas e responsáveis pelo acidente, até esse momento, ninguém falava de culpa do capitão Carvalho do Pirapama. O oficial Manoel Luiz de Almeida denunciou o Pirapama por não prestar socorro. Já o comandante do Pirapama acusou o 1º tenente Aureliano Izacc de imperícia e negligência.

Versão do Bahia

acidentebahia

“As 23:00 h nosso vapor seguia a quarto de força e a 10 milhas da costa, em demanda ao porto de Pernambuco; cuja barra como é sabido, só pode ser montada ao alvorecer. As 23:15 horas vimos no rumo oposto ao nosso um farol de luz branca. Mais tarde, vimos a luz encarnada (vermelha) e depois foi reconhecido ser um vapor.
Foi dada a ordem de guinar para bombordo (boreste). Pouco depois, estando o outro vapor muito próximo e correndo sobre o Bahia de modo a cortar lhe a proa, o leme foi todo virado a estibordo para fugir dele. Apesar dos apitos da máquina e gritos que partiam de nosso navio, pouco depois da meia noite ocorreu o abalroamento.”

Versão do Pirapama

acidentebahia2“O Pirapama deixou Recife as 5:30 h da tarde com destino ao porto da Paraíba, sob a direção do prático Vicente Costa. As 23:30 h avistamos um farol branco a estibordo. Naquela hora, navegávamos em frente a Goiana, em direção ao mar e procurando dar resguardo ao parcel que corre encontrado a terra. As 23:45 h um vapor mostrava a luz verde que se aproximava a grande velocidade. Logo após e subitamente o navio arribou para terra, sem contudo mostrar a luz encarnada.
Quando o vapor ficou muito perto, foi dada a ordem de parar e por o leme ao revés e máquinas toda força atrás. Infelizmente já era tarde. Após o choque e paradas as máquinas, o capitão foi verificar pessoalmente os danos por cerca de 20 minutos. O Bahia perguntou quem éramos e seguiu adiante sem pedir ajuda. O Pirapama sofreu deformidades, mas navegou a meia força até Recife, arribando às 7 horas da manhã.”


Dados básicos

Nome do navio: Pirapama
Data de afundamento: entre 09 e 23.03.1895

Dados de localização

Local: Recife
UF: PE
País: Brasil
Posição: Entre Olinda e Recife – a 6 milhas da costa no través da Praia do Canto
Latitude: 08° 03′ 23″ sul
Longitude: 034° 46′ 58″ oeste
Profundidade mínima: 19 metros
Profundidade máxima: 23 metros
Condições atuais: desmantelado

Dados técnicos

Nacionalidade: brasileira
Ano de fabricação: 1866
Armador: Companhia Pernambucana de Navegação Costeira
Deslocamento: 547 toneladas
Comprimento: 57,6 metros
Boca: 8,5 metros
Tipo de embarcação: vapor de rodas
Material do casco: ferro
Carga: variada
Propulsão: vapor
Motivo do afundamento: Descarte depois de obsoleto

 

O destino do Pirapama

Quanto ao Pirapama, os danos que sofreu não foram suficientes para tirá-lo de serviço. O navio foi consertado e continuou navegando regularmente até 1890, sob o  comando do mesmo capitão Carvalho do acidente. O processo pelo afundamento do Bahia durou anos, mas no final o comandante Carvalho foi inocentado.
Quando o navio não mais apresentava condições de navegação eficientes e seu armador considerou que ele não era mais economicamente viável. Determinou que importantes equipamentos como: caldeiras, rodas, guinchos, âncoras, equipamentos de navegação, a superestrutura e o mobiliário fossem retirados e foi transformado em um pontão para estocagem de carvão para os vapores da Companhia Pernambucana de Navegação. Os navios paravam bordo a bordo e o carvão erra passado de um para outro.
Em determinado momento o casco começou a fazer água e não era mais viável para a companhia mantê-lo como pontão de carvão.
No mesmo período, vários vapores velhos da Companhia Pernambucana abarrotavam o porto de Recife e alguns inclusive afundaram no canal, prejudicando a navegação. Assim, foi dada a ordem de esvaziar o porto e diversos cascos antigos foram afunddos ou desmontados.
Entre os dias 9 e 13 de março de 1895 o Pirapama foi limpo de suas últimas peças úteis, foi rebocado para fora do porto de Recife e foi posto a pique.


A proteção doas rodas esconde muitos peixes  –  Os eixos das rodas despontam junto das máquinas


30 anos de Pesquisa

A pesquisa de naufrágios não é coisa fácil, pois o tempo passado dos eventos apaga as informações. No caso do Pirapama, o navio após seu famoso acidente com o Bahia, continuou a navegar, envelheceu, foi encostado e quando finalmente sua companhia o descartou, sem grandes alardes, não tinha mais o glamour e fama do passado.
Foram muitos e muitos anos vasculhando jornais de época e o Arquivo Nacional em busca de uma pista, até que na sexta feira 15.12.2023 acordei com um palpite e a checagem dos dados revelou o mistério.
Muitos outros pesquisadores participaram desse esforço, como meu saudoso amigo de Recife Edísio Rocha, que tanto amava e pesquisou o Pirapama. Gosto de pensar que foi ele que mandou a dica. Com seu jeito calmo de ser… “Maurício está na hora de acabar com o mistério”. Valeu Edísio por tudo!


(Maurício Carvalho – 2023)


Posição do Pirapama em relação ao porto de Recife
Outros naufrágios: Areeiro (Marguaritte)Aussteiger, Batelão do NorteBellatrix, Florida (Reboque), Lupus, Mercurius, Minuano, Phoenix,
São José, Saveiros, Servemar, Servemar X, Taurus e Virgo, Vapor de Baixo, Vapor dos 48 (Jaguaribe) 
e Walsa, (mapa – Google Earth)

   
A proa do Pirapama com o reforço e os escovéns. 

Descrição

O Pirapama está pousado corretamente no fundo direcionado para o Recife. O navio encontra-se na formação clássica de canoa, restando o casco no contorno dos destroços. O navio foi visivelmente desmontado antes de ser afundado, pois diversas peças grandes e importantes como: caldeiras, guinchos, parte das máquinas, âncoras e as rodas de pás não estão mais presentes.
Na proa ainda se mantém o reforço de quilha acima do ponto onde resta casco, junto aos ferros da proa estão os escovéns das âncoras e reforços estruturais. Mas nenhuma peça existe.

Compare o croqui atual com o croqui de 1996

Embora exista uma continuidade do casco, não existe mais nenhum dos convéses, sendo avistado ao longo de toda a linha do navio os suportes que os seguravam.
Existe uma pequena âncora tipo almirantado, porém pelo tamanho deve tratar-se de contaminação de sítio. Os dois bordos estão abertos a não ser nas saias de proteção das rodas.
A única peça de destaque caída fora dos destroços, é um pequeno cabeço e amarração, a boreste, junto a proa.
A meia nau estão as máquinas , constituídas por dois grandes cilindros, (Máquinas do tipo: Oscilating Engine) e sua estrutura de sustentação onde estão os mancais dos eixos. As rodas de pás e engrenagens foram retiradas, mas, encontram-se no local os eixos e cubos das rodas.
Na frente das máquinas encontra-se caída possivelmente uma câmara de condensação do vapor das caldeiras, nesta mesma posição o costado de estibordo está tombado.

 

 

 

 

 

 


Sistema de propulsão do navio Pirapama
Máquinas do tipo oscilating engine

    
Os cilindros das máquinas oscilantes, ainda com a bielas. Nos dois bordos estão os cubos onde se fixavam as rodas de pás os eixos e os mancais, visto na foto na ponta do eixo

    
Formação de canoa e a câmara de condensação de paredes duplas                                          Âncora, possivelmente uma contaminação de sítio

Na popa o casco está mais integro, mas resta pouco do casario, que vêm desmontando e perdendo suas janelas rapidamente desde 1995, partes dessa antiga estrutura estão caídas fora do navio junto a popa. No alto da popa, no que sobrou do convés, está parte do volante do leme.
No fundo está o leme apoiado na areia e a partir de 2007 ele já se apresentava quebrado junto ao fundo.


    Cabine de popa em 1996                                Cabine de popa em 2007, todas as janelas já caíram      Leme do Pirapama                                            

Para saber mais
História completa do Vapor Bahia
Recife – 4 naufrágios
Vapor Bahia – Catástrofe, beleza e mistério
A história completa

Compartilhe

Rolar para cima