Destino: naufrágio


À luz de VELAS


 
Revista Mergulho, Ano XIII - Nº 150 - janeiro/2009
Texto: Maurício Carvalho

 

Não menos preciosos do que embarcações a motor,
muitas vezes subestimados, os veleiros naufragados têm
histórias e destroços para encantar qualquer mergulhador


O patrimônio subaquático brasileiro possui alguns veleiros muito importantes e famosos que reservam muitas surpresas aos mergulhadores.
O Brasil foi descoberto com o uso das caravelas; durante mais de uma centena de anos, os galeões e naus espoliaram nossas riquezas. Depois disso, o comércio do Brasil com o resto do mundo dependeu ainda de muitos tipos de veleiros como Clipers, Brigues, Barcas e Paquetes para citar apenas algumas embarcações famosas de carga. Por tudo isso, não poderia deixar de existir um número significativo de naufrágios de veleiros espalhados por todo o nosso litoral.

 


Destroços do Blackadder
Alguns mergulhadores acreditam que pouco sobra dos veleiros para ser apreciado no fundo, e não demonstram interesse por eles. Não é verdade. Na maioria dos destroços, olhos treinados podem revelar configurações muito interessantes e tornar muito agradável o mergulho nesses navios.
 

  RECONHECENDO OS VELEIROS
Uma das primeiras coisas que um mergulhador deve reconhecer é o tipo de propulsão que o navio possuía. Pode acontecer de não existir a identificação dos destroços, impedindo a pesquisa prévia. Já falamos sobre os vapores e navios mistos (vapor e vela). Mas como identificar um veleiro?
Ao contrário do que a maioria pensa, na maioria das vezes os veleiros são muito fáceis de identificar, pois o conjunto de peças que permite o manuseio dos grandes aparelhos vélicos se destaca no fundo.
 

Não procure pelos mastros, já que frequentemente não existem, podem ter sido cortados, por apresentarem perigo à navegação, ou caíram e acabaram enterrados; ou, ainda quando são feitos de madeira, corroídos por vermes marinhos. A ausência de máquinas também é enganadora, pois seu alto valor, as coloca no alto da lista dos resgatadores de naufrágio da própria época do sinistro.
As melhores dicas para a identificação são o leme sem hélice, as malaguetas, peças que serviam para fixar os cabos das velas e mastros e as bigotas que funcionavam como roldanas para reduzir a força sobre os cabos.

 
PRINCIPAIS VELEIROS DO BRASIL
Encontramos dois tipos de veleiros importantes afundados no Brasil.

Os veleiros mistos - dotados também de máquinas a vapor e muitos deles já foram citados em colunas anteriores como: o Bahia, (PE.), Guadiana, (BA.), Buenos Aires, (RJ.) e Queimado, (PB.) - e os veleiros estritos, impulsionados apenas pelo vento. Estes são os que desejamos abordar nesta coluna, embora por sua importância, alguns dispensem apresentações.
 

 

Vapor Bahia
Guadiana

UTRECH

Em 1648 ocorreu uma grande batalha no interior da Baía de Todos os Santos. Os galeões holandeses Utrech e Huys Van Nassau atacaram a nau portuguesa Nossa Senhora do Rosário (1). No momento da abordagem, vendo seu navio perdido, o capitão português mandou explodiu o paiol de pólvora, selando o destino da nau e de seus dois atacantes. Após a explosão, os navios derivaram um para longe do outro e terminaram por afundar.
Hoje, o Utrech descansa a 15 metros em um fundo de areia muito clara ao largo da ilha de Itaparica, Os mergulhadores podem circular entre os canhões que um dia selaram o destino da Nossa Senhora do Rosário, pilhas de pedras de lastro e diversas âncoras completam o cenário dos destroços.
Os destroços também foram alvo de trabalhos de resgate na década de 70. Algumas das peças recuperadas podem ser vistas no Museu da Marinha do Rio de Janeiro e lindas peças de estanho foram recuperadas, restauradas, copiadas e hoje compõem a coleção de uma famosa fábrica de peças decorativas.

 
(1) Nota do Site Naufrágios do Brasil : Localizado em dezembro de 2008 após o lançamento da matéria na revista, a 200 metros do Utrech.
GALEÃO DE SERAMBI

Descoberto no ano de 2000 pela equipe de mergulhadores do Hotel Intermares de Serrambi, este veleiro alimentou durante muito tempo, os sonhos de ter sido descoberto o Galeão Santa Rosa, que é um dos mais valiosos naufrágios do mundo. Porém, depois de muito segredo, centenas de mergulhos e muito dinheiro abandonou-se essa idéia.
Restaram os destroços muito mexidos do que parece ser um veleiro com carga de carvão. Pelo fundo estão duas grandes âncoras e parte do casco de madeira revestida com chapas de cobre para proteger a madeira dos vermes marinhos.
A costa de Serrambi possui águas muito claras e um rica fauna marinha, tornando este navio ainda mais interessante.
 
CHUCK

Descoberto em 2005 a cerca de 35 metros, em frente ao litoral da cidade do Rio de Janeiro, este pequeno veleiro ainda não tem sua identidade confirmada. Os estudos indicam tratar-se de um navio envolvido no tráfico de escravos, que teria sido afundado pelos ingleses.
Segmento de mastro Mastro de ferro âncora almirantado aparentemente trata-se de um sistema de bomba Guincho de cabrestante visto por baixo



Seu estranho nome originou-se da cabeça de uma boneca semidesfigurada encontrada nos destroços no primeiro mergulho e, que por lembrar o brinquedo assassino homônimo provocou, na água escura, um grande susto na equipe.
No Chuck pouca coisa do veleiro original pode ser vista, parte do mastro ainda erguido, um guincho de cabrestante e o cavername.
 

BLACKADDER

Sem nenhuma dúvida, um dos melhores veleiros naufragados no Brasil é o Blackadder. Esse belo Cliper que possuía as linhas finas do famoso Cutty Sark, (navio histórico, que hoje está sendo restaurado após um incêndio), passou por muitos apertos em sua navegação pelo mundo e em 1905 acabou por afundar na tranquila praia da Boa Viagem em Salvador.
O Blackadder é surpreendente sobre muitos aspectos. Ele encontra-se no interior da Baía de Todos os Santos e ainda assim as águas costumam ser muito claras. Os destroços são ricamente cobertos por esponjas e outros invertebrados e cercados de dezenas de cardumes, que torna o cenário magnífico.

 
O mergulhador pode reconhecer facilmente os três mastros caídos na
perpendicular dos destroços. A proa fina, que cortava eficientemente a água,
está caída de lado.
Na popa ainda existem muitos dos reforços das bigotas, comprovando a identidade de veleiro, partes do casco e mecanismo do leme.
 

 

SACRAMENTO

Um dos mais antigos naufrágios do Brasil, tendo naufragado em 1668 ao se chocar com o banco de Santo Antônio na entrada da Baía de Todos os Santos em frente a Salvador. Embora o naufrágio tenha passado por trabalhos de resgate na década de 70 ainda guarda um belíssimo conjunto de canhões, âncoras e lastro, que tornam o mergulho muito interessante.
As correntes costumam ser fortes influenciadas pela entrada da Baía de Todos os Santos, mas com certeza o mergulho é imperdível.
O Naufrágio normalmente é cercado por águas claras e muitos peixes habitam o monte de destroços que se ergue do fundo.

 

DONA PAULA

Em outubro de 1827 quando perseguia o corsário argentino Fournier, que pilhava os navios navegando na costa do Rio de Janeiro, a fragata brasileira Dona Paula chocou-se com a Ilha dos Franceses, em Arraial do Cabo.
O naufrágio do Dona Paula, possui muito mais atrações para um mergulhador do que o Thetis. Enormes massas de balas e fileiras de canhões, entre outras peças espalham-se pela encosta da ilha e uma grande âncora marca sua proa.
As águas da região costumam ser muito frias, mas o esforço será compensado por um belíssimo naufrágio.

 

  THETIS

Um dos naufrágios mais famosos do Brasil. Essa corveta inglesa de coleta de impostos possuía a seu bordo um dos maiores tesouros já perdido e recuperado em águas brasileiras. Logo após o naufrágio, os ingleses montaram uma grande operação de resgate chegando a recuperar 90% de todo o tesouro. Já no século XX outros dois trabalhos de resgate foram executados. Por isso, embora o naufrágio tenha ocorrido em dezembro de 1830, pouco sobrou no fundo do Saco dos Ingleses em Arraial do Cabo, RJ (foto ao lado).
Do veleiro nada restou, apenas dois canhões e parte das balas e pedras de lastro espalham-se no fundo pedregoso do local, até cerca de 25 metros. Os próprios mastros do navio foram retirados para compor o aparelho de salvatagem montado no local pelos ingleses para salvar

o tesouro e até hoje a operação está registrada nas encostas da ilha na forma de argolas de ferro que sustentavam os cabos (ao lado). Mas isso é outra história.

É fácil perceber que o número de possibilidades para o mergulhador conhecer veleiros no Brasil é enorme. Assim, solte suas velas ao vendo, navegue e descubra o início da historia trágico-marítima do Brasil, com certeza é uma aventura sem risco de naufrágio.
 

 


Curso de Mergulho em Naufrágios

 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

 

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