Destino: naufrágio

Naufrágios Misteriosos

Identificar uma embarcação com precisão exige mais do que
acreditar na primeira história que aparecer


 
Revista Mergulho, Ano XI Nº 133 - Agosto/2007
Texto: Maurício Carvalho
 

Um dos primeiros conhecimentos em naufrágios que se deve adquirir é que a verdadeira história que o envolve, por mais que seja desejada, muitas vezes está invariavelmente perdida. Ao longo dos anos de pesquisa, venho me deparando com muitos naufrágios dos quais nada se conhece; e outros que, apesar de histórias ricamente narradas apresentam incoerências tão profundas que só podemos acreditar que a fantasia tomou o lugar da realidade. Um exemplo clássico é o famoso caso do Vapor Bahia. No ano de 1887 chocou-se em noite de baixa visibilidade com o vapor Pirapama, afundando em frente

à Ponta de Pedras, em Pernambuco.
A narração dos fatos mostra claramente que os navios não se viram, até que já era tarde demais. No entanto, no imaginário popular, até hoje ressurge a incrível história de que o capitão do Pirapama teria jogado seu navio propositalmente contra o Bahia, devido a uma desavença com o capitão do Bahia por causa de uma traição feminina.
Como se fosse razoável pensar que os oficiais e marinheiros na ponte de comando do Pirapama, permitissem que o comandante realizasse esse ato insano e colocasse em risco a vida da tripulação - inclusive a deles mesmos.
Vale lembrar, que o choque ocorreu longe da costa, em mar agitado e noite escura e que na época pouquíssimas pessoas sabiam nadar. Seria quase um suicídio da tripulação. Mas, entre a versão e o fato, normalmente a escolha tem sido pelo menos mais interessante.


Porque tantos erros são cometidos?

 

Na verdade, os motivos são poucos. Primeiramente o erro documental: onde os dados
são registrados de forma incorreta e, travestidos de fontes primárias, acabam se perpetuando. Um conhecido exemplo é o documento Subsídios para a História Marítima do Brasil da Marinha, onde encontra-se uma grande lista de naufrágios e suas respectivas datas. Sendo um documento de Marinha deveria ser preciso, no entanto, nele existe um número muito grande de erros - e até mesmo uma página inteira do documento original foi omitida no texto.
 


Caldeira da Draguinha

 A segunda razão ocorre por ignorância. Quando pessoas que desconhecem a identidade do navio procuram batizá-lo e acabam poluindo sua história com dados fictícios. O "Rosalina" de Abrolhos é um exemplo clássico, recebeu nome, data de naufrágio, e até características de construção de um navio com esse batismo, mas que jamais chegou a afundar. Muitos anos depois, graças à análise do maquinário que está no fundo, consegui descobrir que o navio era na verdade o Rosalinda. E, finalmente, a história do navio pôde ser rastreada. Por pouco, o Guadiana, também em Abrolhos, não teve o mesmo destino, já que foi precipitadamente batizado de Arthemis.
O mergulhador de naufrágio precisa estar ciente de que muitas vezes uma identificação demora anos. Naufrágios como o Moreno, Rio Machauan
(RJ),
Areeiro (PE), Dragão e Draguinha (AL) custaram muito tempo e esforço até sua correta identificação. Alguns outros ainda continuam esperando que a sua história seja iluminada.
O Brasil conta com um time de pesquisadores extremamente sérios, entre eles Marcelo de Ferrari, Ivo Brasil e José Góes de Salvador, que muito já contribuíram para o esclarecimento da história dos naufrágios. No entanto, ainda há muito o que descobrir. Saia da frente da Internet (hoje, uma das maiores fontes de desinformação, graças aos portais compromissados com novidades e volume de conteúdo, não com a fidelidade dos dados) e mergulhe nas bibliotecas, arquivos e jornais. Lá estão guardados os verdadeiros tesouros da história trágico-marítima do Brasil.
 
MISTÉRIOS QUE DURAM
Alguns dos mais famosos e freqüentados naufrágios da nossa costa, ainda não tem identificação :
 
Parnaioca

Local: Costão da Ponta Alta da Parnaioca, por fora da Ilha Grande, RJ.
Informações conhecidas: trata-se de um grande navio de aço (provavelmente do início do século XX), que está batido de popa na costeira, muito mal tratado pelo mar no local apresenta-se quase desmantelado.
Informações incorretas: diversas vezes foi batizado como sendo o Japurá, devido à citação pelo Subsídio para a História Marítima do Brasil: "1897 - Japurá - submergiu arrebentado pelo mar, a 15 milhas a sudoeste da Ilha Grande". Os jornais da época indicam que ele afundou em alto mar em 1901 e dois sobreviventes confirma a história.
 
Chata de Noronha

Local: a 18 milhas do porto de Recife, PE.
Informações conhecidas: trata-se de um navio com um grande guindaste que fazia a rota Recife / Fernando de Noronha. Teria afundado por volta do ano de1970 devido a mau tempo.
Informações incorretas: Não são conhecidas outras informações e existem mais de 3 datas para o naufrágio (1969, 1973 e 1974), todas verificadas e sem registro nos jornais de época.
   
Vapor da Jequitáia

Local: Interior da Baía de Todos os Santos, em frente a Jequitáia, Salvador, BA.
Informações conhecidas: trata-se de um rebocador, ou pequeno vapor do meio do século XIX.
Informações incorretas: Mais nenhum dado é conhecido.
 
Califórnia ou Rio de Janeiro

Local: Praia Vermelha, Ilha Grande, RJ.
Informações conhecidas: no Subsídios para a História Marítima do Brasil é citado: "1866, Califórnia - A pique na Praia Vermelha, próximo a Araçatiba.
Informações incorretas: Talvez a maior confusão entre os naufrágios famosos esteja na identificação do vapor Califórnia, pois nenhuma informação sobre o naufrágio consta nos jornais de época.
 

 
Curso de Mergulho em Naufrágios

 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

 
 
 

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